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Segunda-feira, 06 de janeiro de 2020

Empreendedora acredita que o caminho para disputar o atual modelo econômico é o fortalecimento da organização dos trabalhadores.

A economia solidária pode ser descrita como um conjunto de atividades, sob diversos formatos organizacionais, que contribuem para a democratização da economia a partir do engajamento individual ou coletivo. Para o grande entusiasta da ideia, Paul Singer, morto em 2018, a economia solidária surgiu no Brasil como resposta às contradições do sistema capitalista e às imperfeições das relações de mercado.

Pois foi nesse contexto que nasceu, em 2010, numa comunidade de periferia de Porto Alegre, a Justa Trama. Hoje, a iniciativa pioneira envolve cerca de 600 trabalhadoras e trabalhadores interligados na cadeia produtiva, organizados coletivamente em cinco estados (Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Ceará e Rondônia).

O empreendimento foi criado a partir da Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (Univens), criada em 1995. Quinze anos depois, a Justa Trama surgiu como um braço da cooperativa, quando a presidente da Univens, Nelsa Nespolo, soube aproveitar uma oportunidade que mudaria para sempre a vida da Vila Nossa Senhora Aparecida. 

A ideia ocorreu quando as costureiras confeccionaram 60 mil sacolas de algodão para o Fórum Social Mundial. “Naquele momento, pensei que poderíamos montar uma rede de trabalho com a qual todos pudessem ser beneficiados”, conta. 

Desde então, a Justa Trama é uma cadeia ecológica de algodão que articula e integra a produção de fibra ecológica pela agricultura familiar, a transformação pela indústria têxtil e a confecção de vestuário (roupas, calçados e acessórios) até a comercialização dessas peças sob os princípios da economia solidária, do comércio justo e da agroecologia. 

Para Nelsa, este modelo transforma as pessoas resgatando a autoestima e valorizando quem participa e ali atua. A satisfação pessoal atingida, junto com o desejo de transformação social, motiva as empreendedoras e empreendedores para seguir adiante com interesses comuns, o que aumenta a responsabilidade dos membros com as demais ligações da cadeia. “O ser humano precisa viver de forma equilibrada com o meio ambiente. O desmatamento da Amazônia, as queimadas, as barragens que estão matando vidas, a violência, as drogas, o crescimento do suicídio na juventude nos mostram o quanto vivemos num momento de total desequilíbrio”, diz. “Isso tudo nos inquieta e nos provoca, aumentando a nossa vontade de fortalecer modelos que, de fato, levem alegria para as pessoas, dêem sentido para as suas vidas e que servem de exemplo de desenvolvimento nesta nova sociedade que queremos construir.” 

A Justa Trama pratica este conceito em todos os seus aspectos. “A economia solidária acredita no coletivo, na defesa do meio ambiente, na democracia econômica, na divisão justa dos ganhos, nesses princípios fundamentais que realmente acontecem. É isso que fazemos acontecer aqui”, completa Nelsa.

Para ela, as políticas públicas são importantes, mas a organização dos trabalhadores de forma consolidada é o caminho para disputar o atual modelo econômico construindo outra economia com divisão dos ganhos diferente. “Em 2019, apesar da atual conjuntura política e econômica do Brasil, tivemos o melhor resultado da nossa história. Mesmo com toda essa crise, conseguimos promover um desenvolvimento inclusivo que garante renda para as pessoas e gera desenvolvimento econômico”, revela.

Iniciativa premiada

Além dos resultados econômicos e sociais, a iniciativa da Central de Cooperativas Justa Trama rendeu outros frutos, entre eles o prêmio da Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, concedido em outubro de 2019. Ela foi premiada com o 1º lugar na categoria Geração de Renda e 3º lugar na categoria Gestão Comunitária e Algodão Agroecológico.  

Outra iniciativa que compõe um dos cinco elos da Justa Trama, a Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural (ADEC), também recebeu premiação, ficando em 2º lugar na categoria de Gestão Comunitária e Algodão Agroecológico. A ADEC é uma associação de agricultores e agricultoras fundada em 1986 por um grupo de mulheres artesãs, com apoio do Sindicato de Trabalhadores/as Rurais de Tauá, no Ceará. Hoje é responsável pela produção do algodão de cor crua e rubi, e num próximo período na cor verde. É certificada com o selo IBD do Instituto Biodinâmico, utilizando a técnica de plantio agroecológico consorciado, oferecendo produtos saudáveis e livres de resíduos químicos tóxicos.

E os prêmios não são novidade. Em 2016, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO pesquisou experiências com algodão em toda a América Latina e a Justa Trama foi selecionada com a melhor metodologia de enfrentamento à pobreza. Além disso, Nelsa Nespolo foi finalista do Prêmio da Revista Cláudia de 2019 na categoria Empreendedorismo e Negócios.

Banco comunitário, Justa Troca

E a ousadia vai além. Hoje a comunidade conta com Banco próprio. O Banco de Desenvolvimento Comunitário Justa Troca. Ele tem moeda própria, o “Justo”, e linha de crédito para pequenos projetos da economia local. 

“O banco surgiu justamente para buscarmos uma forma de integrar as iniciativas do ponto de vista de desenvolvimento dentro da nossa própria comunidade. Percebemos que além de todas as iniciativas que temos, necessitávamos de algo que nos unificasse, que nos trouxesse juntos para olhar o desenvolvimento da Vila”, esclarece Nelsa.

O Justa Troca oferece microcrédito produtivo para que surjam mais pequenos empreendimentos no bairro e para consumo local em moeda social; realiza levantamentos dos comércios, produtos e serviços do bairro; promove cursos e capacitações, apoiando os pequenos empreendedores para o melhor desenvolvimento de seus negócios; e feiras comunitárias para compra, venda e troca de produtos e serviços do bairro.

As imagens impressas no “Justo” foram inspiradas nas ruas e na cultura do bairro. A moeda circula apenas na Vila Nossa Senhora Aparecida, Bairro Sarandi, baseada na confiança mútua dos empreendimentos e consumidores. 

O Banco é administrado pela Associação Comunitária Nossa Vila Aparecida (ACONVI), com participação ativa das cooperativas Justa Trama, Univens e Nova Geração. Conta também com apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul por meio do Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa e do Conosud (Cooperação Internacional Norte Americana) e CERAI (Centro de Estudos Rurais e de Agricultura Internacional).