por Antonio Augusto de Queiroz

Jornalista, consultor, analista político, diretor de Documentação do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.

Quinta-feira, 25 de outubro de 2018

As escolas, a imprensa, os partidos, os movimentos sociais e sindicais e o próprio Estado precisam urgentemente investir na formação política, cívica e cidadã, sob pena de completa manipulação dos eleitores pelas máquinas

Antônio Augusto de Queiroz*

As eleições de 2018 revelam mudança de paradigma na forma de fazer campanha no Brasil, com o ingresso definitivo da era digital nas disputas eleitorais, inclusive com o emprego da inteligência artificial no impulsionamento e direcionamento de mensagens a determinadas comunidades nas redes sociais. Saem os cabos eleitorais e entram os robôs na disseminação e até “diálogo” com os internautas.

De fato, estas eleições romperam com os parâmetros das campanhas anteriores. Historicamente, 4 condições, além de bons programas de governo, sempre foram indispensáveis para se ganhar eleição no Brasil:

1) maiores e melhores palanques,

2) mais financiamento,

3) mais tempo de rádio e televisão, e

4) militantes de rua.

As redes/mídias sociais tiveram importância estratégica nas eleições gerais e foram fundamentais para reduzir, e de forma drástica, a influência das estruturas e do dinheiro nas campanhas eleitorais. Partidos e candidatos com poucos recursos — caso do PSL e do partido Novo — tiveram desempenho eleitoral superior a partidos e candidatos com muito dinheiro e estrutura, como foi o caso do PSDB e de seu candidato, e do presidente do Senado, Eunício Oliveira, candidato à reeleição pelo MDB do Ceará.

Com as redes sociais ou mídias digitais, a distribuição pessoal de panfletos nas ruas e os comícios com a presença física do candidato perdem o sentido, já que tudo poderá ser feito remotamente. A contratação de cabos eleitorais passa a ser desnecessária, porque o candidato, por meio de transmissão ao vivo (o ato de fazer uma live) se comunica diretamente e em tempo real com o eleitor, dispensando intermediários. No bate papo online, o candidato pode ser assistido por um escritor fantasma (ghost writer em inglês) para “dialogar” com o potencial eleitor. Ou seja, a tecnologia passou a ter papel fundamental nas eleições, inclusive com a redução drástica dos custos de campanha. Se for empregada também a inteligência artificial, esse potencial de influência se amplia ainda mais, direcionando mensagens para grupos específicos de potenciais eleitores. É o novo mundo da era digital.

Todos sabemos que o uso de tecnologia e das redes sociais, por si só, não faz milagres, mas ajuda enormemente na disseminação e direcionamento das mensagens “certas” aos usuários “certos”. O emprego de algoritmo pode direcionar determinadas mensagens apenas para os públicos que estejam de acordo com elas, reforçando pontos de vistas.

As redes sociais, como resultado do desenvolvimento científico e tecnológico, são conquista da civilização. Essas conquistas contribuem enormemente para democratizar e agilizar a comunicação de baixo custo entre as pessoas. Porém, quando utilizadas para fazer o mal, essas o potencializam, porque tornam mais rápidas e precisas as mensagens aos destinatários.

Nessa modalidade de comunicação, além do emprego do algoritmo, que destina mensagens mais precisas aos seus destinatários, as pessoas podem, rapidamente, criar, mandar e apagar mensagens, especialmente no WhatsApp, inclusive com o uso de perfis falsos. E quando utilizada para o mal, em segundos, é possível encaminhar milhares de notícias falsas com o propósito de difamar, arruinar ou destruir imagens e reputações de pessoas e instituições, sendo muito difícil rastrear a origem dessas notícias antes de serem disseminadas nas redes sociais (Facebook, Instagram, Twiter etc). Isso fez com que robôs e pessoas tivessem terreno fértil para espalhá-las sem serem pegos, numa espécie de guerra suja nas eleições.

Essa forma de fazer campanha, entretanto, não é inusitada. Trata-se, na verdade, de movimento que veio de fora para dentro, e que já foi largamente praticado na Inglaterra na campanha do Brexit (saída dos Ingleses da União Europeia) e na eleição do presidente norte-americano, Donald Trump. O meio é o mesmo — as redes sociais — e as mensagens têm o mesmo formato ou padrão, sempre com forte conteúdo emocional, enorme carga de medo e de negação.

