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Segunda-feira, 09 de março de 2020

Professora e pesquisadora de Saúde Coletiva é uma das convidadas da Semana da Mulher na ADUFRGS

De 10 a 12 de março, a ADUFRGS-Sindical realiza a Semana da Mulher. “Precisamos falar sobre mulheres na Ciência” é o tema de mais um Conversas na ADUFRGS, na próxima terça, dia 10, às 14h, na sede da Barão do Amazonas. 

Fernanda Souza de Bairros é uma mulher negra dentro da universidade. Uma jovem mulher negra na área de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sua trajetória profissional está intimamente ligada a cor da sua pele e ao recorte de gênero. Fernanda estuda e ensina sobre a saúde das populações negras no estado do Rio Grande do Sul, com foco na saúde das mulheres negras

"Sempre pesquisei as iniquidades étnicos raciais e de gênero na Saúde. São coisas que me interseccionam cotidianamente", explica.

Ela é professora do Curso de Bacharelado, na Residência Multiprofissional e no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da universidade, e uma das convidadas do painel Precisamos Falar sobre Mulheres na Ciência promovido pela ADUFRGS-Sindical na próxima terça-feira, 10 de março.

Perfil 

Fernanda é graduada em Nutrição, Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Doutora em Epidemiologia pela UFRGS, com período de Doutorado Sanduíche na Agència de Salut Pública de Barcelona, Espanha. E pós-doutorado em Saúde Coletiva pela Unisinos. Atua também como pesquisadora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Unisinos. Possui experiência nas áreas de Nutrição, Saúde Coletiva e Epidemiologia. Desenvolve ensino, pesquisa e extensão principalmente nos temas de iniqüidades raciais e de gênero em saúde e segurança alimentar e nutricional. Foi membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) de 2017 a 2019 e Diretora de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros (as) - Gestão 2017-2019. Hoje, é coordenadora-adjunta do NEAB - Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos - da UFRGS. Fernanda também é mãe de um menino de 12 anos e sobrinha de Luiza Helena de Bairros, ex ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil entre 2011 e 2014, falecida em 2016. 

Em entrevista ao portal ADverso, Fernanda fala sobre sua trajetória, Saúde Coletiva, sobre ser mulher negra na universidade e os obstáculos que venceu para conseguir trabalhar o combate ao racismo, ao sexismo e à violência de gênero e racial nas suas pesquisas.

"Sou uma mulher negra que se formou em Nutrição em 2004 sabendo que a área social sempre era o chão", resume Fernanda. E foi esse mesmo o seu caminho desde a graduação, conta. "Ser mulher negra dentro da universidade não é muito diferente de ser mulher negra fora da universidade. A gente separar isso é uma falácia".

Você chegou onde queria como pesquisadora e professora?

Com certeza! Eu consegui vencer todas as barreiras impostas para uma mulher negra na sociedade. Ser mulher negra é ser mulher negra em qualquer espaço. Convivendo com isso: o racismo e o sexismo nos impedem de acessar condições básicas para qualquer outro cidadão brasileiro. Uma mulher negra pesquisadora, professora como eu sou, que trabalha com as temáticas de combate ao racismo, sexismo, violência de gênero e racial, tem isso marcado não só nas pesquisas e discurso. Isso está no meu corpo! E impede, sempre impediu.

Que barreiras são essas?

Na época de graduação, por exemplo, não tinha professor que queria orientar saúde da população negra. Me diziam: Por que quer trabalhar população negra? A gente tem que trabalhar saúde para todos e todas. 

Eu venho de uma família de intelectuais negras, que têm a militância e a intelectualidade presentes em casa, então eu já vinha com certas leituras, certas trajetórias que não eram conhecidas por muitos colegas e professores. Então, eu tive que convencer sobre porque é importante discutir racismo na Ciência, de descolonizar esse conhecimento. Tenho essa trajetória desde que entrei na faculdade. 

No doutorado também foi assim. Na sala de aula, as pessoas me recebiam querendo ser simpáticas, dizendo: Seja bem-vinda, de onde que tu vens? Eu dizia: do mesmo lugar que você. Achavam que eu era uma aluna africana! Porque para fazer um doutorado de Epidemiologia na Faculdade de Medicina, só poderia ser pelos convênios que a universidade tem Brasil - África. As pessoas jamais imaginavam que aquela mulher negra era uma aluna brasileira, portoalegrense, que morava na Cidade Baixa.

Como você escolheu a Saúde Coletiva?

Eu não consigo localizar quando foi que eu escolhi porque isso já estava dado. Quando eu entrei pra Nutrição, eu entrei para trabalhar a Saúde Coletiva. Eu não tinha isso na minha cabeça tão pronto. Mas, na verdade, sempre foi isso: eu nunca pensei em trabalhar com clínica na Nutrição ou em empresas de alimentação. E o que me fez terminar a faculdade, foi justamente o social, não foi a Nutrição em si; foi a possibilidade de continuar trabalhando no social. Porque no decorrer, vi o quanto a Nutrição era elitista, o quanto trabalha o indivíduo e pouco as coletividades, e o quão pouco se mostrava a Saúde Coletiva como eu sempre pensei.

A Saúde Coletiva veio exatamente do movimento de trazer mais conhecimentos para a saúde pública, que era mais biologicista, mais médico centrada. A Saúde Coletiva traz outros pilares das Ciências Sociais em saúde, traz a gestão, planejamento, epidemiologia; pensa a saúde de uma forma mais holística. 

Como sua história de vida se relaciona com sua atuação na universidade?

Eu venho de uma militância de mulheres negras, de organizações de mulheres negras, já coordenei uma rede de mulheres negras para soberania e segurança alimentar, fiz e faço parte de fóruns brasileiros que discutem a soberania e segurança alimentar, fiz parte do Consea, que foi extinto no primeiro dia do atual governo. Então, a militância sempre esteve presente. Eu estava nesses espaços para discutir as questões de alimentação, do direito humano à alimentação, soberania e segurança alimentar, mas eu estava nesses espaços sempre como uma mulher negra. Sempre trazendo essas questões de gênero e raça para discutir, porque geralmente, essas discussões são muito centradas na questão econômica; quase sempre desconsideram gênero e raça como estruturais na nossa sociedade. Então, a minha inserção na militância e na universidade estão juntas. Os meus projetos, por exemplo; nenhum projeto meu trabalha saúde sem organizações da sociedade civil ou controle social presentes. E eu trabalho a política da saúde da população negra há dez anos. 

Fale um pouco sobre seu acompanhamento da política nacional de saúde da população negra.

Só temos essa política hoje por conta do movimento social negro. Especificamente, o movimento de mulheres negras que lá na década de 1970 já vinha falando da esterilização em massa, sobre a qualidade do atendimento que não era igual; sobre os problemas de saúde reprodutiva que as mulheres negras vinham denunciando. Uma das diretrizes desta política é o fortalecimento do controle social, porque não tem como implementar uma política sem controle social. E o meu trabalho é isso: a universidade com o movimento social e com militância, sim. As pessoas para desqualificar dizem que isso não é Ciência, é militância. Eu respondo: é militância na Ciência.

O racismo por ser estrutural na sociedade está presente em todos os espaços. E na saúde não é diferente. Quando a gente avalia os indicadores, se percebe que a população negra morre mais, precocemente e por mortes totalmente evitáveis. Para se entender por que a população negra morria mais, foram feitos estudos que analisavam não só o acesso aos serviços de saúde como a qualidade do atendimento.

O acesso é um problema, mas com a reordenação da saúde, com as equipes de saúde da família, hoje não são muitos estudos que mostram a diferença de acesso. Mas a qualidade desse acesso ainda pega. As mulheres negras, por exemplo, não são tocadas. Essa foi minha dissertação de mestrado: o acesso de mulheres negras a exames de mama e citológicos. O número de consultas de mulheres brancas e negras em São Leopoldo, por exemplo, quase não tinha diferença, mas as mulheres negras não eram examinadas, não se fazia exame de mama. Estou falando de exame clínico, nem estou falando de mamografia e ecografia, estou falando de tocar. As mulheres negras não eram tocadas. A gente estudar prova que é preciso combater o racismo na saúde. A política mostra que o racismo é determinante social da saúde, sim, não são só as condições econômica. 

A que você atribui os ataques à universidade e à educação pública?

Esses ataques que a universidade pública sofre agora são em decorrência da democratização da educação. A gente tem que entender que o projeto de democratizar a educação, dar acesso a pessoas e populações que jamais teriam acesso, faz com que a universidade seja atacada. Eu acredito na universidade pública, na educação pública, sempre acreditei! Temos hoje uma comunidade muito mais potente, justamente, pela pluralidade da universidade, com pessoas das mais variadas trajetórias, e por isso ela é mais potente e forte. A universidade precisa, cada vez mais, produzir e dialogar para fora e se aproximar de outros movimentos. Se a gente não se unir, seremos todos detonados juntos, não sobra ninguém. E acredito que tirar a autonomia da universidade é o primeiro passo para que nossos projetos e ações sejam eliminados. 

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