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Sexta-feira, 07 de dezembro de 2018

“UniDiversidade” debate pontos de vista diversos sobre temas atuais, com o objetivo de promover a reflexão, a construção e o aprofundamento de conhecimentos

Texto e fotos: Daiani Cerezer

“A universidade é um lugar de aprendizado, conhecimento, ciência e também de construir o futuro. E quanto mais ideias diferentes, mais o conhecimento avança e a gente aprende. Sabe aquela ideia de que várias cabeças pensam melhor do que uma? Pois várias cabeças diferentes pensam ainda melhor.” Desta forma, a reitora da UFCSPA, Lucia Pellanda, fala da parceria da universidade com o projeto “#ElasPorElas”, da ONU Mulheres. A proposta do UniDiversidade, que vem realizando diversas ações na UFCSPA, é a primeira iniciativa “de um grande projeto da universidade em prol da inclusão, da valorização da diversidade e contra todos os tipos de preconceito”, segundo matéria publicada no Blog da Reitoria.

 “Furando Bolhas” é uma das ações promovidas pela campanha. O objetivo é promover a reflexão, a construção e o aprofundamento de conhecimentos, a partir de pontos de vista diversos sobre temas atuais, como a liberdade de cátedra, que foi tema de um debate realizado no início do mês. A atividade teve a participação da reitora Lucia Pellanda, do procurador Regional dos Direitos do Cidadão/RS, Enrico Rodrigues de Freitas, do desembargador do Tribunal Regional Federal, Roger Raupp Rios, da professora de Política e Administração da Educação da UFRGS, Maria Beatriz Moreira Luce, e da professora Russel Teresinha Dutra da Rosa, da FACED, com mediação do professor Paulo Leivas.

Discordando, avançamos

A reitora da UFCSPA, Lucia Pellanda, reforçou o papel histórico da universidade como um espaço de questionamento da realidade. Lembrando a Reforma de Córdoba, que está completando 100 anos, ela disse que discordar “faz parte do nosso DNA”, porque “é assim que a Ciência avança”. Quem fala em doutrinação, “não entende como a universidade funciona”, pois acreditar nisso “seria subestimar muito nossos professores e nossos alunos”. Para a reitora, a missão da universidade é fazer “florescer essa pluralidade de ideias”.

Delírio de natureza autoritária

O procurador Regional dos Direitos do Cidadão/RS, Enrico Rodrigues de Freitas, observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem reafirmando, claramente, a liberdade de cátedra e a autonomia universitária, como princípios fundamentais da Constituição. “Quando a gente pensa nessas denominações - ‘Escola Sem Partido’ e ‘Escola Livre’ -, elas são muito interessantes do ponto de vista de imagem, porque a primeira ideia é que ninguém quer uma escola dominada por um partido, obviamente. Mas esse termo esconde uma realidade, que é o significado de ‘partido’: partes. Nós temos uma sociedade única e igual? Não. Temos diversidade cultural, racial e ideológica? Temos. Então, uma escola que defende os princípios do pluralismo tem que aceitar as partes, os segmentos, os partidos, a pluralidade.” Freitas também observa que o projeto Escola Sem Partido trabalha, no imaginário, com uma ideia de oposição. Na prática, porém, “não se trata de ter uma escola sem partido em oposição a uma escola com partido” e sim de oposição “a escola com liberdade de cátedra, com autonomia universitária”.

Freitas destacou as ações dos órgãos oficiais do Ministério Público, como a Procuradoria Geral da República, no sentido de mostrar que não há uma doutrinação. “Uma pessoa tem aulas com vários professores durante a sua vida acadêmica, desde o jardim até a universidade. Então, a ideia de que haveria uma doutrinação orquestrada é um delírio de natureza autoritária, que opõe o termo publicitário ‘Escola Sem Partido’ à garantia da liberdade de cátedra, a essência de uma escola que visa à consagração dos princípios constitucionais”, explica o procurador.

Liberdade de cátedra x obscurantismo

O desembargador federal Roger Raupp Rios falou sobre as dimensões objetiva e subjetiva da liberdade de cátedra, que é, na opinião dele, “uma garantia institucional contra o obscurantismo, contra a pretensão de alguém que se apresente como dono da verdade e que censure outros pontos de vista. É o que permite às instituições de ensino atuar contra a ignorância resultante de uma postura que se recusa a questionar qual é a melhor resposta diante de uma realidade sobre a qual ninguém tem a verdade absoluta”. A liberdade de cátedra diz respeito a conteúdos que, segundo o magistrado, podem ser divididos em dois campos. O primeiro, diz respeito aos valores básicos da sociedade democrática, “como a dignidade humana e o pluralismo”, que, obrigatoriamente, devem estar presentes “na busca de respostas a perguntas sistemáticas, que caracterizam a ciência moderna”. No outro lado, Rios relaciona os conteúdos contraconstitucionais, contrademocráticos, que são vedados constitucionalmente, como as práticas de racismo e de tortura.

