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Segunda-feira, 29 de maio de 2017

Economista Luiz Gonzaga Belluzzo

Hoje, está claro que a vitória eleitoral do programa de governo representado pela candidatura de Lula, em 2002, não significou que o projeto neoliberal, que vinha sendo implantado no Brasil desde Collor de Mello, tenha sido definitivamente derrotado. Há um ano, o impeachment de Dilma Roussef criou as condições para o reaparecimento de propostas que reduzem ao mínimo a presença do Estado na economia brasileira. A retomada das privatizações, o corte nos recursos para as áreas sociais e a precarização das relações de trabalho são alguns tópicos centrais do projeto neoliberal, que retornaram à agenda política do País. Economia em recessão, elevação das taxas de desemprego e queda do poder aquisitivo dos assalariados desenham o mesmo cenário que, na década de 90, apresentou o programa neoliberalizante como solução para os problemas brasileiros.
Interrompida em 2002, a experiência não contribuiu para a construção de um País mais justo ou economicamente estável. Ao contrário, o Brasil saiu dela com perfil internacional baixo, direitos sociais diminuídos, taxas de juros estratosféricas e a mais profunda e prolongada crise recessiva da história. Para analisar o cenário econômico nacional, a Revista Adverso entrevistou o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Gonzaga Belluzzo, durante o Seminário “100 anos da Revolução Russa”, realizado em Porto Alegre, em junho. Para ele, as medidas econômicas do Governo Temer estão condenadas ao fracasso, porque adotam o mesmo mecanismo neoliberal que não deu certo no passado.

Adverso - Podemos dizer que o Brasil vive uma retomada do projeto neoliberal, que estava adormecido desde 2002?
Luiz Belluzzo -
O projeto de redefinição da posição internacional do Brasil, de mudança dos critérios de política econômica e organização da estrutura econômica entre Estado e empresas, começou com o Plano Real, que foi um plano de estabilização. Ele veio acompanhado de uma série de programas, entre os quais, o mais importante foi o das privatizações, que desarticulou as formas que organizaram o crescimento da economia brasileira antes e depois do golpe militar. Depois desta redefinição, que aconteceu nos anos 90, com todos os princípios da competitividade garantida pela abertura comercial e financeira, o Brasil teve, sistematicamente, uma taxa de juros bem acima da taxa internacional. Os “idiotas” não sabem que o sistema monetário internacional é hierarquizado! Se você faz a abertura financeira, precisa arcar com o risco de ter que pagar um prêmio para o investidor estrangeiro. Aqui, nós fizemos essa abertura, mesmo que o Fundo Monetário (FMI) e o Banco de Compensações Internacionais critiquem a abertura da economia sem cuidados e recomendem medidas prudenciais para controlar o fluxo de capitais. Taxas de juros altas e câmbio valorizado já entraram no repertório. Por outro lado, a participação da indústria, que estava em 27%, hoje está em 9%. Esse é um dos aspectos que tem a ver com a nossa situação atual. Qual a resposta que está implícita no impeachment da Dilma? Nós precisamos voltar a praticar as políticas que prometiam nos tirar da crise, como foi em 94. Só que a situação mundial é outra, muito diferente. A economia americana está crescendo e tem uma taxa de desemprego de 4%. Só que 40% dos empregos novos são precários. Isso tem um efeito muito ruim sobre a demanda, porque os salários caem e não têm poder aquisitivo suficiente para consumir o que é produzido. Além disso, a indústria nos Estados Unidos representa em torno de 11% do PIB, porque a manufatura foi toda deslocada para a China. O fato é que a economia mundial está vivendo um período de grande estagnação. Nossa situação hoje é tentar mais do mesmo, esquecendo que o desempenho ruim da economia vem desde a crise da dívida externa, nos anos 80, que foi um divisor de águas. A economia entrou num processo de hiperinflação, baixa taxa de investimento e falta de crédito. Em resposta, nós adotamos um conjunto de políticas, que desorganizou e feriu gravemente o núcleo dinâmico da economia brasileira, o sistema de relações que existiu desde o tempo de Getúlio, passando JK e que não havia sido abandonado no período militar. Pode se fazer críticas ao projeto militar por outras razões, mas eles não adotaram o projeto neoliberal. Esse projeto foi aplicado, intensamente, após a eleição da Margareth Tatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. Ele compreende a livre movimentação de capitais e a abertura financeira. Aqui no Brasil, nós estamos tentando recuperar uma coisa que não deu certo. Não pelas razões que são discutidas superficialmente, pela chamada macroeconomia, mas sim porque não temos a estrutura para promover o crescimento. A visão que ainda predomina é a de “mais do mesmo”. 
Adverso - Como o senhor analisa a situação atual e quais, na sua avaliação, serão as consequências das reformas que estão em curso no Brasil?
Luiz Belluzzo -
Todas as reformas foram pensadas por um conjunto de valores e projetos que precisam criar “ilusões”. Eles acham que com elas vão resolver os problemas, mas os problemas da economia brasileira não são esses. Não temos polos dinâmicos da economia. A economia pode até crescer 1,5% a 2%, mas não há fonte de crescimento mais permanente.
Adverso - A implantação de um Estado Mínimo vem ocorrendo na prática e a toque de caixa. Caso este projeto se consolide (com Temer ou quem venha a substituí-lo em uma eleição indireta), qual será o próximo passo, após a retirada de direitos sociais e trabalhistas?
Luiz Belluzzo -
A implantação do Estado Mínimo foi iniciada com a crise da dívida externa. Essa última etapa é uma desconstrução da base legal ou institucional, que funcionou, nos países do Terceiro Mundo, até os anos 80, no período em que o capitalismo produziu uma estrutura industrial mais avançada. É curioso isso. A nossa crise dos anos 80 produziu uma reação regressiva, ao passo que a crise chinesa dos anos 90 produziu uma reação muito inteligente. Eles optaram por uma economia mista, que usava o mercado, mas mantinha o controle central sobre o crédito, sobre o custo e sobre os insumos básicos. Agora, ao contrário da China, que está crescendo com um sistema de proteção social mais avançado, nós estamos querendo destruir o que temos, achando que isso é uma coisa avançada. Não! Isso é uma coisa atrasadíssima. Nós estamos olhando para trás, em vez de olhar para frente. A transformação do mercado de trabalho produzido pela nova onda de inovação tecnológica, representada pela indústria da inteligência artificial, a indústria 4.0, vai exigir uma política social muito mais intensa para proteger os trabalhadores das precariedades do sistema que está sendo criado. Não pode existir menos proteção. É necessário mais proteção.

