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Terça-feira, 12 de junho de 2018

Não importa por que ângulo se veja, a conclusão é sempre a mesma: os países que mais investem em pesquisa são mais inovadores, mais independentes e mais desenvolvidos.

Não importa por que ângulo se veja, a conclusão é sempre a mesma: os países que mais investem em pesquisa são mais inovadores, mais independentes e mais desenvolvidos. Por que, então, o governo brasileiro decidiu cortar quase pela metade os investimentos em ciência e tecnologia? Aplicada à pesquisa, a emenda constitucional que congela os gastos públicos pelos próximos 20 anos usa como parâmetro um orçamento ultradefasado, que despencou de R$ 9 bilhões, em 2010, para quase um quarto deste valor, em 2017, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich. Nesta reportagem, você verá um conjunto de indicadores que, comparativamente, explicam por que estamos cada vez mais longe de nos tornar um país economicamente desenvolvido e socialmente justo.

“Os cortes já estão em curso e trazem efeito imediato em pesquisas que necessitam de aportes diários, como as realizadas na área da Saúde”, relata a diretora do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ex-presidente da FAPERGS, Nádya Pesce da Silveira. Em poucos meses, os cortes já impactam projetos em andamento, em todas as áreas da Ciência e Tecnologia. No caso da Universidade, boa parte do aprendizado prático, repassado aos alunos dos cursos de graduação, vem de projetos em desenvolvimento nos laboratórios de pesquisa. “Os estudantes se associam aos projetos, através de programas de Iniciação Científica, Iniciação Tecnológica e outros, e permanecem realizando atividades de pesquisa com a orientação de docentes”.

Além da diminuição do número de bolsas para os alunos, os cortes têm reflexos no fornecimento de insumos para os laboratórios, que podem faltar ou ser disponibilizado em quantidade insuficiente. O resultado, explica a docente, é a diminuição das atividades de pesquisa ou, até mesmo, o cancelamento de projetos. “O reflexo na formação dos alunos é imensurável. A partir do momento em que, por conta do contingenciamento, o acesso a essas atividades diminui, temos uma reversão do amadurecimento de nossos alunos como profissionais”, lamenta.

O enxugamento orçamentário da Ciência no Brasil foi tema de um debate, organizado pela ADUFRGS-Sindical, no mês de setembro. O evento foi mediado pelo presidente da entidade, professor Paulo Machado Mors, com a participação do pró-reitor de Pesquisa da UFRGS e professor do Instituto de Informática, Luís da Cunha Lamb, e do professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Antônio David Cattani.

Mors destacou que o primeiro sinal grave de ataque à pesquisa no Brasil, nos tempos recentes, foi a fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. “Enquanto cortamos recursos, outros países integrantes do BRICS estão investindo pesado nestas áreas. A Coréia do Sul, por exemplo, destina o equivalente a 4% do seu PIB para a Ciência e a Tecnologia. Somos o único país, entre eles, que não acredita que o este é um importante fator de desenvolvimento para o País”. 

Destacando sua alta qualificação, comparada às demais universidades brasileiras, e também mundiais, Lamb fez uma retrospectiva histórica da UFRGS, lembrando que a aprovação da Lei 13.243/2016, representou um “marco legal, que simplificou o andamento da atividade de pesquisa no Brasil”.

Brasil tem poucos pesquisadores

Lamb usou uma série de dados para mostrar como anda a pesquisa no Brasil em comparação com outros países. Os dados mais recentes disponíveis para cada país situam Israel no topo do ranking, com quase 8 mil pesquisadores por milhão de habitantes, e mais de 4% do PIB em investimentos. Pouco atrás estão a Coréia do Sul, a Finlândia, a Suécia e o Japão. O Brasil aparece bem depois, com menos de 1 mil pesquisadores por milhão de habitantes e investimento equivalente a 1,2% do PIB. Lamb reconhece que, “apesar de destinarmos mais recursos do que a média dos países latino-americanos para a pesquisa, nós teríamos que investir muito mais para darmos um salto como nação”. No caso brasileiro, outro dado negativo é a taxa de pesquisadores por milhões de habitantes, muito inferior a outros países. 

