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Terça-feira, 30 de maio de 2017

Valdete Souto Severo é Juíza do Trabalho no TRT/RS da 4ª Região

A Justiça do Trabalho está ameaçada de extinção no Brasil. Cortes profundos no orçamento, alterações na legislação trabalhista e declarações de parlamentares e até mesmo de ministro do STF são sinais claros deste risco. No começo deste ano, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse, em entrevista, que a Justiça do Trabalho não deveria existir. Já o ministro do STF, Gilmar Mendes, afirmou que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) seria o "laboratório do PT". Em resposta, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) criticou diretamente o ministro, em uma nota oficial, na qual a entidade diz "repudiar os vários ataques que a Justiça do Trabalho vem sofrendo nos últimos dois meses" e que a afirmação de Gilmar Mendes é uma "voz isolada entre seus pares". Nesta entrevista, a Juíza do Trabalho no TRT/RS da 4ª Região, Valdete Souto Severo, fala sobre as ameaças à Justiça do Trabalho e o impacto da lei das terceirizações e da Reforma Trabalhista na vida dos trabalhadores, incluindo os servidores públicos.

A arrecadação das contribuições previdenciárias sobre condenações judiciais dos empregadores (Emenda Constitucional 20/1998) acontece, na Justiça do Trabalho, desde 1999 e, desde 2005, a Súmula 368 do TST reconhece a sua competência para a execução do INSS sobre as sentenças condenatórias e acordos homologados, que integrem o salário de contribuição.
Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014, a Justiça do Trabalho arrecadou R$ 2,8 bilhões, o que equivale a um retorno de 19% das suas despesas aos cofres públicos. A receita é constituída por custas, emolumentos, taxas, recolhimentos previdenciários, arrecadação de imposto de renda e receitas decorrentes de execução das penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

Criado em 2012, é um documento que deve ser utilizado nos casos de rescisão de contrato de trabalho quando a homologação da rescisão não é obrigatória (quando os contratos são rescendidos antes de um ano de vigência). O termo assinado pelo empregado serve para comprovar que ele recebeu as verbas rescisórias do seu contrato de trabalho. Desta forma, o trabalhador ao firmar um acordo, deve ficar atento, pois se entender que naquele processo não discutiu tudo que entende lhe seja devido, deverá especificar no termo de acordo, que estão sendo quitados somente os títulos objeto do processo e não do extinto contrato de trabalho, sob pena de não poder reclamar mais nada.

Quando os princípios constitucionais sofrem abalos, quando se institui norma interpretativa que colide com a jurisprudência que vem sendo praticada ou um poder usurpa as atribuições de outro, temos as condições ideais para construir um cenário de insegurança jurídica no País.
Fonte: “Insegurança Jurídica traz prejuízos ao Brasil”, de Luiz Flávio Borges D´Urso e Walter Cardoso Henrique, publicado no jornal Valor Econômico, em 24/3/2008.

Os servidores públicos são aqueles que ocupam cargo público perante a Administração Pública direta (União, Estados e Municípios) e à Administração Pública indireta autárquica e fundacional (Autarquias e Fundações Públicas). Eles estão sujeitos ao regime estatutário e são escolhidos através de concurso público. Além disso, possuem estabilidade, que é uma garantia constitucional de permanência no serviço público após 3 (três) anos de estágio probatório e aprovação em avaliação especial de desempenho.
Por sua vez, os empregados públicos são os que ocupam emprego público e também são selecionados mediante concurso público. Entretanto, são regidos pela CLT e estão localizados na administração pública indireta, especialmente nas Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Os empregados públicos não gozam da garantia constitucional da estabilidade.

