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Segunda-feira, 31 de julho de 2017

O serviço público vive tempos difíceis no Brasil.

O serviço público vive tempos difíceis no Brasil. Com a justificativa de equilibrar as contas, o governo federal adota medidas que, no conjunto, reduzem as atribuições do Estado e abrem caminho para a privatização de setores estratégicos, como a saúde e a educação. Em pouco mais de um ano, o governo de Michel Temer preparou um cardápio indigesto de retrocessos: da extinção de direitos trabalhistas ao corte de verbas para as universidades públicas. O ingrediente principal é uma bomba de efeito retardado, com consequências, particularmente, devastadoras sobre a soberania nacional, a Emenda Constitucional 95, que estabelece como teto de gastos para os próximos 20 anos o orçamento de 2017, mesmo que a população aumente e a economia volte a crescer. Para ficar na metáfora gastronômica, é o mesmo que querer alimentar a população de 2037 com um orçamento defasado em duas décadas.
Mas não é preciso esperar 20 anos para descobrir que as políticas do governo Temer são profundamente danosas para o Brasil. O contingenciamento nos orçamentos das IFES e o corte de verbas para a pesquisa são exemplos contundentes. Reitores de todo País já anteciparam que, por falta de recursos, as atividades das universidades e dos Institutos Federais poderão ser interrompidas antes do final do ano letivo. Com cortes de 44%, as atividades de pesquisa também estão parando. Neste cenário, o governo já anunciou que não vai ter reajuste em 2018 e, de quebra, articula o fim da estabilidade dos servidores públicos (ver matéria nesta edição). Nesta entrevista à revista Adverso, o presidente da ADUFRGS-Sindical, Paulo Machado Mors, fala dos desafios e reafirma a importância do Sindicato no movimento de resistência contra os ataques aos serviços e aos servidores públicos. Confira.

Adverso - A primeira medida do governo de Temer foi garantir a aprovação, no Congresso, da PEC do Teto dos Gastos, válida para os próximos 20 anos. O senhor acha que os brasileiros já entenderam os efeitos práticos desta emenda na sociedade?
Paulo Mors - Não. A maioria está ocupada com seu dia-a-dia, com sua família, com seu emprego. Não é normal que a população esteja projetando os estragos que essa emenda constitucional vai trazer para os próximos 20 anos. É por isso que precisamos divulgar, incansavelmente, quais são as sequelas desta emenda constitucional para a sociedade. O nosso objetivo e dos demais sindicatos filiados ao PROIFES-Federação é lutar pela revogação da EC 95, porque os resultados da sua aplicação serão catastróficos.  
Adverso - Que cenário o senhor projeta para a educação pública nas próximas duas décadas?
Paulo Mors – O cenário é exatamente aquele que esses governantes estão pretendendo: a destruição da Educação Pública. Isso já começou. A educação básica no País já é de péssima qualidade. Com as medidas que estão sendo tomadas e anunciadas, com o enxugamento de recursos para a educação pública do ensino superior, eu antevejo uma desqualificação da educação pública superior, que é fundamental para o crescimento de uma nação. A grande preocupação que temos, agora, é se essa desqualificação acabará privilegiando a iniciativa privada. A nossa luta é para frear as iniciativas do governo, que estão penalizando o mais fraco, privilegiando o capital e reduzindo o Estado. Em certos setores, o Estado não pode se omitir, e existe, evidentemente, a intenção do Estado de se retirar de setores fundamentais para a população. 
Adverso - Depois da aprovação da reforma trabalhista, podemos dizer que os servidores públicos são "a bola da vez" do governo Temer?
Paulo Mors - É interessante, porque a bola da vez é aquela que, oportunisticamente, se apresenta em cada momento. O governo e seus controladores, oportunisticamente, procuram os flancos de ataque que se apresentam e os funcionários públicos, que já eram alvo global, agora estão fortemente ameaçados. O Programa de Desligamento Voluntário (PDV) e o PL-116 mostram que temos muita luta pela frente, a ser desenvolvida junto aos parlamentares. 
Adverso - A reforma trabalhista, além de extinguir direitos históricos dos trabalhadores, terá como consequência inevitável o enfraquecimento dos sindicatos. A terceirização ilimitada e as negociações individuais são exemplos de como a nova legislação irá favorecer a fragmentação da luta dos trabalhadores. Na sua avaliação, esta lógica também será aplicada no serviço público?
Paulo Mors – Certamente. A arma principal contra o trabalhador é o medo. Você pode ver: por que as últimas manifestações ocorreram de maneira pífia? O povo não pode sair à rua e dizer para o patrão que vai participar de manifestação, porque depois tem a volta. Quem está empregado quer assegurar o seu próprio emprego. O medo é uma arma muito eficiente contra o fraco. Agora, tenta-se se fazer isso com o funcionalismo público e os seus sindicatos. 
Adverso - O PL 116, que tramita no Senado, prevê que o servidor público, mesmo depois do estágio probatório, poderá ser demitido se apresentar mau desempenho na avaliação semestral, de acordo com suas chefias. Qual sua avaliação sobre esse projeto e o seu objetivo de fato?
Paulo Mors - Do jeito que está sendo proposto, o PL 116 vai possibilitar que um chefinho, descontente, possa provocar uma avaliação negativa que justifique a demissão de um subordinado. Isso é trazer medo ao conjunto dos funcionários. Como fazer uma avaliação qualitativa? Como evitar perseguição política? De fato, esse projeto de lei faz parte do ataque contra a estrutura do funcionalismo. Sem servidores públicos com garantia de poder exercer seu trabalho com tranquilidade, o Estado não vai prover a população do mínimo necessário de bem-estar. Outro aspecto é o corte de recursos para a ciência e a tecnologia. Nas boas universidades, o ensino e pesquisa andam juntos e precisam acontecer no mesmo ambiente. Se o financiamento para a pesquisa é enxugado, o professor não conseguirá atingir os objetivos do projeto que foi apresentado, o que poderá virar justificativa para uma avaliação negativa e uma consequente demissão. Na verdade, ele está sendo mandado embora para enxugar a máquina, para se livrar de um inimigo ou de um adversário político. É uma perspectiva muito ruim.