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Índice global de inovação x universidades mais inovadoras

O pró-reitor de Pesquisa da UFRGS mostrou que existe uma relação direta entre os países que apresentam as economias mais inovadoras no mundo e universidades altamente produtivas em termos científicos (registro de patentes). No topo da lista, os Estados Unidos possuem nada menos do que 50 das universidades mais inovadoras, enquanto o Japão, em segundo lugar, tem nove.

Gráfico 01Entre as chamadas economias de renda média, a China é a mais bem colocada, em 16º lugar. A Índia aparece em 27º, a Rússia em 28º, o Brasil em 29º e a Argentina em 30º. Neste comparativo, Lamb chamou a atenção para o fato de “termos poucas patentes registradas no Brasil, mesmo em relação aos nossos vizinhos de economia similar”.

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Um grande obstáculo, na avaliação do docente, é que a sociedade não consegue valorizar o impacto econômico e social da ciência, “porque ela não está na mente das pessoas, muito menos no nosso País”. Para Lamb, “esta é uma limitação que nós, acadêmicos, temos que ajudar a superar”, contribuindo para que a pesquisa esteja no cotidiano das pessoas. “Se fizermos uma enquete, perguntando aos cidadãos brasileiros qual cientista eles conhecem, provavelmente, a resposta será Stephen Hawking. Ele é o único cientista lembrado pela maioria das pessoas. É ele, e somente ele, que está no imaginário delas.”

 

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Complexidade econômica: Brasil decaiu em ranking relacionado à produção de conhecimento

A conexão entre a complexidade da produção e o desenvolvimento econômico também foi objeto da análise do pró-reitor, com base nas informações do Atlas da Complexidade Econômica. Criado pelos economistas Ricardo Hausmann, da Harvard University, e César Hidalgo, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o Atlas propõe, fundamentalmente, que a riqueza das nações é impulsionada pelo conhecimento do processo produtivo. Em seu blog, o economista Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp, explica: “Os indivíduos são limitados nas coisas que eles podem efetivamente conhecer e usar na produção.

Assim, a única maneira de uma sociedade deter maior conhecimento é através da distribuição de diferentes partes do conhecimento, para distintas pessoas especialistas. Para usar o conhecimento, estes 'pedaços' precisam ser reagregados para conectar essas pessoas através de organizações e mercados”. Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo.

Em um ranking de 128 países, que respondem por 99% do comércio mundial, o Brasil estava, em 2015, no 47º lugar no critério de complexidade econômica. São quase 30 posições abaixo daquela que ocupava duas décadas antes, em 1995. Ou seja, decaímos em complexidade econômica. Mas o que isso tem a ver com as universidades? “Tudo”, afirma Lamb, na medida em que a complexidade econômica tem relação direta com a produção de conhecimento.

 

Mito ou verdade?

O Brasil investe muito em pesquisa e desenvolvimento, e na educação superior

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) e o Banco Mundial esta afirmação não é verdadeira. O investimento do Brasil é baixo quando comparado com os países líderes em CT&I. Só é maior que o de países vizinhos, na América Latina. Veja o comparativo:

Investimentos em pesquisa e desenvolvimento, percentual GDP-PPP por países selecionados:

• EUA (2015): 2.8%
• EU-28 (2015): 2%
• OECD (2015): 2.4%
• China (2015): 2.1%
• Coréia do Sul (2015): 4.2%
• Israel (2015): 4.3%
• Argentina (2014): 0.6%
• Brasil (2012): 1.15%
• Chile (2015): 0.4%
• Colombia (2014): 0.23%
• México (2015): 0.6%

Conclusão: nosso investimento percentual do PIB é baixo em comparação a países líderes em C&T&I.

