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Quinta-feira, 25 de junho de 2020

Para Rose Gurski e Mayte Amazarray, situação de adoecimento é anterior ao coronavírus, mas tende a se agravar

A pandemia do coronavírus trouxe com ela não apenas a Covid-19, doença que vem matando milhares de pessoas em todo o mundo, mas também, o debate sobre os cuidados com a saúde mental da população. Para as professoras Rose Gurski, do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da UFRGS, e Mayte Amazarray, do Departamento de Psicologia da UFCSPA, a crise sanitária do contexto da pandemia agravou processos de adoecimento mental provocados por uma situação que já vinha ocorrendo, uma crise generalizada: política, econômica, social e cultural.

As professoras falaram sobre esse tema na aula pública “Saúde Mental em tempos de pandemia e distanciamento social”, promovida pela ADUFRGS-Sindical nesta quarta-feira, 24 de junho, em seu canal no YouTube. O presidente da ADUFRGS, Lúcio Vieira, abriu e encerrou a live, destacando que era a 10ª aula desde o início da pandemia, e enfatizou a importância e complexidade do tema que ganha relevo neste momento de pandemia.  O diretor de Assuntos da Carreira do MS, César Bastos de Mattos Vieira, foi o mediador da aula.



Estudiosa da área da Psicologia do Trabalho, Mayte destacou que o contexto político, econômico, social, cultural e os aspectos sanitários acompanham a dimensão psíquica da vida e que as diferenças entre os indivíduos nesses diversos aspectos já existiam antes da pandemia e que não deixam de existir após. Mas que o distanciamento social tem limitado a forma como podemos ajudar as pessoas e a nós mesmos. “O distanciamento provoca a reinvenção de si e uma mudança na forma como nos relacionamos com os outros”, frisou.

Mayte citou o livro “A cruel pedagogia do vírus”, do escritor Boaventura de Souza Santos, no qual o autor diz que  “a pandemia afeta a todos, mas de diferentes formas... A quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento imerecido que elas provocam.” A situação, segundo a professora da UFCSPA, nos afeta porque:

•    a Covid-19 é uma ameaça constante, invisível e sobre a qual não temos controle;
•    provoca o temor da morte;
•    provoca oscilações emocionais constantes;
•    houve uma mudunça abrupta das nossas, sem a possibilidade de um preparo;
•    há sobreposição de papeis e atividades (maternidade, trabalho, questões domésticas etc);
•    há excesso de notícias sobre a pandemia;
•    existem consequências econômicas e sociais ligadas a esse cenário  e as preocupações não são só com a saúde.

“Condições sociais do sofrimento psíquico e o paradigma do sonho e do sonhar”

A psicanalista Rose Gurski destacou que o crescimento do adoecimento mental é anterior à pandemia. “A chegada do coronavírus no Brasil se deu em um momento de extrema fragilidade política, econômica e social. Então os efeitos psíquicos dos danos provocados pela pandemia se sobrepõem a um cenário anterior de crise, que já vinha produzindo mudanças nas estatísticas referentes à saúde mental”, disse.

Pautando-se pelas reflexões da pensadora Hannah Arendt, Rose destacou que desde o início dessa crise generalizada, os adultos estão preocupados com o mundo que deixarão para as próximas gerações. Os jovens, por sua vez, estão deixando de sonhar. “Nós vivemos em um contexto que mesmo antes da pandemia já apresentava altas taxas de mortes voluntárias entre adultos e um aumento progressivo de tentativa de suicídio entre os mais jovens. É como se não soubéssemos mais cuidar dos nossos idosos, pois para uma sociedade financeirizada, eles seriam obsoletos. Por outro lado parece que nos faltam condições necessárias para a construção dos sonhos desses que vão fazer o futuro do mundo”, ressaltou. “De alguma forma nós deixamos de sonhar com um amanhã diferente. Em que espécie de servidão voluntária nós nos encontramos que não conseguimos nem ao menos sonhar com um outro futuro possível”, problematizou.

Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura, onde desenvolve um estudo sobre Oniropolítica, no qual se articulam sonho, psicanálise e política, Rose permeiou sua aula por conceitos dos filósofos Walter Benjamin, e Hannah Arendt, e os psicanalistas Sigmund Freud e Jacques Lacan, além de observações de relatos de sonhos de profissionais da área da saúde e da educação, neste período da pandemia e o que eles significam. “Nós temos compreendido os sonhos, que são um elemento clássico de estudo da psicanálise, como uma ponte que liga o particular do sonhador com a dimensão coletiva do laço social”, explicou. 