Como os cidadãos brasileiros, desde as jornadas de junho/julho de 2013, não estão mais dispostos a aceitar como ético, legítimo e sustentável eleger seu próprio algoz, alguém que retire direito ou simplesmente ignore ou negue suas demandas, as forças neoliberais vinculadas aos rentistas, ao mercado financeiro e os fundamentalistas conservadores importaram essas novas formas de abordagem, conhecida como pós-verdade ou política pós-factual, que consiste em explorar reações emocionais, reiterar palavras de ordem, desconectadas da realidade, mas com “aparência de verdade”, e desqualificar a política, o sistema político e suas práticas, além de criar confusão, como forma de evitar o debate de ideias, conteúdos ou programas dos candidatos. Ou seja, evitar escolhas racionais e explorar a máxima de que não há fatos, apenas versões. Isso pode enganar o eleitor apenas uma vez, mas o estrago pode ser irreversível.

O padrão da mensagem das campanhas/candidaturas é o mesmo praticado nos países citados. Primeiro, identifica-se um problema, que incomoda profundamente a todos. Em seguida, aponta-se supostos culpados por esse problema. E, por último, propõe-se punir os supostos culpados, porém sem apresentar solução para os problemas. Com isso, o gatilho mental do julgamento moral é disparado, ao mesmo tempo em que se dispensa ao destinatário o esforço de raciocinar ou pensar, porque a “mensagem” emitida denota causa e efeito. Ou seja: aparenta lógica, embora seja uma fraude!

A lógica desse tipo de comunicação — veiculada via redes sociais, sem que seja facilmente captada em pesquisas — é despertar reações, sentimentos e comportamentos dos mais primitivos ao ser humano. Nela não há espaço para racionalidade. O que interessa é dividir e interditar o debate e provocar julgamento moral, sentimento de rejeição e até de ódio aos “inimigos” — pessoas, instituições, partidos ou movimentos — que defendam ideias e propostas que contrariem os interesses do mercado financeiro e da agenda conservadora.

Invariavelmente, o alvo das campanhas difamatórias e de criminalização são pessoas, instituições, movimentos ou partidos (considerados “comunistas”) que defendem os interesses coletivos, a solidariedade, o humanismo, a justiça, o meio ambiente, a proteção dos vulneráveis e necessitados. O mote é sempre o mesmo: associar essas pessoas, instituições, movimentos ou partidos a práticas que agridam a fé, os valores, os costumes e a moral de milhões de brasileiros. Para tanto, espalham — via mídias sociais — boatos, mentiras, notícias falsas (as tais Fake News) ou informações não checadas contra os que pensam diferente (os “comunistas”), envenenando e alimentando esse tipo de sentimento maniqueísta em relação aos supostos “inimigos”.

Esse modelo de comunicação, num ambiente conflagrado como o atual, encontra terreno fértil. No caso do Brasil, há uma enorme crise fiscal do Estado e um excesso de demandas da sociedade, a saber: o aumento do desemprego, da criminalidade e da violência. Há uma população desalentada e com medo, que, acima de tudo, tem facilidade para disseminar discurso que aponta os supostos responsáveis por “tudo de ruim que está ai”. O inimigo, para muitas dessas pessoas, é justamente o sistema político, a estrutura democrática e o véu institucional que a cerca. Isso inclui, evidentemente, os partidos que foram governo nos últimos 20 anos.

Quando analisamos o resultado da eleição, especialmente os eleitos por força das redes sociais, quase que como regra, constata-se facilmente que são pessoas cujo perfil bate com o de negação da política e das instituições. São pessoas que se apresentam contra o sistema e que desconhecem a complexidade do processo decisório, propondo soluções fáceis para problemas difíceis. Um grupo de sem noção que não tem a menor ideia do que são, o que fazem e como funcionam as instituições do Estado. Por isso mesmo é comum associarmos essas questões à ideia da busca por um “salvador da Pátria”.

Nestas eleições, portanto, os robôs estiveram presentes nas duas pontas: como máquina e como pessoa. De um lado, como máquinas de captação de votos, os robôs não apenas direcionaram a mensagem “certa” para a pessoa “certa”, quanto “dialogaram” com eleitores incautos, via redes sociais. De outro, o eleitor se comportando como máquina, na medida em que muitas pessoas agiram mecanicamente, votando sem refletir sobre as consequências de seu voto. Num ambiente desses, as escolas, a imprensa, os partidos, os movimentos sociais e sindicais e o próprio Estado precisam urgentemente investir na formação política, cívica e cidadã, sob pena de completa manipulação dos eleitores pelas máquinas, e da perpetuação de um paupérrimo nível de debate político/eleitoral. Se isso não for feito, a consequência será a completa desmoralização da democracia, que tem como pressuposto a real manifestação de vontade do eleitor.

(*) Jornalista, consultor, analista político, diretor de Documentação do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.

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