Notícia

Ampliar fonte

Terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Lucia Pellanda e Jenifer Saffi 

Em março de 2017, assume a nova reitoria da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), para um mandato de quatro anos. A chapa de oposição, encabeçada por Lucia de Campos Pellanda, e sua vice, Jenifer Saffi, venceu a consulta realizada em novembro e, agora, aguarda nomeação do Ministério da Educação. Com o compromisso de focar nas pessoas, a chapa “Unindo Caminhos” obteve vitória no pleito em todos os segmentos (professores, técnicos-administrativos e alunos). A consulta utilizou o sistema 70-15-15, no qual os votos dos professores valem 70% do total e os de alunos e técnicos valem 15% cada um. A chapa vencedora recebeu 197 votos de professores, 119 votos dos técnicos-administrativos e 1.236 votos de alunos. Por sua vez, a chapa de situação, integrada pelos professores Luís Henrique Telles da Rosa e Newton Aerts, recebeu 112 votos de professores, 59 votos de técnicos-administrativos e 181 votos de alunos. Após a vitória, as professoras Lucia e Jenifer receberam a equipe da Revista Adverso para uma entrevista. 

Adverso – A chapa vitoriosa, de oposição, obteve larga vantagem no pleito para escolha do novo reitor da UFCSPA. Ao que se deve esse expressivo resultado? 

Jenifer Saffi – Nem nós esperávamos uma votação tão expressiva. A adesão dos professores, técnicos e dos alunos foi acontecendo à medida que conversávamos sobre as propostas. 

Lucia Pellanda – Sempre tivemos muito respeito pelos adversários, por tudo que a Universidade já conquistou, mas, ao mesmo tempo, tínhamos uma proposta bem consistente de expansão dessas conquistas. Acredito que, em termos de infraestrutura física, a Universidade foi muito bem, mas agora é preciso focar nas pessoas. Em tempos de crise, precisamos ter soluções criativas, e a nossa maior riqueza são as pessoas. Acho que isso tocou fundo. A votação foi expressiva porque, durante 15 anos, temos feito essa escuta da comunidade. O resultado é que as pessoas se apropriaram das nossas propostas e a campanha, em si, acabou saindo do nosso controle. Vários grupos se formaram em torno dela, inclusive sem nossa participação.

Jenifer Saffi – Vieram depoimentos de vários lugares do Brasil e do exterior. Tivemos uma abrangência muito grande. Interna e externamente. Conseguimos mostrar para a comunidade nossa credibilidade. 

Lucia Pellanda – Nossa proposta é que a reitoria seja mais que um cargo de gestão, que seja, também, um cargo de representatividade acadêmica. Uma das coisas que fizemos foi exemplificar como seria uma gestão colaborativa. Uma frase que é um lema para nós: com cooperação vamos muito mais longe do que com competição. Inúmeros estudos, tanto da área da gestão quanto da área da biologia, mostram isso. Nós somos uma espécie que sobreviveu com cooperação e não com competição. Fizemos isso durante a campanha. O nosso plano de gestão foi resultado da participação de muitas pessoas. Mais de 100, inicialmente, e outras que se agregaram durante o processo.  Isso surpreendeu muito, porque foi uma inovação. Mostramos que é possível, concretamente, fazer uma gestão descentralizada e eficiente. 

"Em tempos de crise, precisamos ter soluções criativas, e a nossa maior riqueza são as pessoas" (Lucia Pellanda)

Adverso - A questão de transparência foi bastante debatida durante a campanha. Quais ações vocês pretendem colocar em prática quando assumirem a reitoria?

Lucia Pellanda – Existe transparência nas exigências legais, como o portal da transparência, mas, para nós, este é um conceito bem mais amplo. Passa pela transparência das decisões. Por exemplo: as sessões do Consun (Conselho Universitário) poderão ser públicas, como acontece em outras universidades. Aqueles que votaram em seus representantes têm o direito de saber como eles estão se conduzindo em cada decisão. Consideramos que transparência é isso. Não somente o que foi feito, mas aquilo que vai se fazer.

Jenifer Saffi – Isso vale para todas as instâncias. Não somente para o núcleo principal da gestão, mas também na atuação dos departamentos, das coordenações de cursos e de setores administrativos. Sem transparência, fica complicado ter, efetivamente, a participação da comunidade. Sem transparência nas decisões e nos números, é difícil, inclusive, vestir a camiseta de docente, de aluno e de técnico. É nesse sentido que defendemos a bandeira da transparência. 

Lucia Pellanda – A transparência está intimamente ligada à comunicação. Por isso, propomos várias ações concretas de comunicação. Não só nas reuniões formais das instâncias, mas também no sentido de integrar os departamentos e as pró-reitorias com a reitoria. Começamos, durante a campanha, os “Diálogos com Lucia e Jenifer”, que deram oportunidades para que qualquer pessoa chegasse e desse a sua sugestão. Quem realmente entende os processos são aqueles que os vivenciam e algumas sugestões, que parecem pequenas, causam muito impacto dentro de um sistema complexo, lá na frente. Por isso, vamos manter os Diálogos durante toda a gestão, dentro deste princípio: quem entende de um processo é quem está atuando na sua linha de frente. 

"Sem transparência, fica complicado ter, efetivamente, a participação da comunidade. Sem transparência nas decisões e nos números, é difícil, inclusive, vestir a camiseta de docente, de aluno e de técnico. É nesse sentido que defendemos a bandeira da transparência" (Jenifer Saffi)

Adverso - Vocês irão assumir a reitoria da UFCSPA em um período de crise econômica e com cortes significativos nas instituições federais de ensino. Diante deste cenário, quais serão as prioridades da nova gestão?

Lucia Pellanda – Não temos dúvida de que, em tempos de crise, as soluções mais criativas vêm das pessoas. Nós temos uma riqueza enorme, que não é material, mas sim a qualificação das pessoas que trabalham e estudam na UFCSPA. É incrível a quantidade de ideias que surgiram durante a campanha, e que poderão ser executadas, gerando mais economia, qualidade ou eficiência.

Jenifer Saffi – E desburocratizar os processos. Isso é uma necessidade que sentimos ao longo dos anos, e que vai gerar muita economia de papel e de tempo. Os próprios profissionais, que hoje estão envolvidos nestas tarefas, poderão desempenhar outras atividades, até mais importantes, a partir da descentralização e da informatização dos nossos processos.
 
Lucia Pellanda – Sabemos que teremos uma restrição orçamentária bem grande. Nós não vamos poder ter o mesmo nível de gasto com infraestrutura, por exemplo. A hora é de investirmos na otimização, na qualificação e na qualidade de vida no trabalho. Essas são as nossas prioridades. 

"Não temos dúvida de que, em tempos de crise, as soluções mais criativas vêm das pessoas. Nós temos uma riqueza enorme, que não é material, mas sim a qualificação das pessoas que trabalham e estudam na UFCSPA" (Lucia Pellanda)

Adverso - Cite exemplos de sugestões vindas destes diálogos informais com a comunidade acadêmica, que vocês pretendem absorver na gestão?  

Lucia Pellanda – Um professor da informática sugeriu uma programação em um software, possível de ser feita rapidamente, que pode desburocratizar os processos dos docentes. Isso já libera alguns técnicos para a gestão de pessoas, por exemplo. Outras tiveram a ideia de criar programas de prevenção de doenças e promoção da saúde para quem trabalha e estuda na UFCSPA. Uma ótima ideia foi a unidade de saúde. Nós não tínhamos um lugar de atendimento para a comunidade universitária. Temos apenas o serviço de emergência. Sempre almejamos um ambulatório de atendimento. Essa ideia foi evoluindo ao longo da campanha até chegar à proposta de uma unidade modelo de saúde, que possa ser um campo de estágio e desenvolver programas de prevenção, considerando a saúde integralmente, com todos os profissionais agregados. A seguir, veio a ideia de integrar o curso de gestão em saúde. Fazer uma disciplina sobre como gerir essa unidade. Inicialmente, não tínhamos proposto uma unidade de saúde completa, era um laboratório, mas a ideia foi evoluindo com a participação de vários grupos diferentes.

Adverso - O orçamento de 2017 da Universidade sofrerá um corte ainda maior. Diante disso, quais serão as prioridades na questão de investimentos? Alguma área vai precisar passar por cortes?
    
Jenifer Saffi -  Uma coisa bem concreta é a questão da otimização dos espaços físicos. Hoje, temos muitos espaços desocupados e, ao mesmo tempo, uma lista imensa de pedidos. Nós queremos equacionar este problema, criando uma comissão para avaliar os três prédios e o que pode ser feito para melhorar os espaços destinados ao laboratório, aos professores e às áreas de convivência, que também são uma grande demanda da comunidade. Por enquanto, só temos o DCE, que, mesmo assim, está mal localizado. É preciso abrir algumas portas que, hoje, estão fechadas, e discutir com a comunidade o melhor destino daquele local.

