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Segunda-feira, 18 de março de 2019

Evento organizado pela ADUFRGS-Sindical debateu o papel feminino na sociedade e na ciência

Quem compareceu à mesa-redonda pelo Dia Internacional da Mulher realizada pela ADUFRGS-Sindical na última semana, saiu com a certeza de que, se depender das três professoras convidadas para falar no evento, o aumento da presença feminina na ciência e seu reconhecimento é uma tendência irreversível.

As três pesquisadoras, Claudia Bica (UFSCPA), Daniela Pavani (UFRGS) e Flavia Twardowski (IFRS Osório), expoentes em suas áreas, falaram sobre suas vidas particulares para ilustrar como as mulheres enfrentam obstáculos diferentes dos homens para chegar no topo de uma carreira. Rótulos sociais como o cuidado da família, dos filhos e da gestão da casa, e lacunas materiais, como salários menores não conseguiram bloquear a ascensão das mulheres no ambiente acadêmico, mas dificultam sua permanência. O último Censo da Educação Superior, realizado pelo INEP/MEC, aponta que 45,5% dos docentes da educação superior em exercício são mulheres. A equiparação numérica, no entanto, ainda não resolve a desigualdade de gênero que afeta o meio científico.

Uma pesquisa divulgada pela revista Nature revela que, nos Estados Unidos, por exemplo, homens cientistas ganham uma média de salário anual de US$ 88 mil (R$ 331 mil), em comparação com US$ 70 mil (R$ 263 mil) para mulheres, cerca de 20% menor.

E é por isso também que, na opinião das três professoras, as mulheres precisam continuar a abrir o caminho da ciência para outras mulheres. Hoje, é justamente o que essas três professoras fazem: incentivam os sonhos de meninas curiosas com laboratórios, estrelas, células e tantos outros objetos de pesquisa que ainda nem foram pensados.

Nossas professoras

A história de Flavia Twardowski, professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) no campus de Osório, está marcada pelo encontro com mulheres. Aos 10 anos, com incentivo da mãe e de uma professora, se tornou flautista e “mascote” da Orquestra infanto-juvenil da UFRGS. A partir daí, o brilho nos olhos com que lembra sua vida, nunca mais a abandonou. Flavia é uma entusiasta determinada. “Assim como foi para a música na minha vida, para a ciência acontecer é preciso duas coisas: alguém tem que querer muito e alguém tem que acreditar! E eu quis muito, com todas as minhas forças, e tive quem acreditava em mim”. Flavia conta que, com esse pensamento, escolheu ser professora. Grávida de seis meses, durante o processo de seleção para sua primeira experiência de docência na UFRGS, chegou a ouvir de um homem que “deveria ir para casa parir”. “Respondi que se eu quisesse estar em casa com os pés para cima, eu poderia, mas se eu estava ali era porque eu havia escolhido a docência”.

Depois de ser professora substituta na UFRGS, Flavia passou no concurso do IFRS e começou a orientar pesquisas de alunos do ensino médio. “Foi no brilho do olhar daqueles estudantes que entendi que deveria fazer diferente”. Para ela, “a ciência é como uma estrada em construção, você escolhe caminhos, constrói caminhos e abre novos”. E assim age com seus alunos, disse. “A estrada deles vai além da minha”. Flavia se referiu à aluna Isabela Dadda dos Reis que em 2018 conquistou três premiações na Intel International Science and Engineering, em Pittsburgh (EUA), com o trabalho Detecção de drogas ansiolíticas em bebidas alcoólicas adulteradas. Falou também de Juliana Davoglio Estradioto, que participou de duas edições da Intel e recebeu o primeiro lugar do Prêmio Jovem Cientista 2018 do CNPq com a produção de um filme plástico biodegradável (FPB) feito a partir da casca do maracujá. Com 18 anos, Juliana já recebeu 11 prêmios científicos nacionais e internacionais e se tornou a primeira jovem brasileira da história a ser selecionada para acompanhar uma cerimônia do Prêmio Nobel. A viagem para a Suécia será em dezembro de 2019.

No mundo das estrelas

Daniela Pavani também é uma “abridora de portas” para meninas. E no caso dela, nem mesmo o céu é um limite. Daniela é docente do Departamento de Astronomia do Instituto de Física e diretora do Planetário da UFRGS, funções nas quais explora de forma geral os mistérios do universo, e particularmente, aglomerados estelares.

Para a mesa-redonda na ADUFRGS, Daniela escolheu contar sua trajetória pessoal a partir do projeto Meninas na Ciência. Ela é uma das coordenadoras do programa de extensão da UFRGS que atrai meninas para as carreiras de ciência e tecnologia e estimula mulheres que já escolheram estas carreiras a persistirem na área. Desde 2013, estudantes de graduação da UFRGS atiçam a curiosidade de alunas e alunos de escolas públicas por meio da astronomia, física e da robótica. O pano de fundo do projeto é justamente o debate sobre o papel da mulher na sociedade, contribuindo para eliminar estereótipos e diminuir as barreiras, às vezes invisíveis, que dificultam a entrada e permanência de meninas na ciência.

