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Quarta-feira, 26 de junho de 2019

Dados mostram que maioria das pesquisadoras sentem efeito negativo da carga de ser mãe sobre trajetória profissional .

Juliana Domingos - Nexo 

Pesquisadores buscam normalmente recursos de agências de fomento para desenvolver seus trabalhos. Tais agências exigem produtividade dos cientistas. E essa exigência não leva em conta, na maioria das vezes, o impacto da chegada dos filhos. Criada em 2017 no Brasil por cientistas, a Parent in Science (Pais na ciência) tenta tornar mais visível a realidade de pesquisadores nessa situação, sobretudo mulheres, que costumam assumir uma carga maior no cuidado das crianças.  

A bióloga Fernanda Staniscuaski, professora do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, já teve o apoio a projetos recusado com a justificativa de não estar produzindo o suficiente para merecer o aporte financeiro. Para ela, as negativas foram produto de discriminação de gênero por não considerarem as especificidades da maternidade. Atualmente, ela é uma das mulheres à frente da iniciativa que busca lidar com o tema.

O perfil de pesquisadores com filhos 

Além de chamar atenção para o problema, o Parent in Science pretende  subsidiar as reivindicações de pesquisadores e a estruturação de políticas públicas. Para isso, foram criados questionários online, respondidos por milhares de mulheres e homens para identificar o perfil dos pesquisadores com filhos e as dificuldades que enfrentam. Resultados parciais foram apresentados no 2º Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, realizado em maio de 2019 em Porto Alegre. 
Os dados seguem sendo coletados e os pesquisadores envolvidos pretendem concluir, até o fim de 2019, um artigo com o detalhamento das informações levantadas. Em maio de 2019, a amostra contava com cerca de três mil participantes. 

O Nexo destaca abaixo alguns dados já revelados pela pesquisa:

- De quase 1.650 docentes mulheres consultadas, a maioria (78%) afirmou ser mãe 
- Metade dessas mulheres são as únicas responsáveis pela criança 
- Em geral, as entrevistadas se tornaram mães quando ainda estavam no início da carreira em uma instituição de ensino. 
- A maioria vivencia a maternidade quando tem entre, em média, dois anos de contratação na universidade e 33 anos de idade
-  Das cientistas, 45% não conseguem, conseguem muito raramente ou têm muita dificuldade de trabalhar em casa, 21% só conseguem de madrugada, quando os filhos dormem 
- Com isso, 52% não conseguiram cumprir prazos de submissão para editais de fomento 
-Das pesquisadoras 82% consideram negativo ou bastante negativo o impacto da maternidade na progressão de sua carreira 

Em uma palestra ministrada em janeiro de 2019, Staniscuaski afirmou que o nascimento dos filhos das pesquisadoras coincide com o pico de suas produções acadêmicas e que elas só conseguem retomar o ritmo anterior de três a quatro anos após a gravidez.

Algumas conquistas recentes: 

LICENÇA PREVISTA EM LEI 

Sancionada em 2017, a  lei nº 13.536 instituiu o afastamento remunerado de até 120 dias para bolsistas de pesquisa  nos casos de maternidade e adoção. Algumas das principais agências de fomento a do Brasil, como CNPq (O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) já possuíam normas internas que concediam essa prorrogação. A lei é importante por ampliar o direito dos pesquisadores pais à prorrogação do prazo da bolsa. 

PONTOS EXTRAS PARA PROFESSORAS COM FILHOS

 Publicado no início de 2019, o edital de um concurso por bolsas de iniciação científica da Universidade Federal Fluminense foi o primeiro a conferir um acréscimo de cinco pontos para candidatos que tiveram filhos nos dois anos anteriores. A medida busca compensar o tempo de licença-maternidade, que deixa as pesquisadoras em desvantagem no quesito da produção acadêmica, um dos critérios para a escolha dos bolsistas. Além de mães, pais que adotam crianças e casais homoafetivos que tirem licença para cuidar dos filhos também têm direito à pontuação extra 

INCLUSÃO DO PERÍODO DE LICENÇA NO CURRÍCULO LATTES

No fim de março de 2019, após um pedido assinado por cientistas mulheres, o CNPq concordou em incluir uma aba com os períodos de licença maternidade e paternidade no currículo Lattes, principal plataforma digital que registra a produção acadêmica de pesquisadores. A mudança ainda não havia sido efetivada em junho de 2019. A menção ao período de licença no Lattes é importante para sinalizar aos órgãos de financiamento a razão para a queda nas publicações no período imediatamente após a chegada dos filhos

AUMENTO DO PERÍODO DE AVALIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE 

Também em caráter inédito no Brasil, a Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro) incluiu em junho de 2019 em seus novos editais um item que estende em um ano o período de avaliação da produtividade científica no caso de nascimento ou adoção de crianças nos últimos cinco anos.

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