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Terça-feira, 19 de junho de 2018

Ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, o geólogo Guilherme Estrella participou de um ato em defesa da soberania e do patrimônio nacional.

Ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, o geólogo Guilherme Estrella participou de um ato em defesa da soberania e do patrimônio nacional, em dezembro de 2017, em Porto Alegre. O evento foi promovido pela ADUFRGS-Sindical e outras entidades gaúchas.

Estrella ingressou na Petrobras em 1960, ocupou o cargo de superintendente geral e foi gerente de exploração no Iraque, onde participou da descoberta de gigantescos campos de petróleo. Aposentado, mas sempre ativista na defesa do petróleo brasileiro, foi chamado pelo então presidente Lula para assumir a diretoria de exploração e produção da companhia, posto que ocupou por nove anos.

 

Guilherme Estrella

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

PORTAL ADVERSO - O que representou a descoberta do pré-sal para a Petrobras e para o Brasil?

Guilherme Estrella - Na origem da Petrobras está a maior missão da empresa, que é tornar o Brasil autossuficiente em petróleo. Naquela época, assim como hoje, o petróleo era considerado o principal insumo energético para qualquer país. Junto com as energias alternativas, os combustíveis fósseis serão os recursos mais importantes da humanidade ao longo de todo o século XXI.

Dos 7,3 bilhões de habitantes do planeta, mais de um terço não consome energia... são os miseráveis, os subnutridos. O Brasil é a nona economia do mundo e ocupamos apenas o 72º lugar em consumo de energia per capita. Isso reflete o enorme abismo social entre ricos e pobres em nosso País.

A carência energética sempre segurou o desenvolvimento do Brasil. A primeira revolução industrial, ocorrida na Inglaterra, no final do século XVIII, foi impulsionada pelo carvão. No final do século XIX e parte do século XX, na segunda revolução industrial, com o petróleo, os EUA se transformam numa potência hegemônica mundial, científica, tecnológica, industrial, política e militar. Enquanto isso, no Brasil, não havia nem carvão, nem petróleo. Energia era a roda d’água, a tração animal, a lenha e o braço escravo. A eletricidade veio no final do século XIX e no século XX. A nossa primeira escola de engenharia foi criada no final do século XIX, quando, na Europa, já existiam dezenas delas.

"no Brasil, não havia nem carvão, nem petróleo. Energia era a roda d’água, a tração animal, a lenha e o braço escravo. A eletricidade veio no final do século XIX e no século XX. A nossa primeira escola de engenharia foi criada no final do século XIX, quando, na Europa, já existiam dezenas delas."

Quando chega a eletricidade, com o nosso potencial hidrelétrico, introduzimos a hidroeletricidade no País, mas éramos totalmente dependentes do exterior: projetos, equipamentos, engenheiros, tudo era estrangeiro. A industrialização brasileira começou super atrasada, importando tecnologias obsoletas, mas que representaram um salto para o País. Mesmo assim, a insuficiência energética era um “calcanhar de Aquiles”. Entre 2001 e 2002, houve um enorme “apagão” no Brasil, mostrando que precisávamos de uma matriz energética muito bem equilibrada e com oferta abundante, que desse sustentação e segurança energética por décadas.

Em 2006, quando estava na direção da Petrobras, atingimos a autossuficiência com a Bacia de Campos, mas perdemos em seguida. Então, a Petrobras intensificou os esforços para garantir, novamente, a autossuficiência. Fizemos um esforço que reflete décadas de treinamento de pessoal, desenvolvimento geocientífico e tecnológico, e acabamos descobrindo o pré-sal. O pré-sal veio para resolver a questão da energia no Brasil.

"Fizemos um esforço que reflete décadas de treinamento de pessoal, desenvolvimento geocientífico e tecnológico, e acabamos descobrindo o pré-sal. O pré-sal veio para resolver a questão da energia no Brasil."

PORTAL ADVERSO - O que aconteceu com o Brasil após a descoberta do pré-sal?

Estrella - Nós temos, em termos de combustíveis líquidos e gás, energia abundante para todo o século XXI. O Brasil consome 2,5 milhões de barris por dia... é ridículo! Só a China importa 6,5 milhões de barris e, nos EUA, o consumo diário é de 20 milhões de barris. Para alcançarmos um nível de vida da população minimamente aceitável, nosso consumo deveria ser de 5 milhões de barris. O pré-sal veio oferecendo isso. Junto com as outras riquezas brasileiras, ele certamente nos coloca entre os dois ou três países mais ricos do mundo. O pré-sal é o tijolo, o alicerce que faltava para realizarmos um projeto nacional de desenvolvimento científico, tecnológico e social, para enfrentarmos a questão da desigualdade social no Brasil.

