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Segunda-feira, 08 de julho de 2019

Bolsonaro diz que sacrifícios têm de ser de todos, mas há categorias não contempladas no corte.

Jose Roberto Castro - Nexo Jornal 

A reforma da Previdência é o principal projeto do governo Jair Bolsonaro submetido ao Congresso. Com o envelhecimento da população e o aumento dos gastos com benefícios, as mudanças apresentadas em uma Proposta de Emenda à Constituição tentam atrasar a idade de aposentadoria e fazem com que as pessoas trabalhem mais tempo para receber a integralidade do benefício. São medidas impopulares. Por isso, o discurso do presidente da República tem sido de que o país precisa, no momento, de um sacrifício necessário. A promessa do governo federal é de que as medidas vão diminuir distorções e desigualdades.

“A reforma da Previdência atenderá a todos, fiquem tranquilos meus colegas das forças auxiliares [polícias militares]. O sacrifício tem que ser dividido por todos para que possamos colher o sucesso lá na frente” Jair Bolsonaro Presidente da República, em discurso em 5 de julho 

Em peças publicitárias veiculadas na TV e na internet, o governo argumenta que as mudanças afetarão “servidores, políticos, militares” e que o novo modelo será “sem privilégios”. O slogan é: “nova Previdência, é para todos, é para o Brasil”. O texto original chegou ao Congresso em fevereiro. Passou, primeiro, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Na sexta-feira (5), foi aprovado pela comissão especial criada pelos deputados exclusivamente para debater o tema. Agora está pronto para o plenário, onde terá de passar por duas votações antes de ser encaminhado ao Senado. O projeto e as modificações feitas no texto original pelo Congresso até este início de julho têm atenuado e até excluído a contribuição de alguns setores. Na opinião de especialistas ouvidos pelo Nexo após a aprovação do texto na comissão especial, a exclusão dificulta a tarefa do governo de convencer a população de que a reforma combate privilégios e exige sacrifícios de todos.

Quem foi foco da PEC 

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) número 6 enviada pelo governo em fevereiro tratava de mudanças na aposentadoria de funcionários do setor privado e servidores públicos, do regime urbano e do rural. Os militares ficariam para outro projeto, que foi enviado no mês seguinte, em março. O texto original elaborado sob o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes, já previa uma maior economia obtida em mudanças no Regime Geral de Previdência Social, que atende aos trabalhadores do setor privado. Isso se dá também porque o regime é muito maior os outros, atende muito mais gente, arrecada mais e gasta mais. Depois da comissão especial, o RGPS, sigla desse regime, continua sendo a maior fonte de economia, mas o governo recuou de algumas propostas, como mudar a aposentadoria rural e na elevação do tempo mínimo de contribuição das mulheres de 15 para 20 anos. Mesmo assim, cerca de 70% devem vir dos trabalhadores do setor privado. Há também perdas para o funcionalismo federal, inclusive com alíquotas progressivas de cobrança para tirar mais dos que recebem mais. Os cálculos iniciais mostravam que o servidor público federal por exemplo, seria o trabalhador que mais contribuição per capita daria para a reforma. Porém, mudanças no texto na comissão especial na Câmara, com uma nova modalidade de transição, deve tornar menos difícil o caminho do servidor até a aposentadoria.

Quem está de fora da reforma

 SERVIDORES ESTADUAIS E MUNICIPAIS

O projeto original do governo federal implantava as mesmas regras dos servidores civis federais para todos os funcionários públicos do país, também nas esferas estadual e municipal. Mas a Câmara dos Deputados decidiu tratar só dos funcionários federais e retirou estados e municípios da reforma. Com isso, não há, no momento, uma perspectiva de reforma da Previdência nos estados e municípios. Em última instância, cada governo teria que propor e aprovar as próprias regras. Um estudo recente da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, estimou que não fazer uma reforma custará R$ 350 bilhões em dez anos para as 27 unidades da federação.

FORÇAS ARMADAS 

A reforma da Previdência para os militares de Marinha, Exército e Aeronáutica foi apresentada em um projeto separado, em março. Como ela não muda a Constituição, não era necessário uma PEC e o governo optou por um projeto de lei que gera uma economia de R$ 97,3 bilhões — o que significaria a maior economia per capita entre os regimes. A questão é que junto com os cortes nos benefícios, o governo enviou no projeto um plano de reestruturação da carreira das forças armadas. Os aumentos de gastos com salários e benefícios vão consumir, se tudo for aprovado como está, R$ 86 bilhões — 88% do que a reforma vai economizar. Esse projeto sequer começou a tramitar na Câmara. O governo informa que aguarda a aprovação da reforma dos civis para começar a discutir a dos militares. 

POLICIAIS MILITARES 

Os policiais militares estão contemplados no projeto da Previdência das Forças Armadas, mas não há qualquer garantia de que eles serão submetidos às mesmas regras. Na discussão da PEC, a Câmara dos Deputados não demonstrou disposição em alterar regras que afetam os estados — o que é o caso das polícias militares. O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), tentou atrelar os PMs às regras das Forças Armadas na Proposta de Emenda à Constituição. A regra estava no texto aprovado pela comissão especial, mas um destaque posterior foi aceito pela maioria dos deputados e o trecho foi retirado do projeto final. Assim, os policiais militares podem ou não ser incluídos no projeto das Forças Armadas. Se não forem, pode caber a cada um dos Estados a definição, ou não, de novas regras. 

Contribuições patronais e dos não-usuários 

A reforma da Previdência apresentada pelo governo sempre foi focada mais em economizar despesas do que em gerar novas receitas para o sistema. A ideia inicial do governo era deixar de gastar R$ 1 trilhão em dez anos com as mudanças nas aposentadorias. E essa é uma crítica recorrente que a esquerda faz ao projeto. Os defensores dos cortes argumentam que a trajetória de crescimento da despesa torna inviável que se gere receita na mesma proporção e que só a mudança nas regras pode controlar o aumento de gastos. Além disso, alegam que não há espaço para se aumentar tributação sobre empregadores no Brasil — o governo Bolsonaro inclusive tem propostas no sentido contrário, como a carteira verde e amarela. Durante as discussões na comissão, houve redução da economia com o afrouxamento de algumas regras, mas também houve duas iniciativas centrais para aumentar tributos, gerar recursos para a Previdência e compensar as perdas.

A contribuição dos bancos 

A primeira foi o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), uma espécie de imposto de renda das empresas, para instituições financeiras. O impacto é de arrecadação de R$ 53 bilhões em dez anos e a ideia segue no texto. Atualmente as alíquotas da CSLL variam entre 9% e 15% — bancos pagam a máxima. A ideia é recolocar a taxa no patamar de 20%, que vigorou entre 2016 e 2018. Em 2019, a perda de receitas com a redução da alíquota da CSLL para 15% é de cerca de R$ 5 bilhões. No relatório final, a cobrança ficou somente sobre os grandes bancos.

A isenção das exportações agrícolas 

Outra tentativa de gerar receita para o sistema, porém, não prosperou. Para atingir o R$ 1 trilhão esperado pelo Ministério da Economia, o relator da reforma na comissão especial, Samuel Moreira, incluiu no texto um aumento de tributação para empresários do agronegócio. Atualmente, há uma isenção de contribuição previdenciária para exportadores — que Moreira queria extinguir para gerar uma receita de R$ 83 bilhões. Mas a proposta foi retirada do texto no último destaque apreciado na comissão especial, já na madrugada de sexta-feira (5). Foi uma vitória da bancada ruralista, aliada de Bolsonaro.


 

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