"Aqui no Brasil, nós estamos tentando recuperar uma coisa que não deu certo. Não pelas razões que são discutidas superficialmente, pela chamada macroeconomia, mas sim porque você não tem a estrutura para promover o crescimento. A visão que ainda predomina é a de “mais do mesmo".


Adverso - Paralelamente às reformas previdenciária e trabalhista (incluindo as terceirizações), o Governo Temer e seus aliados na Câmara e no Senado vêm aprovando uma série de medidas que têm ou terão forte impacto na vida dos brasileiros, sem qualquer debate com a sociedade. O Sr. poderia destacar aquelas que considera mais importantes e por quê?
Luiz Belluzzo
- É a combinação entre o teto de gastos, reforma Trabalhista e reforma da Previdência. Todas essas, juntas, exprimem o projeto que eles têm para o País, e que vai fracassar. Além de reduzir a possibilidade de recuperar a economia, o governo está enfraquecendo a capacidade aquisitiva da massa trabalhadora. Está se fazendo um movimento inverso daquele que o Lula fez, quando o Brasil registrou um crescimento enorme do número de trabalhadores com carteira assinada. Naquele momento, o País teve uma expansão do superávit na Previdência. Eles estão trabalhando com projeções que nascem de uma base muito ruim, que é a depressão em que o Brasil se encontra. Com a ameaça de mudar a previdência, houve uma corrida para a aposentadoria e uma queda simultânea no número de pessoas que estão desempregadas, sem condições de contribuir. O Governo está projetando isso para o futuro, o que é um erro. Você precisa corrigir os desequilíbrios que existem. A Previdência rural é um problema assistencial. É parecido com o Bolsa Família. Você tem que manter, porque sustenta muitos municípios que vivem da Previdência rural. Restringir este benefício é cortar outra fonte de expansão da economia.  

"(...) ao contrário da China, que possui moderno sistema de proteção social, nós estamos querendo destruir o que temos, achando que isso é uma coisa avançada. Não! Isso é uma coisa atrasadíssima. Nós estamos olhando para trás, em vez de olhar para frente."


Adverso - Os setores que deram sustentação política e econômica ao impeachment atribuem aos governos de Lula e Dilma a responsabilidade pela crise econômica que o Brasil atravessa. Porém, a alternativa que apresentam é um modelo que fracassou na década de 90, e que foi rejeitado nas urnas pela maioria dos brasileiros. Até que ponto retomar o programa neliberal foi o que efetivamente motivou o impeachment de Dilma?
Luiz Belluzzo -
Durante o governo Lula, o crescimento e os bons resultados obtidos permitiram que ele governasse com certa tranquilidade. Mas a verdade é a seguinte: esse bloco, que hoje está no poder, atrapalhado, nunca admitiu que um metalúrgico fosse presidente da República. Eles só toleraram naquele momento. Lula foi reeleito e depois elegeu a sucessora. Dilma tentou fazer correções no câmbio e nos juros. Como resultado, a economia começou a desacelerar fortemente. No período pós-eleição, ela chamou Joaquim Levi, que é um expressivo representante das políticas liberais, para o Ministério da Fazenda. Ele fez um ajuste fiscal completamente abstruso. Deu um choque de tarifas, acompanhado de um choque de juros e corte de investimento público, que já era baixo. Como resultado, a economia caiu. Dilma adotou a política que havia criticado nas urnas. Isso desgastou muito a sua imagem e facilitou o impeachment. Ela fez isso, mas foi eleita pelo voto popular, e as razões alegadas para o impeachment, são fragilíssimas. Eu fui ao Senado discutir isso e ninguém teve coragem de dizer que eu estava errado. Todo mundo colocou o rabo entre as pernas. A argumentação das pedaladas foi da pior qualidade. O que interessa a eles é avançar na política de ajustes, o que não vai dar certo. Estamos caindo numa história terrível. Os grupos que cresceram, ultimamente, são ligados ao agronegócio, enquanto os grupos industriais encolheram. É isso que estamos vendo ali na frente, que vai nos levar a um declínio lento se essa visão não for revertida. 

"Como você quer crescer sem um projeto nacional, sem a criação de grandes empresas nacionais, de articulação entre o setor privado e público?"


Adverso - O que é preciso fazer para retomar o crescimento diante do atual cenário do País?
Luiz Belluzzo –
Precisamos reconstituir todas as formas institucionais, que levaram o País a crescer. Não exatamente da mesma forma. Eles desmontaram todos os centros de inovação, que estavam dentro das empresas estatais, e privatizaram. O centro de pesquisa da Telebras e da Eletrobras, por exemplo. Agora, só falta desmontar o centro da Petrobras em nome da competitividade. Daí o Brasil não terá competitividade nenhuma. Não existe aumento da produtividade sem investimento. O investimento, aqui no Brasil, tem que ser coordenado de uma maneira adequada. Empresa privada também não inova sem investimento pesado do Governo. O ipad, por exemplo, nasceu do investimento pesado do Estado norte-americano em pesquisa e inovação. O Steve Jobs pegou o fim da coisa. A indústria está mudando de configuração. Está ficando cada vez mais automatizada, assim como os serviços e a agricultura. Como você quer crescer sem um projeto nacional, sem a criação de grandes empresas nacionais, de articulação entre o setor privado e público?

Perfil

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990).  Belluzzo é formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), pós-graduado em Desenvolvimento Econômico pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) e doutor em Economia pela Unicamp. Fundador da Facamp e conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é autor dos livros “Os Antecedentes da Tormenta”, “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX”, e coautor de “Depois da Queda, Luta Pela Sobrevivência da Moeda Nacional”, entre outros. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Em 2005, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato).

Entrevista e fotos: Araldo Neto