"O pré-sal é o tijolo, o alicerce que faltava para realizarmos um projeto nacional de desenvolvimento científico, tecnológico e social, para enfrentarmos a questão da desigualdade social no Brasil."

A descoberta do pré-sal em um país com a expressão do Brasil, com riquezas naturais estratégicas e energia suficiente para atender as nossas necessidades energéticas mais avançadas, com um governo que havia sido eleito e reeleito pelo povo, que apoiava os centros de pesquisa e executava um programa amplo de desenvolvimento científico e tecnológico, isso tudo se tornou uma ameaça.

E cabe aqui uma observação muito importante: com uma atuação internacional, participando da criação de um bloco pesadíssimo com a Rússia e a China, o Brasil já estava atuando no sentido de criar, novamente, uma alternativa geopolítica mundial, para deixarmos de ser um planeta preso a um único interesse, ultracapitalista e explorador. Isso incomodou e, como sabemos, o golpe de 2016 teve antecedentes externos, que levaram à construção de uma base política midiática-financeira interna para acabar com esse projeto.

PORTAL ADVERSO - Qual é a relação do impeachment com os interesses externos e o sistema de partilha do pré-sal?

Estrella - É o interesse externo em energia, já que o petróleo ainda é o principal insumo energético da humanidade. Em 2003, o Iraque foi invadido por causa de um campo que a Petrobras havia descoberto lá. O governo iraquiano negociou com a Petrobras e com o governo brasileiro, e se reapropriou do campo, que era considerado uma reserva estratégica iraquiana. Imagina um campo com 50 bilhões de barris! O que aconteceu? O Iraque foi invadido. Inventaram aquele negócio de arma de destruição em massa, que é mentira... Em 2013, o Iraque foi invadido e a primeira coisa que o exército da coalizão, a OTAN e outros países fizeram foi tomar posse do campo de Majnoon e entregá-lo a um grupo de empresas estrangeiras, americanas e asiáticas. Energia é crucial para a manutenção do atual esquema de poder geopolítico mundial.

Descoberto o pré-sal, estávamos sujeitos a um regime de concessão para exploração e produção. O regime de concessão dava a propriedade do petróleo descoberto à empresa que o descobrisse, porque a atividade exploratória tem muito risco. Furávamos 10 poços para achar um com petróleo. Então, para atrair o investidor, você tinha que compensá-lo. E a compensação era: o que você descobrir é seu. Furamos o primeiro poço de pré-sal, e achamos petróleo. Furamos o segundo, e achamos. Furamos o terceiro, e achamos de novo. O que aconteceu? O risco exploratório acabou. Aquele que era de um para dez, agora é de um para um. Isso, por si só, já desmonta a racionalidade do modelo de concessão. No regime de partilha, o Estado é dono do petróleo produzido e ressarce a empresa operadora, pagando os seus dispêndios operacionais com uma margem de lucro, claro.

Quem ganha a licitação para um regime de partilha é aquele consórcio que oferece a menor margem de remuneração. Estou simplificando, mas, seguindo regras, normas econômicas e técnicas, é uma coisa complexa. O nosso regime teve uma característica especial, porque, primeiro, o pré-sal foi descoberto pela Petrobras e, segundo, a Petrobras possui a maior competência tecnológica do mundo para descobrir, operar e produzir campos em águas profundas, que é o caso do pré-sal. Então, não existe nenhuma razão para entregar a operação a uma empresa estrangeira. Inclusive, eles não teriam a mesma competência que nós temos. E, muito importante, sob o ponto de vista da segurança operacional, a Petrobras ainda está explorando o pré-sal e não vemos nenhuma notícia sobre vazamento de petróleo. A operação da Petrobras é absolutamente segura e econômica, o custo de produção é cada vez menor, mostrando que, do ponto de vista técnico e financeiro, não há razão para ter uma empresa estrangeira como operadora. A Petrobras é a operadora. E qual é a vantagem disso? O desenvolvimento nacional, porque é o operador que decide sobre os projetos geocientíficos, projetos de engenharia, equipamentos... A empresa brasileira, fornecedora de equipamentos, e a universidade brasileira, com os seus centros de pesquisa. Efetivamente, isso se realizou. A Petrobras alargou a sua interação e sua parceria com a universidade brasileira de uma forma gigantesca em todo o Brasil. Isso era a base para nós termos um projeto de país conduzido democraticamente, num Estado Democrático de Direito, discutido e conduzido pela sociedade, para aproveitarmos o século XXI inteiro a nosso favor.

