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Terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Diretora de Comunicação da ADUFRGS e psicanalista explica porque é preciso falar sobre saúde mental e como o Sindicato se posiciona frente a essa problemática.

A ADUFRGS-Sindical participa da campanha Janeiro Branco – Precisamos falar sobre saúde mental. Para trazer luz ao debate, o Portal Adverso publica uma série de reportagens sobre o tema. Nesta, a diretora de Comunicação da ADUFRGS e psicanalista Sônia Mara Ogiba, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e do Instituto APPOA – Clínica, Intervenção e Pesquisa em Psicanálise, explica os objetivos da campanha e o papel do Sindicato para a prevenção do adoecimento mental.

Continue a leitura e entenda mais sobre o assunto.


Objetivo da Campanha Janeiro Branco

O objetivo da campanha Janeiro Branco, segundo Sônia, é conscientizar as pessoas sobre a importância dos cuidados com a saúde mental e a saúde emocional. De acordo com o site oficial da iniciativa, “somente as corretas informações (...) conseguirão ajudar as pessoas a terem vidas mais harmônicas, mais felizes, mais saudáveis, com mais sentido e com mais propósitos que façam bem a todos”.

Distinções conceituais

Para começar a debater o tema, é preciso, conforme a psicanalista, entender as diferenças conceituais entre saúde mental e transtorno mental no âmbito do Janeiro Branco. “Saúde mental se refere ao cuidado e à prevenção, portanto, é uma preocupação com a saúde pública, individual e coletiva”, explica Sônia. “Pode-se dizer que a saúde mental de uma pessoa se relaciona às aptidões que essa pessoa vai adquirindo ao longo da vida para a convivência social”.

Já um transtorno mental, grosso modo, seria consequência de um adoecimento, que pode se agravar quando não tratado, quando não escutado por algum especialista do campo da saúde, médica ou psicológica.

Outra distinção é a que existe entre saúde emocional e saúde mental. Muitas vezes são tomadas como sinônimos. No entanto, diz Sônia, são distintas, ainda que estejam relacionadas. Saúde emocional se refere a emoções e afetos; sendo que esses são igualmente distintos. Afetos, freudianamente falando, são qualidades que afetam a consciência, é algo que incide sobre o sujeito. “A angústia, entendemos desde uma perspectiva psicanalítica, como sendo a afetação mais básica experimentada pelo sujeito de estranhamento ao mundo”, complementa.

Emoções, por sua vez, seriam movimentos, atos, que ligam os afetos com o juízo, podendo-se, inclusive, falar-se em “destinação” do afeto. Desse modo, a saúde emocional teria a ver com certa prevenção do adoecimento mental, relacionada a uma “forma de vida” com qualidade, tanto emocional quanto afetiva e - porque não dizer - qualidade no âmbito do sentimento. “Emoções e afetos podem ou não ser passageiros. Afetos podem ser retidos, reprimidos, racionalizados. Um sentimento é resultado de emoções e afetos e situa-se em um plano subjetivo, mais duradouro, digamos assim”, define Sônia.

Como se pode observar, sintetiza a psicanalista, a saúde mental, tema da Campanha Janeiro Branco, diz respeito a um nível de qualidade de vida emocional, psíquica e até mesmo cognitiva.
 

Influência da política neoliberal na saúde mental

De acordo com a diretora da ADUFRGS, a saúde mental implica um cuidado com o corpo e não somente com a mente. “E, além disso, compreender a importância de pensar nele como um corpo de linguagem, portanto, político.”

Ela explica que, hoje em dia, com o avanço da política neoliberal, mais pessoas estão sofrendo e adoecendo emocionalmente. “Há três décadas, no Brasil, houve uma politização da saúde mental com o movimento de luta antimanicomial, que colocou essa questão para a sociedade, a saúde mental como expressão do sofrimento humano”, conta.

Segundo Sônia, um dos fatores que causa esse sofrimento é a expansão das políticas neoliberais no campo da economia, da cultura, produzindo formas de vidas que puseram em colapso as identidades. “No modelo neoliberal tudo se torna mercadoria, o sujeito, a educação... O grande mote é induzir os sujeitos a se individualizarem. O que conta é o desempenho, os sujeitos passam a ser empreendedores de si mesmos e se colocam dentro de um enorme desafio de atingir metas”, esclarece. “Isso gera sofrimento, angústia, depressão, ansiedade, entre outros efeitos”, completa.

Novas técnicas de poder do Neoliberalismo

As formas de exploração do neoliberalismo são cada vez mais refinadas, ao que o filósofo sul-coreano Byung-ChulHan chama de “psicopolítica neoliberal”. São exemplos dessas técnicas os workshops de gestão pessoal, fins de semana motivacionais, seminários de desenvolvimento pessoal e treinamentos de inteligência emocional que prometem o aumento da eficiência sem limites. Essas técnicas, segundo Sônia, visam explorar não apenas a jornada de trabalho, mas a pessoa por completo.