Adverso - Em recente declaração, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que a Justiça do Trabalho não deveria existir. Por declarações como essa e pelas medidas que tramitam no Congresso Nacional, é possível dizer que a Justiça Trabalhista está ameaçada no Brasil? 
Valdete - Sim. A ameaça vem desde a década de 90. As tentativas de extinguir a Justiça do Trabalho, às vezes, arrefece um pouco e, depois, fortalece. O Brasil é um dos poucos países que tem uma estrutura própria para cuidar das relações de trabalho. Na maioria dos outros, existem varas especializadas dentro da Justiça Comum. Esta é uma conquista muito importante para nós. Na década de 90, quando houve um movimento muito forte para acabar com a Justiça do Trabalho, a única saída que se encontrou foi trazer para a ela a cobrança das contribuições previdenciárias. Com isso, o Estado começou a arrecadar muito mais e, por um tempo, pararam de falar no assunto. Agora, voltou o mesmo discurso. E é uma ameaça tão real que ela está retratada na lei orçamentária do ano passado, que reduziu 50% dos recursos para custeio e 90% dos investimentos. Ou seja, quase tudo. Foi tão grave, que vários tribunais estavam ameaçando fechar as portas em julho e agosto, até que conseguiram suplementação orçamentária para seguir em atividade até o fim do ano. E, na exposição de motivos, o relator da lei orçamentária de 2016 e hoje ministro da Saúde, deputado Ricardo Barros, disse, textualmente, que a Justiça do Trabalho dá indenizações muito altas, é extremamente protetiva e que precisava revisar seus posicionamentos. O corte no orçamento tinha um recado muito claro. Assim como a alteração da Legislação Trabalhista, que praticamente acaba com o Direito do Trabalho. Como se vê, o ataque vem de vários lados e, me parece, fazem parte de um projeto, que só não foi colocado em execução ainda, porque tem uma resistência muito forte das centrais sindicais, das entidades de juízes e de advogados. A sociedade civil está resistindo, mas eu não sei até quando.
Adverso – E qual análise que a Senhora faz das decisões do STF (Superior Tribunal de Justiça) nos temas relacionados à Justiça do Trabalho?
Valdete - Parece que é outro elemento do mesmo discurso. O STJ também está fazendo um discurso de desconsideração por toda a história do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. O Gilmar Medes (ministro do STF), em um voto, disse que o TST parece um tribunal russo. Isso é uma coisa que, na prática, não tem nenhum respaldo, inclusive porque o TST tem várias decisões que flexibilizam a Legislação Trabalhista. Não é um tribunal conservador em termos de garantias dos direitos dos trabalhadores. Já o STF está barbarizando. Teve uma decisão que reduziu o prazo de prescrição do Fundo de Garantia de 30 para cinco anos, mesmo a lei sendo posterior à Constituição e mais benéfica para o trabalhador. Em outra decisão, disse que as horas in itinere (hora extra caracterizada no deslocamento do empregado da sua residência até o local de trabalho e vice e versa) podem ser suprimidas em uma Convenção Coletiva. Também teve decisão dizendo que é possível que um Plano de Demissão Voluntária estabeleça cláusula de quitação geral. Ou seja, o empregado que assina a rescisão perde o direito de reclamar qualquer outro direito na Justiça do Trabalho. E teve uma decisão gravíssima para os servidores públicos, do ministro Luiz Fux, em 2016, praticamente negando o direito de greve no serviço público. É curioso porque vários processos que envolvem questões trabalhistas foram colocados em pauta, enquanto outras questões não foram. Um exemplo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1625, que trata da denúncia da Convenção 178 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que veda a dispensa imotivada. Essa ADI está, há anos, tramitando no STF e não foi julgada e nem colocada em votação. Enquanto isso, outras ações bem mais recentes estão sendo pautadas, e as decisões sempre são no sentido de flexibilizar o direito, chancelando o negociado sobre o legislado. A Reforma Trabalhista que está sendo pretendida pelo governo, em certa medida, já está sendo feita pelo STF. 
Adverso - O que representa, para o trabalhador, o fim da Justiça do Trabalho? 
