Espaço será referência contra assédio, perseguição ou censura
Texto e fotos: Manoela Frade
Logo após a eleição para presidente ser definida no Brasil, a deputada eleita em Santa Catarina pelo PSL, Ana Carolina Campagnolo, anunciou em sua página do facebook um canal de denúncias contra professores. A deputada pedia a estudantes que utilizassem gravadores ou câmeras para registrar o comportamento dos professores e denunciassem "todas as manifestações político-partidárias ou ideológicas que humilhem ou ofendam sua liberdade de crença e consciência".
A Justiça já determinou a retirada do conteúdo da internet e aplicou multa à deputada, mas a polêmica, longe de ser um fato isolado, abriu espaço para todo tipo de intimidação aos professores, o que fere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Constituição Federal. "Todos os dias recebemos um novo relato", conta Russel Dutra da Rosa, uma das organizadoras da Frente Gaúcha Educação Democrática, criada em agosto de 2016, como Escola Sem Mordaça no contexto do impeachment, para defender a democracia e resistir à proposição de projetos de censura à educação, e que agora se articula para defender os direitos de professores e alunos.
Na tarde desta segunda-feira, 5, a frente se reuniu em Porto Alegre para definir estratégias diante do cenário sombrio que se apresenta para a Educação após a vitória de Jair Bolsonaro. Mesmo antes de vencer, o capitão já pregava contra o estudo das desigualdades e da diversidade de gênero e de orientação sexual, alegando a "sexualização" precoce das crianças nas escolas, utilizando o fake kit gay como exemplo, e contra a "doutrinação esquerdista", atacando inclusive Paulo Freire, o patrono da educação brasileira.
Acolhimento
Pensando na proteção de professores e alunos, em particular, e de toda a comunidade educacional, no geral, a frente criou uma rede de acolhimento e defensoria jurídica. "As pessoas que nos procuram chegam muito afetadas pela violência. A ideia é que elas se sintam acolhidas, não se sintam sozinhas", explica Russel.
"A rede será composta pelas assessorias jurídicas de sindicatos e entidades que têm experiência na defesa dos direitos humanos, dos professores, e aderência com alunos, como é o caso da ADUFRGS, que representa os docentes das instituições federais de ensino superior", declarou o presidente da ADUFRGS-Sindical, Paulo Machado Mors. A assessoria jurídica do sindicato vai compor a rede juntamente às assessorias do Cpers, Sinpro e outras entidades.
Para Russel, a rede será um espaço de escuta, mas que fará os encaminhamentos jurídicos necessários. Os defensores irão atuar em rede trocando experiências e informações para construir peças jurídicas conjuntas que podem ter maior força diante da Justiça. "São demandas novas, do ponto de vista jurídico e trabalhista, que os sindicatos dos professores e também os juízes passam a enfrentar. Serão demandas relativas à proteção dos direitos humanos, da liberdade de expressão, da liberdade de ensinar, do direito de aprender e do próprio direito à educação".
A rede quer ser uma referência para professores que sofrerem assédio, perseguição ou censura no seu trabalho pedagógico e estudantes que sejam censurados em suas manifestações em ambientes educacionais.
Liberdade de Expressão
No dia seguinte à eleição, estudantes de pelo menos três escolas de Porto Alegre se vestiram de preto como sinal de resistência ao presidente eleito. No Marista Rosário, alunos deram as mãos e formaram um círculo no pátio. A instituição chegou a divulgar uma nota se declarando apartidária, mas salientando a importância de espaços de diálogo. A manifestação espontânea dos estudantes foi condenada por grupos a favor do projeto Escola sem Partido. A comissão especial que analisa o projeto (PL 7180/14) volta a se reunir na próxima quarta-feira, 7, em Brasília, para discutir o substitutivo do relator, deputado Flavinho (PSC/SP).
Foto: reprodução do twitter
O novo texto diz que a lei disciplina o equilíbrio entre a liberdade de ensinar e de aprender e sugere algumas mudanças em relação ao parecer anterior, como a inclusão de artigo determinando que o Poder Público não se intrometerá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero.
Confira a íntegra do novo parecer
O texto mantém uma série de proibições para os professores das escolas públicas e privadas da educação básica, como promover opiniões, concepções, preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. Além disso, proíbe a “ideologia de gênero”, o termo “gênero” ou “orientação sexual”.
Em Porto Alegre, os parlamentares favoráveis ao PL também se movimentam. Nesta terça-feira, 6, a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (CEDECONDH) e a Comissão de Educação da Câmara de Vereadores chamaram uma reunião conjunta para tratar das manifestações "político-partidárias" dos estudantes nas escolas particulares de Porto Alegre.