Em outra de suas obras (Sociedade do Cansaço) o filósofo coreano descreve como o Ocidente está se tornando uma sociedade do cansaço. Reflete sobre a época em que vivemos, distinguindo-a em detalhes de outras épocas: cansaço, excesso de informações, estímulos, excesso da elevação do desempenho, esgotamento excessivo, entre outros detalhes.

Formas de violência

As diversas formas de violência, como os preconceitos(racismo, homofobia, entre outros) e as suas consequências, como o genocídio da juventude negra são, também, causadores do sofrimento da população, conforme a psicanalista. Ela destaca que as violências podem levar à depressão e ao suicídio. “Vivemos em um contexto político, econômico e social que causa o adoecimento emocional da população”, conclui.

Papel do Sindicato na Campanha

Para a diretora de Comunicação Sônia Mara Ogiba, os sindicatos hoje precisam urgentemente compreender a nova “morfologia do trabalho”. Precisam olhar com atenção para questões vitais da vida cotidiana dos associados da sua base. O capitalismo em seu modus operandi, segundo os especialistas no assunto, é muito diferente do capitalismo do século XX. Hoje, comenta Sônia, citando Ricardo Antunes, “o desafio é redescobrimos um outro modo de vida. Este é um imperativo do século XXI”.

Dessa forma, segundo a diretora da ADUFRGS, há duas ações principais que o Sindicato pode encabeçar dentro da Campanha Janeiro Branco. São elas: promoção da qualidade de vida e psicoeducação.

Qualidade de vida, vida de qualidade, condições de trabalho

A ADURFGS vai abrir espaços próprios de conversa onde os associados possam falar, possam narrar suas angústias, falar acerca das suas emoções e afetos. “Isto significa, fundamentalmente, que o sindicato se preocupa com a qualidade de vida emocional dos seus associados. Abrir esse espaço de escuta e acolhimento hoje é o grande desafio para boa parte dos sindicatos ligados a nossa federação, o PROIFES”, enfatiza Sônia.

“Estar medicalizado não significa ter uma boa vida, uma vida com qualidade”, esclarece. Para a psicanalista, hoje, existe um excesso de medicalização na sociedade fruto de uma concepção de corpo e mente meramente orgânica e biológica. Esse fenômeno vem tornando as pessoas dependentes de fármacos e sem condições de falarem acerca de seu mal-estar. “As condições para a simbolização disso que as fazem padecer e se sentirem ansiosas, angustiadas, ou com medo, por exemplo, dependem, sobremaneira, da existência de espaços de escuta e acolhida”, alerta.

Por essa razão, a ADUFRGS vai oportunizar espaços próprios de conversa,onde os docentes possam falar mais sobre seu mal-estar, que, nos dias atuais, decorre das condições de trabalho,da perda de referenciais simbólicos e das narrativas que até então vinham organizando o laço social. “Essa perda de referenciais produz aquilo que podemos nomear de mal-estar da época”, reflete Sônia.

Segundo ela, as condições de vida no Brasil, marcado pelo preconceito, assim como determinadas relações de trabalho precárias,atualmente são um dos principais desencadeadores de adoecimento emocional. “Quanto mais precárias as condições, materiais e simbólicas, dentro das quais o trabalho se desenvolve, mais sofrimento psíquico o sujeito pode apresentar”.

Portanto, de acordo com a diretora da ADUFRGS, “saúde mental é uma questão contemporânea para os sindicatos. Ao longo do ano de 2020, nosso sindicato, junto aos demais do PROIFES, está se propondo a refletir e construir, com os associados, formas potentes de vida”.
 

Psicoeducação

Outra ação do Sindicato–inspirada no Manifesto da Campanha Janeiro Branco: sem psicoeducação não haverá solução – será a de desenvolver formas lúdicas de conversa e reflexão com os associados. Um bem-estar e um bem-dizer, condições para que a palavra possa fluir. Algo na direçãodo que propõe o Manifesto da Campanha: fomentar uma Psicoeducação, ou seja, “uma forma lúdica de falar dos sentimentos”.

“Espera-se que assim possamos oportunizar aos docentes a compreensão da dimensão sociopolítica do sofrimento humano. Ao mesmo tempo, da complexa organização social, política e discursiva que os fazem adoecer e da qual somos frutos”, conclui Sônia.

Saúde mental: campo multiprofissional

A psicanalista e professora lembra que a prevenção da saúde mental não se atém apenas àárea da Psicologia, mas está presente em um vasto campo multiprofissional, que inclui todos os profissionais da saúde e chega até outras áreas do saber como a Filosofia e aqueles saberes do âmbito da Espiritualidade. Por essa razão, o Sindicato irá promover, ao longo do ano, debates sobre saúde mental com profissionais de diversos campos, percorrendo, inclusive, perspectivas e abordagens distintas sobre a temática.

Assista, abaixo, ao vídeo em que a professora e psicanalista Sônia Mara Ogiba fala sobre a campanha Janeiro Branco e acompanhe a programação da ADUFRGS nas nossas redes sociais.