Os dados da OECD, relativos a 2017, sugerem que, com relação ao investimento público total, os percentuais destinados à Educação, na América Latina, não são pequenos. Porém, como consequência provável do fraco desempenho das economias da região, o montante nominal é baixo. No Brasil, por exemplo, o ensino superior (ES) recebeu 3,3% do investimento público total e 12,8% foram destinados ao ensino não-superior (ENS). O México destinou, respectivamente, 4% e 13,3%. No Chile, foram 4% e 10,4%, enquanto os Estados Unidos aplicaram 3,4% e 8.2% e a Coreia do Sul, 3,1% e 9,7%. É mito!

Cattani: Bases para o avanço tecnológico estão ruindo

Avaliando os programas nacionais de Ciência e Tecnologia, o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS, Antônio David Cattani, destacou que, nos últimos anos, o Brasil registrou avanços extraordinários. “Comparando o Brasil com outros países economicamente avançados, constatamos que, num curto espaço de tempo, foi criado um sistema universitário federal espalhado por todo o território nacional, com alta capacidade de formação de recursos humanos e com bases consistentes para o avanço tecnológico nas mais diferentes áreas”.  O mesmo, segundo ele, pode ser dito da pós-graduação e das publicações científicas.

Cattani destacou que a inovação tecnológica, o aperfeiçoamento de espécies vegetais e animais, a qualificação de quadros especializados para atuar em áreas estratégicas, com vistas à redução da dependência científica e econômica, acontece, essencialmente, na esfera de instituições e programas públicos. “As empresas privadas, nacionais e internacionais, investem pouco nesses campos.”

Desde 2004, o número de estudantes nas universidades públicas e privadas cresceu com taxas inéditas na história da educação brasileira, graças a programas de incentivo do governo federal e da cooperação internacional. 

Em 2008, os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETS), as escolas isoladas de educação tecnológica e as escolas agrotécnicas foram transformadas em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, passando a atuar dentro de um programa coerente de formação. “De forma racional e estratégica, começaram a qualificar profissionais para os diversos setores da economia brasileira, realizando pesquisas e desenvolvendo novos processos, produtos e serviços, em colaboração com o setor produtivo.”

O resultado, na avaliação do docente, é que “lacunas históricas foram preenchidas, regiões isoladas se integraram ao crescimento nacional e, com a dedicação de milhares de professores e cientistas, o Brasil parecia caminhar a passos rápidos para um novo e sólido patamar de desenvolvimento científico e tecnológico. Pela primeira vez, a Educação estava em curso como prioridade para o desenvolvimento e o bem comum”.

“Aí, aconteceu o desastre”

Evolução do programa de núcleos de excelência (PRONEX), os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) vinham para promover a cooperação entre grupos de pesquisa em áreas de fronteira da ciência, garantindo condições para impulsionar setores de ponta, de forma a promover a competitividade internacional. “Projeto de longo prazo (seis anos), os INCTs previam a atração de talentos e a formação de jovens pesquisadores, garantindo, assim, condições materiais e estáveis para o ensino das ciências e a difusão do conhecimento para os setores produtivos e a sociedade”, explicou Cattani. 

Em 2014, mais de 350 projetos responderam ao edital e dois anos depois, em 2016, após serem avaliados por sumidades nacionais e internacionais, foram selecionados 250 grupos representativos do que existe de melhor no campo científico brasileiro. “Mas aí, aconteceu o desastre!”. Sem nenhuma comunicação oficial, segundo Cattani, “fica-se sabendo que apenas 100 projetos serão financiados” e que “os recursos serão liberados de forma discricionária, não atendendo aos termos do próprio edital”. Resultado: “anos de trabalho desperdiçados, equipes desmanteladas, pesquisas em curso inviabilizadas”. E por quê? “Tudo devido à PEC do teto dos gastos, que criou uma situação irreversível pelos próximos 20 anos.”

