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Sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Rui Vicente Oppermann

O novo reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, é professor titular da Faculdade de Odontologia, formado pela Instituição e doutor em Odontologia pela Universidade de Oslo, na Noruega. Foi um dos colaboradores para a mudança do currículo do curso na Universidade e, desde 2004 vem exercendo papel de gestão dentro da casa. Como diretor da Faculdade, fez parte da comissão do Conselho Universitário que, em 2007, propôs as políticas de ações afirmativas da UFRGS.

O sistema de cotas serviu de inspiração para o governo federal promulgar a Lei de Cotas, que até hoje está em vigor nas universidades federais brasileiras. “Isso fez nosso campus ter uma grande inclusão de estudantes da rede pública, principalmente de afrodescendentes e indígenas”, destaca Oppermann. Desde 2008, ele vinha atuando como vice-reitor da Universidade.

Oppermann assume seu mandato em um período difícil para as IFEs. Junto com o fim do Reuni, maior programa de expansão da Universidade custeado pelo governo federal, a nova gestão terá o desafio de gerir a Instituição com um projeto orçamentário equivalente ao de 2015, sem correção inflacionária e com redução de 6,7% no custeio e mais de 40% nos investimentos. Na pauta, também estão a defesa da gratuidade da Universidade, a manutenção e ampliação das políticas de ações afirmativas e a luta pela expansão e internacionalização da UFRGS.

Adverso – O Senhor assume a direção da Universidade em um período de recessão econômica e cortes no orçamento das IFEs em todo o País. Neste contexto, quais são as prioridades da nova gestão?

Oppermann – O primeiro passo é nos voltar para a nova geração de servidores e buscar neles o apoio para os projetos da Universidade. Recentemente, a UFRGS realizou contratação de docentes doutores e técnicos administrativos especializados, alguns, inclusive, com pós-graduação. Isso inclui no quadro de servidores – que passou por quase 50% de renovação – um grupo de profissionais qualificados, que estão capacitados e que têm na Universidade a perspectiva de uma carreira. Isso é muito importante, porque, a partir desta expectativa de construção de sua vida acadêmica, podemos garantir que, apesar das dificuldades deste período de recessão no País, nós temos o mais importante, que é o capital humano. Pessoas dispostas a trabalhar. E temos que dar oportunidade para estas pessoas, para que possam continuar seus projetos na pós-graduação, na pesquisa, na qualificação profissional. Temos que olhar para esta nova geração de servidores, porque, mesmo que tivéssemos muito dinheiro, de nada adiantaria se não houvesse recursos humanos.  

Adverso – Neste sentido, quais são os principais desafios?

Oppermann – Em nosso Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) surgiu, muito claramente, que a comunidade universitária tem interesse na transversalidade, ou seja, no trabalho em rede. Muitos docentes e pesquisadores já fazem isso, participando de redes externas. A UFRGS deverá criar esta cultura internamente, porque isso irá nos permitir produzir conhecimento e novas maneiras de ensino, baseado no trabalho cooperativo, complementar. Esse pensamento é embasado, por exemplo, no Prêmio Nobel, que, antigamente, era entregue para uma pessoa, mas, hoje, reconhece um conjunto de profissionais que trabalham transversalmente. Aí está um grande desafio. O outro é que a UFRGS é uma universidade de excelência, no ranking das melhores do País, e nós temos que pensar no que teremos que fazer para nos expandir em termos de projeção e de qualidade. Evidentemente, neste plano está buscar nossa internacionalização, promovendo não apenas o intercâmbio entre pessoas, mas também a execução de projetos de convênios, de trabalhos com diferentes instituições estrangeiras. Temos os editais do BRICS como um exemplo fundamental de onde buscar novos recursos. Nós já ganhamos dois editais, e estamos participando de outras iniciativas que envolvem parcerias com pesquisadores de muitos laboratórios no País e no mundo. Vemos na internacionalização, também, a perspectiva de buscar recursos para dar continuidade ao desenvolvimento de pesquisa e inovação, mas é preciso deixar claro que nossa gestão entende que o financiamento público das universidades federais é constitucional e deve ser preservado. 

"Vemos na internacionalização, também, a perspectiva de buscar recursos para dar continuidade ao desenvolvimento de pesquisa e inovação, mas é preciso deixar claro que nossa gestão entende que o financiamento público das universidades federais é constitucional e deve ser preservado."

Adverso – Quais as metas e prioridades de sua gestão, diante da previsão de um corte orçamentário de até 40% nos investimentos das IFES?

