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Terça-feira, 10 de setembro de 2019

Luiz Augusto Estrella Faria conversou com o Portal ADverso sobre efeitos da MP da Liberdade Econômica.

Por: Daiani Cerezer

O economista Luiz Augusto Estrella Faria, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, conversou com o Portal ADverso sobre a Medida Provisória 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, aprovada pela Câmara e Senado em agosto. O texto seguiu para sanção presidencial e Jair Bolsonaro tem até 12 de setembro para sancioná-lo.

A iniciativa do governo federal pretende “facilitar a abertura e fechamento de empresas, além de diminuir restrições aos horários de funcionamento de diversas atividades econômicas”. Para a oposição, no entanto, a proposta é uma “mini reforma trabalhista”, que legitima atitudes dos empregadores até hoje consideradas irregularidades pela legislação trabalhista. Um dos pontos mais polêmicos, o trabalho aos domingos foi retirado do texto e segue a mesma exigência de hoje aos empregadores: pagamento de hora extra e pelo menos uma folga a cada três domingos trabalhados. 

Confira a opinião do economista Luiz Augusto Estrella Faria sobre a mudança.

PA - Por que e em que contexto surge a MP da Liberdade Econômica, cujo texto-base foi aprovado pelo Congresso em agosto?

Professor Faria - O governo Bolsonaro, assim como o governo Macri na Argentina, é uma forma de sobrevida ao projeto neoliberal que vem buscando dirigir as sociedades latino-americanas desde a década de 90 do século passado. Os dois eixos desse processo são privatização e desregulação. É importante identificar a razão dessa proposta de mudança que é um diagnóstico do problema do crescimento econômico como sendo resultado de uma compressão dos lucros das empresas. As privatizações abriram à iniciativa privada novas oportunidades de negócios em áreas lucrativas como o petróleo, energia e comunicação que estavam em poder do Estado, enquanto a desregulamentação viria reduzir os custos nos negócios, principalmente o custo de contratar trabalhadores.

A MP entra no segundo tópico e, nesse sentido, segue no caminho aberto pelas reformas trabalhista e da previdência. 

PA - O senhor a vê como continuidade da reforma trabalhista?

Professor Faria - Sim, como vinha dizendo, ela faz parte de um processo que visa a diminuir a ação do Estado na regulação do mercado de trabalho e na promoção de políticas sociais como assistência social, aposentadorias e pensões. A reforma da seguridade social tem por objetivo reduzir gastos públicos com assistência e previdência e, assim, possibilitar a redução das receitas do sistema com corte de contribuições patronais. Já, a reforma das regras de contratação da força de trabalho visa diminuir diretamente o custo das empresas com a redução dos salários e demais encargos como férias, 13º salário, descanso remunerado, jornada fixa e assim por diante. É o que os especialistas chamam “uberização” do trabalho.

PA - Quem ganha e quem perde se a MP for aprovada? Algum setor específico será mais beneficiado ou prejudicado com essa medida?

Professor Faria - Se na reforma da previdência o resultado está sendo um encolhimento total do sistema e surgimento de um déficit que não havia há três anos, com redução da contribuição do capital e estímulo à saída do trabalho do sistema, que parece não valer mais a pena, a MP 881 reforça essa tendência de mais trabalho informal e menos população protegida pela seguridade social. O resultado será um reforço no processo regressivo de reconcentração de renda que vem ocorrendo desde 2015. 

Mas há um segundo efeito ainda mais grave, que é a redução do crescimento econômico. É um erro o diagnóstico de que reduzindo custos vai haver desenvolvimento. O último período mostrou que o crescimento depende da demanda e não da oferta. Com investimento do Estado (obras) e aumento gastos sociais (previdência, bolsa família, moradia, educação e saúde), além do aumento dos salários da base, houve o melhor período de crescimento econômico desde 1980. O que está sendo proposto é o contrário, redução da demanda.

PA – A proposta pode gerar fraudes no mercado de trabalho? Que tipo de irregularidades serão legalizadas?

Professor Faria - Já está em curso um forte estímulo à substituição de trabalho formal, com carteira assinada, por formas de subcontratação precárias como trabalhadores disfarçados de pessoas jurídicas, terceirizações etc. e que tanto pagam menos como têm menor contribuição para a previdência. Isso prejudica as contas públicas e reduz a demanda. A possibilidade de terceirização da atividade fim vai abrir caminho a, por exemplo, que um hospital não precise empregar médicos e enfermeiros, mas apenas fazer contrato com o que no meio rural se chama de “gato”: uma empresa agenciadora de trabalho. Serão boias-frias com anel de doutor. Outro aspecto grave vai ser a piora nas condições de trabalho, com jornadas extensas e exaustivas em alguns casos e trabalho em tempo parcial noutro lado, mais insalubridade e comprometimento da saúde do trabalhador, redução do valor da hora trabalhada e redução dos ganhos no final do mês com o trabalho intermitente, sem horário fixo. Muito do que se considerava trabalho análogo à escravidão vai ser legalizado.

PA - Pode dar alguns exemplos de mudanças que poderão ocorrer?

Professor Faria - Além da legalização e legitimação do que até agora eram irregularidades, teremos uma redução do salário médio dos trabalhadores em geral, uma redução da cobertura da seguridade social com menos pessoas com possibilidade de se aposentar ou receber benefícios como auxílio doença. A piora nos serviços da Previdência Social vai levar muita gente a simplesmente desistir de fazer parte do sistema, reduzindo ainda mais sua cobertura. Felizmente algumas propostas mais cruéis como o corte na aposentadoria rural ou a redução do benefício de prestação continuada, que assiste às pessoas mais vulneráveis a exemplo de idosos e incapacitados, o Congresso rejeitou.