“A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto” - Darcy Ribeiro

Para explicar a crise da educação brasileira, Cattani citou Darcy Ribeiro, um dos maiores cientistas sociais do Brasil, ex-ministro da Educação de João Goulart e criador da Universidade de Brasília. Em 1977, participando de uma conferência intitulada "Sobre o óbvio", ele afirmou que "a crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Na avaliação de Cattani, esta é a chave para entender porque Michel Temer, “tão logo se apossou da Presidência da República, nomeou para o Ministro da Educação um político destacado por ocupar cargos como substituto e por líderes parlamentares muito distantes do campo educacional, e destruiu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, subordinando-o ao Ministério das Comunicações. E à testa do novo ministério, “indicou outro político, com um curriculum vitae que não pode ser colocado no Lattes (filiado ao extinto PL, depois ao PFL, hoje DEM, e atualmente no PSD), respondeu a diversos projetos por improbidade administrativa e financiamento ilegal de campanha, além de estar citado num dos processos da Lava Jato, que corre em segredo de justiça”.

Foi com “estes personagens”, que o governo “reduziu o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ao seu menor valor histórico, comprometendo as atividades de instituições estratégicas, como o Observatório Nacional, Centro Brasileiro de Pesquisas Científicas, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Laboratório Nacional de Computação Científico, entre outros”. E não há perspectiva de recuperação. “O orçamento de 2018 inviabilizará projetos de grande envergadura, como o Sirius (novo acelerador de partículas) e o Reator Multipropósito Brasileiro”. O RMB é um reator nuclear de pesquisa e produção de radioisótopos (elementos ativos dos radiofármacos), empregados como agentes no diagnóstico e no tratamento de câncer e de outras doenças, que hoje são importados. As aplicações se estendem à agricultura, indústria e meio ambiente.

"Em 18 meses, esse governo anulará o esforço de décadas, subordinando a economia e a ciência brasileiras aos interesses das grandes corporações internacionais. Sociedades científicas, reitores, cientistas e outras personalidades estão protestando, mas nada demove o governo na sua sanha destrutiva. As economias avançadas caminham para a quarta revolução tecnológica e industrial, que assegura novas oportunidades para os setores produtivos e mudanças profundas na qualidade de vida da população. O Brasil está em marcha acelerada para o século 19”, desabafou Cattani.

UFRGS é uma das cinco universidades que mais produzem conhecimento básico no País

“Amplas e profundamente interessantes” é como Lamb qualifica as atividades de pesquisa realizadas na UFRGS. Foi aqui, por exemplo, que se desenvolveram todas as variedades de aveia plantadas no Brasil, nos últimos 20 ou 25 anos, “com um enorme impacto no setor agrícola” (leia nesta edição). Na área de saúde, o Hospital de Clínicas tem um papel destacado em termos de ensino, pesquisa e assistência, que fazem dele o mais importante hospital do sul do País. O docente lamenta, contudo, que este tipo de informação não tenha a divulgação que merece. “A UFRGS é uma das cinco universidades que mais produzem conhecimento básico, mas precisamos ir além das publicações acadêmicas, para que este trabalho tenha o reconhecimento da sociedade.”

Você sabia?

Ao contrário do que ocorre em outros países, universidades e institutos tecnológicos são responsáveis por 90% das pesquisas realizadas no Brasil. No exterior, há significativas diferenças: empresas e corporações geram inovações, patentes e apoiam substancialmente a atividade de CT&I.

Contingenciamento inviabiliza projetos de grande envergadura, como o Sirius

O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) está construindo o Sirius, uma fonte de luz sincrotron de quarta geração, planejada para ser uma das mais avançadas do mundo. Ele tem a finalidade de abrir novas perspectivas de pesquisa em áreas como ciência dos materiais, nanotecnologia, biotecnologia, física, ciências ambientais e muitas outras. Depois de pronto, irá abrigar 40 estações experimentais, chamadas “linhas de luz”.
 
Por Daiani Cerezer