Oppermann – Estamos muito preocupados com a questão orçamentária. O projeto da UFRGS para 2017 propõe os mesmos valores de 2015, sem correção inflacionária e com redução de 6,7% no custeio e mais de 40% nos investimentos. A Universidade vai ter que ser muito eficiente na administração de recursos. Para isso, foi criado um grupo de trabalho que está produzindo propostas de racionalização dos investimentos em custeio, de maneira que não se prejudique o andamento da Instituição. Mas, certamente, haverá uma diferença com relação ao que tínhamos antes de 2014, quando começaram os cortes de custeio. Também não teremos novas obras, apesar de ter a garantia da continuidade daquelas que estão no orçamento, a exemplo do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade (ICBS), a Biblioteca do Campus do Vale e a expansão do Campus Litoral. No entanto, a Universidade não terá a expansão que vinha tendo com o Reuni. Mas não estamos parados, estamos desenvolvendo projetos que, no momento que tivermos os recursos, serão colocados no orçamento. 

Adverso – Existe a possibilidade de uma maior aproximação entre empresas e a Universidade. Como será este processo? Em que áreas?

Oppermann – A UFRGS já tem muitas parcerias com grandes empresas, como a Petrobras, Eletrobras, Tramontina. Enfim, a tradição da interação entre universidade e sociedade é de longa data. Nossa perspectiva está baseada no novo Marco Legal para o Desenvolvimento Científico, Tecnologia e Inovação, que abre a possibilidade da universidade realizar parcerias com empresas e instituições públicas e privadas, para o desenvolvimento de projetos de inovação. Isso é muito importante. Por exemplo, podemos realizar uma interação da Universidade com a Prefeitura, a PUC-RS, a Uniritter, a Unisinos e diferentes empresas interessadas na revitalização do 4º Distrito de Porto Alegre. Esse é um grande projeto do qual a UFRGS faz parte. No passado, atuávamos apenas como consultores, mas, agora, com o Marco Legal, podemos participar ativamente. Está na nossa perspectiva uma eventual sessão de área para que a UFRGS possa instalar uma extensão de seu Parque Tecnológico dentro do 4º Distrito. 

"Está na nossa perspectiva uma eventual sessão de área para que a UFRGS possa instalar uma extensão de seu Parque Tecnológico dentro do 4º Distrito."

Adverso – O que seria desenvolvido ali? 

Oppermann – Pesquisa em microeletrônica, inteligência artificial, produção de ciência e inovação. E isso é uma forma de interação com a sociedade. Temos que ser mais proativos e buscar, como neste caso, outras áreas onde possamos atuar. O próprio Parque Tecnológico da UFRGS, que, originalmente, estava fixado dentro do campus, hoje tem maior flexibilidade para buscar parcerias fora do seu âmbito, para aproveitar o que nós temos de melhor, que é a nossa inteligência, nossa produção de conhecimento básico e aplicado, em interação com diferentes setores da sociedade. 

Adverso – De que forma estas parcerias interferem na pesquisa?

Oppermann – A Universidade, atualmente, produz muito pouca inovação perto do que poderia produzir. Inovação nada mais é do que produtos, sistemas ou processos e ideias. Toda inovação só pode ser gerada a partir da pesquisa básica. E a UFRGS desenvolve a melhor ciência do País. Neste aspecto, estamos junto com os grandes centros produtores de pesquisa, de iniciação, de investigação, e isso não sou eu que estou dizendo, são as avaliações que são feitas. Vamos continuar buscando recursos, entre fontes públicas e privadas, para essa pesquisa, que vai para a fronteira do conhecimento, que vai desenvolver o que depois será aplicado. Mas também pode ser feita em parceria com empresas em outros locais, a exemplo do 4º Distrito. 

"A diferença é que antes, se a pessoa tinha alguma resistência em relação às cotas, acabava criando uma segmentação, no estilo 'lá vai a turma dos cotistas'. O grande desafio da inclusão e da permanência é fazer com que o cotista se sinta apropriado dentro da universidade, e não 'um incluso'."

Adverso – A questão da redução de recursos já sinaliza uma possível evasão de estudantes mais pobres, diante da dificuldade de, por exemplo, se manter com bolsas (que giram em torno de R$ 400,00). Como o senhor pretende incentivar a permanência destes estudantes na Universidade?