"A Petrobras alargou a sua interação e sua parceria com a universidade brasileira de uma forma gigantesca em todo o Brasil. Isso era a base para nós termos um projeto de país conduzido democraticamente, num Estado Democrático de Direito, discutido e conduzido pela sociedade, para aproveitarmos o século XXI inteiro a nosso favor."

Em abril de 2016, com o golpe de Estado, a primeira coisa que eles começaram a discutir foi a anulação do novo marco regulatório do pré-sal. O projeto era do (José) Serra, anterior às eleições. Em um e-mail, que foi interceptado e vasou, o representante de uma empresa de petróleo estrangeira, no Brasil, dizia para alguém nos EUA, que estava tranquilo, porque o candidato Serra, ganhando as eleições, resolveria o problema. E foi isso que aconteceu. A primeira coisa que eles fizeram foi tirar a Petrobras como operadora única. A segunda coisa foi conceder à Petrobras um “direito” que não poderia ter sido concedido: de dizer se quer ou não ser operadora, porque, a operação única estipulada pela lei era uma política de Estado e não da empresa, porque dentro da empresa existem interesses privados, que podem ser contrários aos interesses do Estado brasileiro.

E eles não se contentaram com isso. Por trás do marco regulatório, havia um conteúdo nacional, fundamental... Quando não há mais risco exploratório, é possível planejar a produção da área, porque ali não vai ter um poço seco. A produção em escala industrial é muito importante, porque nos permite planejar o crescimento, o desenvolvimento de novas tecnologias nas escolas de engenharia, nas escolas de gestão, em tudo. Era uma oferta em escala, sem risco. Era uma riqueza absolutamente fundamental, que poderia preparar um projeto de país de longo prazo.

Certamente, os interesses industriais externos ficaram alertas, porque iriam perder mercado, caso nós começássemos a produzir nossos equipamentos aqui. E perderiam mercado grande, porque quando começássemos a crescer de verdade, iríamos precisar de muita energia, muito tudo. Essa oportunidade balançou e convenceu todo um poder não-brasileiro de, afinal, intervir, mudar o governo e, mais trágico do que isso, tirar o Estado brasileiro da gestão de uma riqueza tão gigantesca. Acabam desfigurando os objetivos centrais do desenvolvimento do País e, associado a isso, chegam à conclusão de que isso não basta: é preciso transformar o Brasil num País produtor de bens primários, com mão de obra barata.

O golpe não foi apenas de apropriação e da gestão das nossas riquezas para a sustentação da hegemonia geopolítica dos países ocidentais. Não foi só isso! Foi, também, contra o povo brasileiro. Visitei, várias vezes, os estaleiros na Coréia, na China, na Indonésia e no Golfo Pérsico, e o tratamento do empregado lá é semiescravo. Nos estaleiros brasileiros, o trabalhador tinha como garantia a Consolidação das Leis de Trabalho, um negócio civilizado, que acabou. E, agora, vemos uma coisa incrível que são as nossas universidades serem invadidas pela polícia. O que está acontecendo no Brasil é puro terrorismo de Estado. Acabou o Estado Democrático de Direito. O cidadão não é mais protegido pela Justiça, é o contrário.

PORTAL ADVERSO - Qual é o futuro das universidades públicas?

Estrella - O fundamento ideológico do modelo que está sendo implantado no Brasil é do ultracapitalismo, levado ao extremo de tirar do Estado toda a responsabilidade social. Não sei se isso é válido para uma sociedade super evoluída, mas, não é para o Brasil, que tem uma gigantesca dívida social com seu povo. O Estado tem obrigações sim, e isso foi um ponto que constou na Constituição mesmo na época da ditadura militar. Então, quando se congela gastos do governo federal durante 20 anos, está se condenando o futuro do País pelo século inteiro. Mas isso não bastou. Eles também tiraram a independência e a autonomia das universidades brasileiras. As manifestações são das mais tenebrosas, como um ministro de governo dizer que o ensino público no Brasil não se sustenta. A universidade brasileira não se sustenta. Ele transforma a gestão de Estado de um país gigantesco, com nossos gigantescos problemas de desigualdades, em um negócio, como se fosse uma padaria, com todo o respeito aos padeiros. Essa visão também é aplicada à Petrobras. Nós estamos com nossos campos terrestres praticamente parados. O petróleo custa 70 dólares o barril em um campo no Rio Grande do Norte e a decisão é não produzir nesse campo. É melhor importar o petróleo, eles dizem. Veja que visão primitiva para o Brasil e para a Petrobras! É o contrário: melhor é produzir petróleo a 70 dólares o barril, no Brasil, do que importar a 60 dólares, porque aqui você tem a responsabilidade social, gira a economia, gera impostos. Outra coisa importante: com a ascensão da qualidade de vida de bilhões de seres humanos, o consumo de energia vai aumentar. Estudos dos organismos internacionais dizem que, até metade do século, vamos ter 50% a mais de demanda de energia. Então, é realmente submeter ao mercado financeiro decisões políticas de inclusão e desenvolvimento social, como se fosse uma questão de dar lucro ou não dar lucro. Não é esse o caso. A atividade tem que ser sustentada, claro, mas não na lógica do lucro pelo lucro. O melhor negócio do mundo é ser dono de um poço do pré-sal.