Daniela se refere a barreiras como, por exemplo, a representação social dos papéis de homens e mulheres. Daniela apresentou uma análise feita nas imagens dos livros didáticos enviados ao alunos do ensino médio em 2013. "79% das imagens trazem representações masculinas nos exemplos de prática científica e diversidade cultural, e as mulheres aparecem nos cuidados da família do lar". Durante um semestre inteiro na graduação de Física na UFRGS, conta, "fiz prova com um professor sentado ao meu lado. Como eu ia bem em matemática ele achou que eu devia estar colando". Em outro exemplo, Daniela falou de um jogo para meninas na internet, "o jogo diz assim: estamos no laboratório, o cientista fez o experimento, agora sua tarefa é limpar o laboratório". Segundo a professora, o resultado dessa visão é um efeito tesoura no ambiente científico, que só vai piorando dos anos iniciais aos finais da educação básica, graduação e pós. Todos os 30 finalistas da Olimpíada Nacional de Física 2019 são meninos. Dos bolsistas de produtividade do CNPq, apenas 5% são mulheres. 

Para ela, a escola precisa ser capaz de romper com esses esteriótipos que acabam impactando na presença ou ausência feminina em diferentes espaços. Para ilustrar como o incentivo na escola pode determinar novos caminhos na vida de meninas e meninos, Daniela contou uma história que marcou sua visão a respeito do papel da educação na vida das crianças. Daniela estudou no Instituto de Educação onde sua mãe era professora. "Eu havia pedido um kit de Química, mas minha família não tinha dinheiro suficiente e ganhei o manual do detetive". À época, ela seu melhor amigo se tornaram os "detetives" da escola. "Um dia a direção nos chamou e ficamos pensando o que havíamos feito de errado. Alguém havia rabiscado os quadros do instituto e a direção nos chamou porque sabia que nós éramos detetives e pediu que investigássemos quem havia feito aqueles rabiscos. Foi um ano maravilhoso". 

Maratona de vida

"Tudo na vida é treino", resume Claudia Bica, professora da UFCSPA, responsável pelas disciplinas de Biossegurança, Bioética e Gerenciamento Laboratorial. Quem convive com ela, diz, que é "ligada no 220V". "Energia é uma palavra muito presente na minha vida", diz a bióloga. Em sua fala no evento da ADUFRGS, é possível mesmo imaginar Claudia correndo de um lado para outro para se dedicar a todas as atividades que preenchem seu dia a dia. Além de docente, Claudia é pesquisadora na área de Oncologia, trabalha com voluntariado, tem três filhos, sendo duas gêmeas, marido, família, amigos, colegas e é coordenadora do projeto Rondon na UFCSPA.

Desde 1991 no magistério, Claudia conta que sua vida foi dedicada à docência. Mas foi em 2016, diz, que com mais maturidade, conseguiu consolidar sua carreira unindo ensino, pesquisa e extensão no projeto Mulheres em Ação. O projeto de extensão da UFCSPA trabalha com a saúde da mulher, focando na qualidade de vida como prevenção de doenças, neste caso em particular, do câncer de colo de útero. O projeto alerta sobre os fatores de risco e métodos de prevenção e conseguiu trabalhar com mulheres no Rio Grande do Sul, e também no Amazonas. 

Essa diversidade de paisagens é umas das coisas que Claudia apresentou como motivação para manter a energia pela qual é conhecida, além das pessoas que passaram por sua vida e por quem se diz apaixonada. "Eu gosto de gente e acredito em trabalho em equipe. Sinergia. Todo mundo junto para o mesmo lugar com objetivos". Para exemplificar o seu jeito de trabalhar, Claudia recorre à frase que aprendeu como seu professor que diz que tudo na vida é treino. "Penso que quanto mais a gente faz, melhor a gente vai fazer. Sempre mais que ontem". E é assim que Claudia se comporta nas diferentes facetas da sua vida. Da criação dos três filhos ao trabalho na comunidade com o Mulheres em Ação e o Projeto Rondon, que para Claudia, é uma maneira de diminuir as discrepâncias do Brasil. "Meu treino com o projeto Rondon é humanizar a saúde e levar o médico a trabalhar lá na rua no meio da sociedade. Para ele ver que a sala de aula é lá fora. Para mim, esse olho no olho é a formatura do novo profissional. Esse profissional em formação sai diferente quando olha no olho de quem ele atende". Para Claudia, se na Constituição está que a educação e saúde são para todos, a gente não pode dizer que a universidade é para uma elite. É possível!". E é o que procura mostrar nas escolas e comunidades nas quais visita com seus projetos. 

 

A diretora da ADUFRGS, Luciana Boose (organizadora do evento), o vice-represidente, Lúcio Vieira, e o presidente Paulo Machado Mors, com as três pesquisadoras convidadas.