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Quarta-feira, 04 de setembro de 2019

Professor defendeu que universidades se voltem para os problemas coletivos

Manoela Frade

A maior parte das críticas de especialistas em relação ao Future-se apontam o viés obscurantista e autoritário da proposta como um fator predatório da universidade brasileira. A análise do professor Renato Peixoto Dagnino (Geociências Unicamp), no entanto, procura complementar essa visão mostrando como o programa é inviável do ponto de vista econômico. 

O professor foi o convidado do Ciclo Universidade do Futuro, promovido pela ADUFRGS-Sindical e o ILEA, nesta terça-feira 3, no campus do Vale da UFRGS. Na palestra Ameaças à Ciência: O Future-se do passado, Dagnino comparou a relação entre universidades e empresas no Brasil com o que acontece nos Estados Unidos. A conclusão é que essa relação é muito parecida nos dois países: as empresas não se interessam em investir em conhecimento.

"Nos Estados Unidos, apenas 1% dos recursos para pesquisa nas empresas é alocado a universidades ou institutos de pesquisa para pesquisas conjuntas", apresentou Dagnino. Os dados são da National Science Foundation, que casualmente, também aponta que "apenas 1% do que as universidades precisam para se manter, elas arrecadam com contratos de pesquisa com as empresas". 

Estes dados desmontam a tese do governo sobre a probabilidade de ocorrência de um "círculo virtuoso" idealizado pelo Future-se. Pela proposta, o governo defende, por exemplo, que as IFES diminuam seu custo mediante a “captação de recursos próprios” que adviriam de uma “maior interação com o setor empresarial para atividades de inovação". 

O que na opinião de Dagnino não vai se concretizar, "em primeiro lugar porque, ainda que as empresas brasileiras (nacionais, estatais e multinacionais) baseassem sua estratégia de inovação em pesquisa e desenvolvimento, seria muito pouco o recurso que alocariam para parcerias com as universidades. E, em segundo, mesmo que isso ocorresse, a redução do custo das IFES para o Estado seria desprezível", disse.

Nem Future-se, nem passado

O programa promete fomentar a “criação de um ecossistema de inovação pujante nas IFES, possibilitando que trabalhem com maior foco em inovação e em parceria com empresas”. Mas, na prática o que ocorre historicamente no Brasil está longe disso. 

Nos Estados Unidos, mostra Dagnino, mais da metade dos mestres e doutores formados em ciências duras (Engenharias, Física, Biologia, etc) são contratados pelas empresas para fazer pesquisa e desenvolvimento.  "De fato, nos países avançados é importante para as empresas o conhecimento incorporado nos alunos que aprenderam a pesquisar na universidade ".

No Brasil, a situação é absolutamente distinta. O conhecimento resultante da pesquisa universitária é pouco relevante para as empresas. Entre 2006 e 2008, o Brasil formou 90 mil mestres e doutores em ciências duras. Se, aqui rezasse a cartilha dos Estados Unidos, pelo menos 45 mil pesquisadores seriam contratados por empresas para desenvolver pesquisa e desenvolvimento. Mas de fato, apenas 68 profissionais foram contratados, segundo a PINTEC-IBGE. "Aqui, as empresas não vão usar nem o conhecimento, nem as pessoas".

Dagnino também não acredita que o programa possa induzir uma mudança de comportamento nos atores. "O Estado não pode mudar o comportamento privado", até porque, afirma o professor, há fatores estruturais que dificilmente num país capitalista são alterados mediante ação do Estado.

"O Future-se parece ter sido feito por pessoas que não conhecem a realidade brasileira, nem a realidade da empresas, nem a realidade da universidade", criticou o professor, defendendo que a universidade deve se voltar para a resolução dos problemas coletivos da sociedade e não mais para os interesses de mercado. "Este é um conteúdo mais político, mais ideológico que deve transparecer no debate sobre o Future-se", pontuou. "Nós temos no Brasil imensos desafios cognitivos embutidos no processo de satisfação das necessidades coletivas do nosso país, da maioria da população; saneamento, água potável, habitação, comunicação, transporte, geração de energia contém necessidades cognitivas que não estão disponíveis no plano internacional", analisou. "Dificilmente vamos achar tecnologia de fora para sanar o problema de saneamento de 100 milhões de brasileiros. Nós temos na universidade pública um potencial único muito valioso em termos de pesquisa que tem quer equacionado para solucionar esses problemas, os problemas coletivos". 

Assista à íntegra da palestra do professor Roberto Peixoto Dagnino na UFRGS.