"O fundamento ideológico do modelo que está sendo implantado no Brasil é do ultracapitalismo, levado ao extremo de tirar do Estado toda a responsabilidade social. Não sei se isso é válido para uma sociedade super evoluída, mas, não é para o Brasil, que tem uma gigantesca dívida social com seu povo."

"O melhor negócio do mundo é ser dono de um poço do pré-sal."

PORTAL ADVERSO - Por que esta lógica pode comprometer a soberania nacional?

Estrella - Porque os interesses brasileiros geopolíticos, financeiros, científicos, tecnológicos, não interessam ao grande setor industrial militar ocidental. A eles não interessa um Brasil independente e soberano.

PORTAL ADVERSO - Como tem se dado o processo de privatização da Petrobras?

Estrella - A privatização da Petrobras estava no projeto do Fernando Henrique Cardoso. Não tiveram peito de privatizar, porque é um processo difícil e havia uma grande presença da empresa na consciência do povo. Após o golpe de 2016, o projeto de privatização foi retomado. O que se faz? Primeiro, você esquarteja o sistema e, depois, o desvaloriza. Ele começa a dar prejuízo e você maximiza a dívida, deixa a companhia endividada e ela passa a não valer nada na cabeça das pessoas. Isso enfraquece o sistema, derruba cada elo do sistema. Aí entra a Lava Jato numa campanha midiática gigantesca, com uma propaganda que vendia a ideia, por mais absurda que seja, de descrédito, depreciação e destruição da reputação da empresa junto à sociedade brasileira. Uma sociedade menos esclarecida, bombardeada durante anos, acaba olhando com desconfiança para a manutenção da empresa nas mãos do Estado. Muitas pessoas foram convencidas de que, com o Estado, não deu certo. A ideia de que um bando de ladrões se juntou e roubou a Petrobras foi incutida na cabeça das pessoas, mas não é isso! As pessoas que roubaram não representam a Petrobras de maneira nenhuma. Não representam quem trabalha na empresa.

PORTAL ADVERSO - Como a Operação Lava Jato interferiu na Petrobras?

Estrella - Ninguém está sendo contra a prisão de corrupto, de maneira nenhuma, mas não podemos confundir uma minoria de corruptos com os empregados da empresa. Os corruptos devem ser presos, sem acabar com a empresa. O combate à corrupção tem sido usado como uma ferramenta de desmoralização da companhia junto à população, e tem como objetivo final a privatização.

"O combate à corrupção tem sido usado como uma ferramenta de desmoralização da companhia junto à população, e tem como objetivo final a privatização."

PORTAL ADVERSO - O que o senhor diria aos professores num momento tão delicado da história do País?

Estrella - Estamos passando por um péssimo período e o mais importante é a conscientização. Tenho tido inúmeros encontros com estudantes universitários nas escolas do Rio de Janeiro e percebo que existe uma censura aos professores em discutir o Brasil com seus alunos. Então, não é fácil, mas é com a juventude, dentro ou fora da sala de aula, que precisamos discutir o Brasil. Há uma expectativa muito grande dos estudantes e eles estão atônitos com tudo que está acontecendo. O Brasil é uma ameaça para o mundo. Os estrangeiros conhecem muito mais o Brasil do que nós mesmos e, por isso, nos impuseram um golpe. Eles conhecem nosso potencial criativo, nosso gosto pelo trabalho, somos um povo generoso. Precisamos acreditar muito mais em nós.

"Os estrangeiros conhecem muito mais o Brasil do que nós mesmos e, por isso, nos impuseram um golpe. Eles conhecem nosso potencial criativo, nosso gosto pelo trabalho, somos um povo generoso. Precisamos acreditar muito mais em nós."

Por Daiani Cerezer