Oppermann – Durante os oito anos de governo Lula e quatro anos de governo Dilma, o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) teve um incremento positivo na sua destinação de recursos. Estava fundamentado na ideia de que, se estamos expandindo o número de alunos e aumentando a inclusão, certamente teremos maior demanda de assistência estudantil, por conta da diversificação desta comunidade. Isso foi e está sendo desta maneira. No segundo governo Dilma, o PNAES parou de crescer e seu orçamento só recebeu a recuperação inflacionária (sem sofrer reduções). No entanto, para 2017 existe uma proposta de redução de 6,7% do PNAES. É um grande problema que teremos de resolver, porque a Universidade não conta com nenhuma outra fonte de assistência estudantil. Não podemos tirar de rubricas do orçamento uma verba para este fim, por exemplo. Os alunos de baixa renda, que são o público contemplado pelo PNAES, recebem diversos auxílios, além da bolsa de R$ 400,00. Por exemplo, não pagam RU (têm alimentação 100% subsidiada), eles têm auxílio transporte, auxílio moradia (no caso dos não beneficiários da Casa do Estudante), auxílio odontológico, entre uma série de outros benefícios. A partir de agora temos um dilema, e nós queremos conversar com a representação estudantil sobre isso: podemos aumentar o valor da bolsa, mas diminuir o volume; ou manter os R$ 400,00 e manter o número de bolsistas que hoje são beneficiários. Essa é uma equação muito simples, mas é sensível. Eu, na minha visão, acredito que a segunda alternativa é a melhor, mas, para resolver a questão, queremos ouvir os próprios alunos.

Adverso – Na cerimônia de posse, o senhor garantiu o compromisso com a manutenção do acesso gratuito à Universidade e com a promo-ção de ações de apoio à diversidade e combate à intolerância. Quais serão estas ações? De que forma pretende engajar os professores?

Oppermann – A gratuidade é uma garantia constitucional, e qualquer mudança neste sentido passaria por uma alteração na Constituição. Eu, pessoalmente, me coloco contrário a uma cobrança de anuidades no ensino público federal. Acho que esta não é a solução, muito pelo contrário: é uma agressão a uma conquista histórica da sociedade brasileira. Então, não são apenas docentes e reitores que devem se mobilizar contra a cobrança, mas toda a sociedade. Se for o caso, deveremos abrir a discussão para que os argumentos sejam apresentados. A população deve compreender que as universidades públicas prestam serviços incomparáveis no aspecto social, o que faz com que a pesquisa, a inovação, a inclusão e a tolerância sejam respeitadas como bens do cidadão. Essa é uma luta que deve ser coletiva, principalmente se quisermos sair da crise. A educação é investimento. E, no caso do Brasil, um investimento público.

"A pior coisa que pode nos acontecer é sermos unânimes, pois a Universidade é o palco da diversidade, da tolerância, da pluralidade de ideias, da discussão. Essa é a razão pela qual a Lei da Mordaça é um grande risco para a sociedade."

Adverso – O senhor toma posse em meio à polêmica da mudança na política de cotas, que está em discussão na Universidade. Qual a posição da reitoria sobre este assunto?

Oppermann – Nenhuma ação na Universidade foi tão profunda quanto a política de ações afirmativas, que foi o aspecto mais fundamental de transformação da nossa Universidade no século XX. A recente discussão que envolveu a Reitoria, o Consun e os movimentos organizados resultou em um evidente aprimoramento da nossa política de ações afirmativas, no que se refere às cotas. Uma das mudanças é distribuir a entrada dos cotistas nos dois semestres, e não apenas no segundo, como ocorria. A diferença é que antes, se a pessoa tinha alguma resistência em relação às cotas, acabava criando uma segmentação, no estilo “lá vai a turma dos cotistas”. O grande desafio da inclusão e da permanência é fazer com que o cotista se sinta apropriado dentro da universidade, e não “um incluso”. Então, a partir de agora, teremos a entrada de cotistas (que passam a ter 50% de vagas tanto no primeiro quanto no segundo semestre) em toda a Universidade, em todos os momentos. Queremos também que a Coordenadoria de Ações Afirmativas trabalhe pela permanência dos cotistas, em interação com as pró-Reitorias de Graduação, de Assuntos Estudantis e de Pós-Graduação da UFRGS, das unidades acadêmicas, dos DCEs e dos coletivos. Afinal, a universidade tem como função fundamental a construção de cidadania. Temos, também, uma preocupação com o momento atual, em que há um acirramento muito grande de posições – e todo mundo tem o direito de ter suas posições, mas é preciso que haja tolerância neste sentido. A pior coisa que pode nos acontecer é sermos unânimes, pois a Universidade é o palco da diversidade, da tolerância, da pluralidade de ideias, da discussão. Essa é a razão pela qual a Lei da Mordaça é um grande risco para a sociedade.


Foto: Araldo Neto
Texto: Adriana Lampert
ADverso/Edição 222 - Setembro/Outubro - 2016

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