O adoecimento dos professores

Rose também enfatizou o papel fundamental do Sindicato no debate sobre a saúde mental. “A ADUFRGS, já em momento anterior à pandemia, vinha fazendo o debate sobre o sofrimento psíquico dos docentes das universidades públicas e institutos federais”, lembrou, destacando a campanha “Saúde Mental é questão sindical”, lançada em janeiro pela ADUFRGS, em parceria com o CPERS e o Sinpro. 

Em todos os níveis de ensino, os professores sofrem cerceamento, segundo a psicanalista, e isso leva a uma educação apolítica. “Vimos no início do ano, o assédio nas escolas na tentativa de controle da palavra do professor. Além disso, a precarização das condições de ensino e pesquisa no país, a desqualificação da função docente, o aniquilamento da educação como bem público, tentativas de redução das perspectivas educacionais são fatores que participam do declínio da educação como um tesouro cultural”, afirma. “Me parece que há uma associação forte da saúde mental do professor com o lugar simbólico que ele ocupa na sociedade. E a gente precisa pensar nos prejuízos a curto, médio e longo prazo que essas questões vão trazendo”, complementando.

Segundo Rose, mesmo antes da pandemia, a comunidade acadêmica já se encontrava em sofrimento psíquico, por conta da “demonização dos professores e da universidade pública. “O anti-intelectualismo que tomou conta da sociedade brasileira e o ataque frontal que temos sofrido vêm produzindo desgastes intensos nos traços de identidade da vida acadêmica e dos professores. Seria o desgaste do professor um processo gradativo de barbarização da educação no Brasil. Essas variáveis tem produzido efeitos corrosivos para a saúde mental. No diapasão do tempo pode levar ao estabelecimento de quadros mais sérios no campo da psicopatologia”,  alertou.

Consequências da pandemia

Para a psicóloga Mayte Amazarray, a pandemia trará sequelas para a saúde mental da população mundial e isso já vem sendo observado em diversos países, onde as pessoas estão com dificuldades de retomar suas rotinas. “Precisamos, agora, manter o foco nas situações internas, porque estas serão permanentes. É preciso abandonar o performativo e abraçar o autêntico, o espontâneo. Abrace o novo normal, que é mais longo do que o imaginado inicialmente. É importante economizar energia e se preparar emocionalmente para manter a serenidade nesse processo”, recomendou.

Rose acredita que é necessário “ampliar a dose de tolerância e paciência, flexibilizar combinações e exercitar a tolerância com as dificuldades que virão”. E deixou uma sugestão aos sindicatos: “temos que pensar se não precisamos criar canais diferentes de escuta para que as pessoas possam fazer suas catarses e seguir adiante. Existe a necessidade de se escutar esses sofrimentos. As questões são coletivas, mas cada um vai responder da sua forma a essa situação complicada que estamos vivendo”, conclui.

Participação do público

Até o fechamento desta matéria, a live “Saúde Mental em tempos de pandemia e distancimanto social” já havia sido assistida por mais de 450 pessoas. Veja alguns comentários deixados na plataforma pelo público durante a transmissão ao vivo:

Tema de extrema relevância, que atinge a todos nós e nos instrumentaliza para auxiliar pessoas que apresentem dificuldades neste momento tão delicado.
Mariana Moreira

A universidade atuando com ciência e solidariedade no compromisso com a sociedade.
Prisla Ücker Calvetti

Assunto importante para superar as dificuldades emocionais frente a uma imprevisível questão de saúde: Pandemia. Parabéns às instituições pela qualidade das pesquisas em andamento.
Sergio Zylbersztejn

Excelente apresentação. Não podemos compreender o sofrimento sem este contexto político que nos assusta e que nos desafia.
Silvia Generali da Costa

Que discussão preciosa e rica.Parabéns às duas palestrantes e à organização deste evento.Tem que ser divulgado para outros estados.
Ana Lizete Farias

Parabéns para as duas colegas! Obrigada pela qualidade e pela delicadeza na abordagem de temas tão difíceis!
Jaqueline Moll

Assista à aula pública: