Notícia

Ampliar fonte

Segunda-feira, 20 de junho de 2016

Claudir Nespolo - Presidente da CUT/RS

Sob o pretexto de promover uma reestruturação fiscal “duradoura e sustentável”, e de dialogar com as demandas dos governos estaduais, o Projeto de Lei Complementar 257/2016 sinaliza para o mercado com medidas de contenção de custos, que vão do arrocho salarial dos servidores públicos à privatização de empresas estatais, implícita na possibilidade da União aceitar ativos pertencentes aos Estados (empresas públicas e participações acionárias majoritárias) para futura alienação. O alerta é feito pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT/RS), Claudir Nespolo.

Militante dos movimentos sociais desde 1977, Nespolo foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, diretor da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul e, desde 2012, ocupa a presidência da CUT/RS. Em entrevista à Adverso, ele destacou que a união da classe trabalhadora é “vital” para enfrentar a onda conservadora, que se alastra na sociedade e no Congresso Nacional, e disse que a agenda estratégica da CUT, hoje, é defender todos os trabalhadores do setor público e do setor privado. 

O primeiro passo, na avaliação de Nespolo, é sensibilizar as entidades sindicais para a necessidade de esclarecer aos trabalhadores o caráter destrutivo do PLC 257/16.  “Precisamos aprimorar a comunicação com a sociedade, porque a grande mídia não irá fazer isso.” Segundo Nespolo, uma das grandes expectativas da CUT é ter os professores da Ufrgs, Ufcspa e IFRS marchando junto com os demais trabalhadores nesta agenda de mobilização.

Adverso – Como a CUT recebeu a notícia do PLC 257/16 de autoria do Poder Executivo?

Claudir Nespolo – No mesmo dia (22 de março) em que este projeto foi protocolado, a CUT divulgou um manifesto fazendo uma crítica profunda ao ajuste fiscal, que, para nós, representa um grande ataque ao serviço público, na medida em que autoriza os estados, as prefeituras e a União a modificar, substancialmente, a forma de contratar e organizar o serviço público. 

Adverso – Quais foram as principais ações da CUT no sentido de questionar este projeto junto ao governo?

Claudir Nespolo – Nós fizemos um documento e passamos a articular ações conjuntas com as entidades ligadas ao serviço público. Fomos ativos na construção da Frente Parlamentar em Defesa dos Servidores Públicos, que inclui vários sindicatos e federações, além da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e do Sindicato dos Servidores Federais (Sindiserf). A ideia é intensificar o debate sobre o projeto e as ações em defesa dos servidores.  

Adverso – O Projeto chegou a tramitar em regime de urgência no plenário da Câmara dos Deputados. Há algum fato que justifique esta condição?

Claudir Nespolo – Na nossa avaliação, o governo Dilma sucumbiu às pressões e quis sinalizar para o mercado - que andava azedo e exigindo atitudes - que os estados e municípios continuariam pagando suas dívidas. Fez isso, alongando o prazo de parcelamento das dívidas, mas exigia, em troca, medidas de contenção de custos. E é aí que está o problema. Não temos nada contra alongar o prazo de pagamento, desde que sejam retiradas as condicionantes que formam a “caixinha de maldades” para o serviço público. Naquele momento, o governo acenou positivamente para o desmembramento do projeto, o que significava que as condicionantes não tramitariam mais em regime de urgência. Mas, no meio do caminho, o golpe que afastou a presidente Dilma Rousseff do cargo por 180 dias pôs fim ao diálogo, uma vez que, para o governo golpista, este é o projeto dos sonhos, e deve ser encaminhado urgentemente para votação. 

"Não temos nada contra alongar o prazo de pagamento, desde que sejam retiradas as condicionantes que formam a 'caixinha de maldades' para o serviço público."

Adverso – Antes do presidente interino assumir existia a possibilidade de reverter medidas que ferem os direitos dos servidores?

Claudir Nespolo – Sim, a sinalização era de que o projeto do alongamento de prazo para pagamento das dívidas seria encaminhado de forma urgente, mas as condicionantes seriam revisadas, a partir de um amplo debate. Mas, como já falei, isso foi interrompido por ocasião do golpe.

Adverso – Depois disso, a CUT procurou o governo interino?

Claudir Nespolo – A CUT não vai negociar com o governo Temer, porque ele não tem legitimidade, e a sua plataforma é de profundo ataque aos direitos dos servidores públicos e de toda a classe trabalhadora. Qualquer mesa de diálogo com este governo não tem como base a boa fé. Não há chances de se resolver conflitos com um governo ilegítimo, que propõe em seu programa Uma Ponte para o Futuro o enxugamento de serviços e de políticas públicas como soluções para a crise. Decidimos que o debate deverá ser travado dentro do Congresso Nacional. Nossa estratégia será pressionar os deputados e denunciar quem for a favor deste PLC. Para isso, estamos com uma força tarefa atuando permanentemente em Brasília, avaliando todas as medidas que o governo ilegítimo do Temer tem encaminhado. Neste pacote, entram os temas da Previdência (INSS), do negociado sobre o legislado (que é a tentativa neoliberal de eliminar a proteção das normas fundamentais trabalhistas), além do PLC 257 e de outros projetos. As ações da Comissão de Mobilização Permanente estão sob a coordenação da secretária de Relações de Trabalho da CUT, Graça Costa. Esta Frente foi instalada ainda no governo Dilma, e continua atuando junto às bancadas e fazendo a denúncia na base dos deputados que se posicionam contra os direitos dos trabalhadores.

"A CUT não vai negociar com o governo Temer, porque ele não tem legitimidade, e a sua plataforma é de profundo ataque aos direitos dos servidores públicos e de toda a classe trabalhadora."

Adverso – O senhor pode elencar os principais problemas do PLC 257 no que se refere aos direitos dos trabalhadores?

Claudir Nespolo – Este projeto é um guarda-chuva, que permite a terceirização dos serviços públicos em todos os níveis, inclusive na academia. Aumentando a terceirização, também aumenta a precarização das relações de trabalho. E o que é pior: desvincula o serviço público do servidor público, o que sugere uma descontinuidade, na medida em que, na troca de governos, não existirá garantia de estabilidade, de permanência dos servidores. O PLC 257 é maléfico, porque vai gerar um atraso civilizatório nas relações de trabalho e de eficiência do serviço público, prejudicando quem mais precisa: a população mais simples e humilde, que terá um serviço público de pior qualidade. Acreditamos que a presidente Dilma se equivocou, tentando mandar sinal para o mercado de que diminuiria o custo da máquina pública com este projeto. 

Adverso – E acabou caindo “como uma luva” para o governo Temer...

Claudir Nespolo – Sim, fechou bem certinho com o programa Uma Ponte para o Futuro, que defende a precarização e a transferência de parte destes serviços para a iniciativa privada, ampliando oportunidades de lucro para o setor privado.

Adverso – Os estados alegam que a dívida já foi paga várias vezes, mas que, devido à aplicação de juros sobre juros, estes débitos se multiplicaram. Qual a posição da CUT sobre este tema?

Claudir Nespolo – A dívida do Rio Grande do Sul com a União foi muito mal negociada. Na época em que o Antônio Britto era governador e o Fernando Henrique Cardoso era presidente da República foi criado um critério de pagamento com juro composto (juros sobre juros), que é o pior que existe. O resultado é que, depois de anos pagando, o montante devido continua praticamente igual ao que foi contratado... Foi um acordo muito irresponsável, que transformou as dívidas em um dreno da produtividade. Os recursos públicos vão para o “urgentismo”, um setor do capitalismo que não produz nada, e que apenas detém papéis do Tesouro, como os banqueiros e investidores. Por isso, o que propomos é uma auditoria de todas as dívidas, a federal e as estaduais, para verificar quanto deste valor cobrado é legítimo e quanto já foi pago, para depois corrigi-la de forma civilizada. Isso também demonstraria que não é preciso sacrificar a qualidade dos serviço público e seus trabalhadores.

"As instituições da Rede Federal trabalham hoje para atender os diferentes setores da economia, mas com o olhar focado na formação dos cidadãos do amanhã."

