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Quinta-feira, 16 de maio de 2019

Paulo Machado Mors é Professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

As Instituições Federais de Ensino Superior deste País são um exemplo de excelência acadêmica construída ao longo de décadas. Um número reduzido de décadas, é verdade, em comparação com as demais academias de nossos vizinhos da América hispânica. Em menos de um século, a sociedade brasileira erigiu um patrimônio cultural respeitável em nível internacional, motivo de orgulho para toda a Nação. Refuto, portanto, a declaração de ontem do Presidente da República, de que muitas universidades federais do Brasil são compostas, em seu “núcleo” (o que quer que isso signifique), por uma minoria de “espertalhões”. Minha carreira docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciada em 1975, tem-me proporcionado a gratificante convivência com inteligências criativas, intelectualmente honestas e profundamente comprometidas com a criação do conhecimento necessário à dignificação de nossa sociedade. Não me lembro de, nesses últimos quarenta e quatro anos, ter cruzado, em nosso meio, com um “espertalhão” entre dirigentes, colegas docentes e pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação, técnico-administrativos. O mesmo vale para as tantas outras instituições federais de ensino superior deste País com que tive contato profissional, por força de minha formação e atuação científica e pedagógica.

Ao subir no carro de som, no final da tarde de ontem, para me dirigir à grande massa de cidadãos que se concentrava na Esquina Democrática em Porto Alegre, não vislumbrei, tenho absoluta certeza, nenhum “idiota útil”, nenhum “imbecil” que estivesse lá, servindo de “massa de manobra”. Em minha fala, enquanto manifestava o reconhecimento de que aquela concentração só confirmava minha percepção da importância dada pela população à educação pública de qualidade, cujos recursos estavam sendo subtraídos em uma iniciativa aparentemente revanchista, ressentida e ideológica, reconheci, sim, naquele povo, os cidadãos que terão substituídas suas expectativas de aposentadoria em regime solidário por uma capitalização individual imposta por banqueiros internacionais. Reconheci jovens cujos estudos superiores deverão ser custeados, se as famílias para isso tiverem condições, e cursados em instituições cujos interesses são negociados em bolsas de valores. Reconheci idosos que terão suas últimas horas de vida mal acomodados em corredores de instituições hospitalares sucateadas. Reconheci professores de educação básica cujo sonho é não mais serem referidos como “sacerdotes” abnegados, mas sim como profissionais respeitados (e, claro, abnegados, como sempre). Olhava-me, também, do meio da multidão, o vendedor de churros, representante de uma categoria cada vez mais numerosa, a dos trabalhadores informais, e o imigrante vendedor ambulante; todos brasileiros (inclusive o imigrante!), todos merecedores de nosso respeito, nosso amor. Nenhum idiota, nenhum imbecil.

Nosso ministro da Educação afirmou, em tuíter, que não “insitaria” a violência. Talvez esta tivesse sido a afirmação a despertar, em nosso Presidente, a fúria contra a má qualidade de nossas escolas.

Não é minha intenção polemizar. Nosso Presidente foi legitimamente eleito pela maioria do povo brasileiro. E isso deve ser respeitado. No entanto, não posso me furtar de fazer a defesa da igualmente legítima manifestação de ontem.

Porto Alegre, 16 de maio de 2019.

 

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