Adverso – Existe possibilidade de uma maior aproximação entre as empresas e a universidade? Como será esse processo e quais áreas poderão contar com esse tipo de parceria? 

Jenifer Saffi – Esse é um caminho bem interessante, especialmente com empresas na área de inovação. Acho que a Universidade pode dar uma boa contrapartida, recebendo recursos que poderiam vir, inclusive, na forma de bolsas para os alunos, liberando, assim, nossos laboratórios de pesquisas. Uma possibilidade é nos aproximarmos do projeto de cluster na área da saúde*. A Universidade precisa ser mais ativa nesse processo, porque isso gera recursos financeiros e amplia nossa rede de colaboração. Podemos ter ganhos indiretos, de médio e longo prazo. Isso vai ser importante, inclusive, para o nosso protagonismo. Uma aproximação com a Santa Casa, que está muito receptiva com a nossa gestão, também poderá fortalecer a busca por mais recursos para a inovação em saúde. 

"Tem a valorização pessoal, mas tem também a valorização da carreira. A qualificação do docente é uma coisa importante para todos. Faz parte da evolução da universidade, que todos os professores progridam na carreira” (Lucia Pellanda)

Adverso – Qual a posição da nova gestão com relação às ocupações que aconteceram, em mais de mil escolas e universidades em todo o Brasil?

Lucia Pellanda - Nós vemos os estudantes com uma força muito importante. Uma das missões da universidade é discutir e aprender cidadania, respeitando as diferentes opiniões dentro dos movimentos. Temos o compromisso com a pluralidade e com o debate de ideias e posições. 

Adverso - Quais serão as principais políticas que essa gestão pretende adotar em prol dos professores da UFCSPA?

Lucia Pellanda - Especificamente sobre os docentes, a principal questão é a valorização do professor. A valorização dos saberes plurais, a valorização da opinião dos professores sobre sua atuação em sala de aula, a valorização da trajetória de cada um e a simplificação e a desburocratização dos processos de progressão, por exemplo. Tem a valorização pessoal, mas tem também a valorização da carreira. A qualificação do docente é uma coisa importante para todos. Faz parte da evolução da universidade, que todos os professores progridam na carreira. 

Jefiner Saffi – E também a busca por espaços adequados para que os professores exerçam suas atividades. Não apenas em sala de aula. Temos um grupo grande de novos professores que vem cheio de expectativa para a Universidade. Nosso desafio é atender essas expectativas, colocando-os num ambiente adequado de trabalho, com espaços de convivência, sala com computador, para que possam desenvolver os seus projetos. É neste sentido que pretendemos conduzir a gestão. Se o professor estiver feliz aqui, certamente, ele vai deixar os seus alunos mais motivados. É uma corrente de motivação que se forma. Esse é o nosso espírito.

Confira as propostas da nova gestão da UFCSPA voltada aos docentes

Pessoas:
* Valorizar os saberes individuais, preferências e iniciativas em direcionar esforços para áreas específicas.
* Desenvolver a gestão estratégica de pessoas.
* Mapear e valorizar as competências, combatendo o desperdício de talentos.
* Humanizar as relações de trabalho.

Gestão:
* Aperfeiçoar o Programa de Desenvolvimento de Carreira.
* Valorizar e apoiar as iniciativas do corpo docente para o desenvolvimento de inovações no âmbito do ensino.
* Valorizar a participação de docentes nos processos administrativos. 
* Gerenciar de forma transparente a distribuição de vagas e a realização de concursos. 
* Informatizar os processos relacionados aos docentes como solicitações de afastamento, progressões, marcação de férias e outros. 
* Estudar readequação dos espaços de trabalho docente.

Comunicação:
* Ampliar a discussão sobre formas mais humanas de trabalho e produção acadêmica, valorizando qualidade, colaboração social e inovação. 

Saúde:
* Promover ações que busquem melhorar as condições do trabalho docente. 
* Estudar a viabilidade de criação de unidade de saúde para atendimento integral de docentes e suas famílias. 
* Implementar efetiva política de saúde e segurança do trabalho.

Perfil

Lucia de Campos Pellanda é médica cardiologista pediátrica e doutora em Cardiologia, é professora da UFCSPA desde 2004, com atuação nas áreas de metodologia científica e epidemiologia.  

Jenifer Saffi é farmacêutica e doutora em Ciências Biológicas/Bioquímica. Ingressou na UFCSPA em 2009. É a atual coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Biociências da instituição.


Foto: Leonardo Guterres
Texto: Araldo Neto

ADverso/Edição 223 - Novembro/Dezembro - 2016