Adverso – Na tua opinião, os servidores têm consciência do que o PLC 257 significa e estão mobilizados para barrar sua aprovação no Congresso?

Claudir Nespolo – A CUT tem pedido, insistentemente, que os sindicatos informem às categorias o conteúdo dos projetos que estão tramitando no Congresso. Onde o debate acontece, já existe uma compreensão de que é preciso impedir que projetos como o PLC 257 sejam aprovados. O problema é que os reflexos na vida dos trabalhadores são tão graves, que alguns acham que isso não pode acontecer, que não é sério. O risco é ainda maior quando percebemos que a grande mídia não tem interesse em esclarecer a sociedade. No que se refere à terceirização, por exemplo, eles nunca esconderam que gostariam de contratar profissionais como prestadores de serviço, representados por pessoa jurídica, sem carteira assinada. Então, eles nunca divulgarão os riscos deste PLC. Compete à CUT e aos sindicatos mostrar os riscos que estamos correndo e mobilizar a sociedade para a luta. Somente com luta, teremos alguma chance de reverter o retrocesso que se avizinha. 

Adverso – Quais os principais riscos do PLC 257 para os professores universitários e demais servidores federais?

Nespolo – Para os docentes de universidades públicas há três ameaças eminentes: a não concessão de reajuste, ou seja, o congelamento salarial; a ampliação das terceirizações, por meio da contratação de prestadores, inclusive com foco na atividade fim, que é dar aula; e o acesso à Previdência, que está toda sob questionamento. Com o programa Ponte para o Futuro e os projetos que o Temer começa a encaminhar, os trabalhadores da iniciativa privada já vivem a ameaça de criação da idade mínima para aposentadoria, fim da política de valorização do salário mínimo e a desvinculação do salário mínimo das aposentadorias e instituição de um salário mínimo de referência para o INSS. Esta última medida atinge 70% dos trabalhadores aposentados, que recebem até um salário mínimo nacional. Portanto, o conjunto da obra mostra que este governo pretende passar para os trabalhadores o custo do ajuste fiscal e da crise econômica. E por que chegamos a esta conclusão? Porque, como mostram as últimas gravações vazadas, existe um grande movimento para barrar as investigações de sonegação e de corrupção. Tudo isso é muito grave! O atual governo não tem nenhuma intenção de permitir que a sonegação e a corrupção continuem sendo combatidas. Pelo contrário, tudo indica que ele quer reduzir a vigilância nessa área, porque boa parte dos golpistas está envolvida em algum tipo de corrupção.

"Onde o debate acontece, já existe uma compreensão de que é preciso impedir que projetos como o PLC 257 sejam aprovados. O problema é que os reflexos na vida dos trabalhadores são tão graves, que alguns acham que isso não pode acontecer, que não é sério."

Adverso – Dentro do “pacote” está, também, o Plano de Desligamento Voluntário (PDV), uma prática que nunca foi benéfica para os trabalhadores.

Claudir Nespolo – Além do PDV, está prevista a incorporação de empresas, que para a privatização, é um caminho típico do pensamento dos golpistas. Outro aspecto fundamental é a suspensão dos concursos e o congelamento de concursos já realizados, para que não sejam feitas novas contratações. É uma obra complicada, grande, e o ataque é tão sério que tem muita gente achando que não pode acontecer. O que está em curso, no Brasil, é uma revisão do pacto constitucional de 1988. Os golpistas não escondem que acham que “há muitos direitos” na Constituição e, hoje, eles têm votos suficientes para levar a cabo o seu projeto... 

Adverso – De que forma a privatização dos serviços pode prejudicar a sociedade? 

Claudir Nespolo – Principalmente, porque cria um terreno fértil para a corrupção. Veja o que aconteceu com o Detran, aqui no Estado, só para dar um exemplo. Mas, no geral, é uma agenda muito ruim, que envolve muitos interesses, com tendência deste “descomprometimento” do Estado chegar, inclusive, nas universidades. Ninguém está livre deste ataque.


Foto: Sul21
Texto: Adriana Lampert
ADverso/Edição 220 - Maio/Junho - 2016