"Do jeito que está sendo proposto, o PL 116 vai possibilitar que um chefinho, descontente, possa provocar uma avaliação negativa que justifique a demissão de um subordinado."


Adverso - Que orientação a ADUFRGS-Sindical dá aos professores com relação ao PDV dos servidores federais?
Paulo Mors – Em uma época de desemprego e recessão, não caia nessa armadilha. É fria! A última tentativa de diminuir o tamanho do estado foi feita no governo Fernando Henrique Cardoso, também por meio de um PDV. Hoje, existem pelo menos cinco projetos de lei tramitando no Congresso, tentando reintegrar funcionários públicos, que aderiram ao programa. Aquilo foi catastrófico! O pessoal saiu na ilusão de que poderia competir no mundo empresarial. Tinham a ilusão de que receberiam uma bolada e seriam “donos de suas vidas”. Muitos saíram, mesmo tendo sido alertados do perigo, na época. A propósito, quem criticou muito o presidente FHC, tanto pelo PDV quanto o projeto de diminuir o tamanho do Estado, foi o então presidente da Câmara dos Deputados e, hoje, presidente da República, Michel Temer. 
Adverso - Há poucos dias, a UERJ anunciou o encerramento das atividades por falta de recursos. O CNPQ alertou que mais de 100 mil pesquisadores correm o risco de não receber bolsas de pesquisa. O reitor da UFRGS também antecipou grandes dificuldades de concluir o ano letivo e declarou que o contingenciamento poderá implicar no parcelamento dos salários dos professores já em 2018. Como o senhor avalia esta situação?
Paulo Mors – Na verdade, o reitor da UFRGS se compromete a manter os salários dos terceirizados. O pagamento de salários mais delicado é o dos terceirizados. Mas isso, ele garantiu que só vai acontecer em situação crítica. Eu acredito que ele terá habilidade, com os recursos que ainda existem, de ir tocando a Universidade. Acredito que as universidades federais têm grande solidez e irão sobreviver. Nós já vivemos outras crises e vamos sobreviver a esta também, com muitas sequelas, é verdade. O cenário do não pagamento em dia do professor é algo distante, por enquanto. Diferente da situação dos institutos federais, que é muito mais grave. Cada instituto possui vários campi e, sem verbas de capital, eles estão ameaçados. Muitos prédios que foram iniciados não serão concluídos. 
Adverso - O Sr. acredita na possibilidade de negociação com este governo?
Paulo Mors - Um sindicato não pode se negar a negociar. Nós, ADUFRGS-Sindical e nossos parceiros no PROIFES-Federação, sempre apostamos na negociação. Foi com negociação que nós conseguimos recompor a nossa carreira. Conseguimos avanços importantes em negociações muito duras. Eu participei de vários encontros em Brasília, pelo PROIFES, nos ministérios da Educação e Planejamento, e sempre foram negociações muito difíceis. Negociar é a maneira de progredir. É a maneira civilizada. Contudo, neste atual governo, as portas estão fechadas. A escolha não é nossa. Nós continuamos insistindo. Em todas as reuniões do Conselho Deliberativo do PROIFES, foi reafirmado: vamos continuar insistindo! Vamos bater na porta! Mas a porta sempre está fechada. Nós continuamos acreditando na negociação como o único caminho, mas, no momento, não estamos negociando.   
Adverso - O que a ADUFRGS pretende fazer para mobilizar os docentes em defesa do pagamento de salários em dia, cumprimento do acordo, reposição salarial, enfim, temas que, até aqui, eram objeto das negociações coletivas?
Paulo Mors - Através da comunicação, buscamos sensibilizar o nosso associado ou colega da base, mesmo não sendo filiado. Eu acredito que uma união mais ampla é a maneira de lutar. Nós precisamos unir todos os sindicatos e organizações para formar uma massa crítica capaz de comprometer, especialmente o parlamento, com um projeto de superação da crise, que não seja uma catástrofe para o País. A união mais ampla é muito difícil de conseguir, porque ela agrega ideologias diferentes, atitudes diferentes, percepções diferentes. Negociar com todos esses grupos é um exercício muito complexo, mas é o caminho. Não há outra maneira, dentro de uma perspectiva democrática e republicana. Temos que pressionar e pressionar... em conjunto. No que diz respeito à nossa base, os últimos ataques contra o serviço público e, especificamente, a educação pública, criaram um ressentindo, um paradoxo: o presidente Temer conseguiu aumentar o número de professores que nos procuram, querendo se juntar a nós para lutar.  
Adverso - Qual será o papel dos sindicatos neste novo contexto histórico?
Paulo Mors - O papel do sindicato é o mesmo de sempre. Sem sindicato, o trabalhador não tem apoio para exercer sua atividade laboral com dignidade. Não se encontrou outro caminho na história. Agora, é verdade, os sindicatos, no Brasil, estão sob muitas ameaças. Diversas medidas do governo vêm no sentido de enfraquecer o movimento sindical. O nosso papel é resistir e contribuir para que o sindicalismo se renove, se reconstrua, se reavalie. O sindicalismo saudável tem uma boa representatividade da sua base, de maneira sólida e sem dependência do Estado. Isso ainda é algo a ser conquistado, mas esse é o caminho.

 

Por Araldo Neto