Já, do ponto de vista subjetivo, a liberdade de cátedra significa a garantia de meios para o desempenho profissional, ou seja, “um ambiente, no mínimo, livre de coerção, de constrangimento e de perseguição”, com as condições para a realização do trabalho e “a exposição dos diversos pontos de vista no debate acadêmico, inclusive aqueles que possam, eventualmente, desagradar a instituição”.

 

“Democracia nos custou muito para ser reconstruída”

A professora titular de Política e Administração da Faculdade de Educação da UFRGS, Maria Beatriz Moreira Luce, afirmou que o movimento de cerceamento da liberdade acadêmica, do direito a opinar, é um fenômeno extremamente preocupante, que já está se instalando, e não apenas nas escolas. “Incrivelmente, já se percebe os seus efeitos! Muitos professores e técnicos da universidade estão se escondendo de um debate mais franco, perdendo o apetite pelo debate acadêmico, e isso, em minha opinião, é trágico para a universidade.”

Destacando que “a democracia nos custou muito para ser reconstruída”, Luce relembrou o início de sua atividade como professora, no início dos anos 70. “Eram tempos de cerceamento, de desconfiança e de livros proibidos. Concluí o curso de Pedagogia, na UFRGS, sem conhecer Paulo Freire. A primeira vez que li a obra ‘Pedagogia do Oprimido’ foi em inglês, como leitura obrigatória, durante o meu mestrado nos Estados Unidos. Incrível! E isso era 1973!”.

Avaliando o cenário atual, Luce criticou a visão mercantilista da educação e o descuido com a formação de professores, que, segundo ela, ainda são reflexos da reforma universitária de 1968. “Os pratos da balança se desequilibraram”, afirmou. “Nós éramos uma universidade de ensino e aí, com a valorização da pesquisa, passamos a dar extrema atenção à produtividade acadêmica.” Uma mudança de visão que, segundo Luce, “descuidou da formação em pedagogia universitária e da nossa identidade como intelectuais que prezam a liberdade acadêmica”. Há décadas, salientou, o tema da universidade acadêmica não era motivo de debate, mas hoje, a realidade aponta para a necessidade de se “promover releituras históricas sobre o princípio da ética universitária e da ética democrática, que são princípios constitucionais e que devem ser valorizados, assim como a autonomia da universidade, porque uma coisa anda junto com a outra”.

 

Manual contra a censura

Russel Teresinha Dutra da Rosa, professora do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da UFRGS, apresentou o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, lançado por mais de 60 entidades e organizações que atuam na área da educação. A publicação oferece estratégias pedagógicas e jurídicas para professores e instituições em casos de perseguições, intimidações e ataques relacionados ao “Escola Sem Partido”.

Com base em 11 casos de cerceamento das liberdades docentes, o Manual apresenta formas de enfrentamento no campo político e jurídico, e reforça o pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade da lei estadual 7.800/2016, que implanta o Escola Sem Partido no estado de Alagoas.

Acesse aqui o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas.

 

 

“A universidade é feita de pensamentos plurais e esses pensamentos devem ser cada vez mais respeitados”

O tesoureiro e diretor de Assuntos Jurídicos da ADUFRGS-Sindical, Pedro Alves d’Azevedo, destacou a importância deste debate nos dias atuais. Para ele, “está cada vez mais difícil de dividir o entendimento de conceitos de cátedra e de doutrinação. Se não houver um diálogo e parâmetros, os conceitos ficam muitos enraizados na própria palavra, enquanto devemos entender essas palavras como um todo. A universidade é feita de pensamentos plurais e esses pensamentos devem ser cada vez mais respeitados”, defendeu.

Mais sobre o tema

Livro: “Educação democrática: antídoto ao Escola sem partido”

Organizadores: professores Fernando Penna, Felipe Queiroz e Gaudêncio Frigotto.

Conteúdo: coletânea de textos que confrontam os deveres e obrigações de uma escola, como previsto na Constituição de 1988. Os autores transitam por diversas áreas do conhecimento, como pedagogia, história, direito, filosofia e sociologia, demonstrando as consequências da implementação do projeto Escola Sem Partido. A obra considera a educação pública, laica e universal como o real antídoto democrático diante da possibilidade de censura ou limitação do papel do professor.

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