Valdete - A Justiça do Trabalho tem problemas. Defendê-la não significa negar que existem questões que devem ser repensadas. A quitação do contrato de trabalho, por exemplo, é uma prática que a Justiça do Trabalho inventou, e que aparece em vários acordos trabalhistas. Essa, que é uma cláusula terrível para o trabalhador, pois tira o acesso à justiça, foi gestada e inventada na Justiça do Trabalho. A par disso, o trabalhador brasileiro sabe que, se o seu direito for desrespeitado, ele pode recorrer à Justiça do Trabalho. Nela, o processo tramita de forma muito mais ágil e muito mais eficiente do que na Justiça Comum. Os processos são efetivos, porque a Justiça do Trabalho consegue cobrar realmente os créditos trabalhistas. Eu não tenho dúvida que perder o acesso à Justiça será um retrocesso secular para o Direito do Trabalho e para o trabalhador brasileiro. Como bem observou Mozart Victor Russomano, em obra de 1956, a Justiça do Trabalho pressupõe o reconhecimento de que a racionalidade liberal do processo comum não serve de instrumento para a realização de um direito que é ditado pela premissa de que a “fome não respeita prazos processuais”. Se a gente inserir essa lógica no contexto da Justiça Comum, com todos os problemas de excesso de serviços e demora na tramitação de processos, não há como dar conta. Será um dano irreparável para a classe trabalhadora, se o projeto de extinção da Justiça do Trabalho se concretizar.
Adverso - O que a prevalência do negociado sobre o legislado representará no âmbito da Justiça do Trabalho? 
Valdete - Novamente é uma questão simbólica. O negociado sobre o legislado já acontece. A decisão do STF dizendo que uma convenção coletiva pode estabelecer um plano de demissão voluntária, com previsão de quitação geral, é o negociado sobre o legislado. A decisão de que uma convenção coletiva pode suprimir horas in itinere, é negociado sobre legislado. A súmula do TST que diz que é possível jornada de 12 horas de trabalho, enquanto a Constituição diz que, no máximo, são 8 horas, é chancelar o negociado sobre legislado. Isso deve ficar bem claro. O negociado sobre o legislado já acontece, por responsabilidade, inclusive, da Justiça do Trabalho. A grande questão da Reforma Trabalhista é o efeito simbólico de colocar isso no texto de lei. É uma inversão da estrutura baseada na preservação dos direitos contidos na lei e da negociação coletiva como meio de agregar direitos para o trabalhador. A partir de agora, os direitos são aqueles estabelecidos na Convenção Coletiva, podendo, inclusive, negar o que está na Constituição. Essa pauta não foi inventada no governo Temer. Ela é muito antiga. Já havia um projeto de lei na década de 90, que pretendia alterar o artigo 618 da CLT, justamente para dizer que as convenções e acordos coletivos prevaleceriam sobre a lei. Naquela época, conseguimos impedir que os projetos fossem aprovados. Hoje, ela retorna, e sempre com o falso argumento de que é para valorizar os sindicatos. O que é uma baita mentira, porque a possibilidade dos sindicatos negociarem condições melhores de trabalho para sua categoria sempre existiu. É da gênese do Direito do Trabalho. Aliás, o Direito do Trabalho nasce assim, construído coletivamente por trabalhadores que estavam organizados. Pressionando o capital, eles conseguiram uma situação mais favorável do que aquela que estava na legislação ou direitos que nem eram legalmente previstos. A possibilidade da negociação ampliar direitos é tranquila, não precisamos alterar o texto da CLT ou criar uma nova legislação. O que se quer com o PL 6787 não é valorizar o sindicato, mas piorar a condição do trabalhador por meio da negociação. Poderíamos pensar: nenhum sindicato vai assinar convenção ou acordo coletivo piorando a situação dos trabalhadores que representa, porque não tem sentido. Só que nós sabemos que isso acontece e são estes casos que foram avaliados pelo STF. Então, se isso já acontece na prática, aprovar uma lei estabelecendo este princípio significa chancelar o desmanche do direito pelo coletivo que deveria salvaguardá-lo. Se estivéssemos falando realmente em proteger e valorizar os sindicatos, estaríamos falando na geração de emprego. Aí sim, teríamos sindicatos fortes e combativos, que não abririam mão de nada. Porém, hoje no Brasil, as pessoas não têm disposição para brigar, porque elas têm medo de, por qualquer motivo ou mesmo sem motivo, perder o seu emprego.
Adverso – A Reforma Trabalhista prevê que direitos poderão ser flexibilizados na negociação coletiva. Algum ponto pode representar benefício para os trabalhadores? 
Valdete - Nós temos mais de 50 projetos de leis tramitando e a maioria deles é para reformar a Legislação Trabalhista. Várias das reformas que se pretendem não estão no PL 6787, mas este é o que “encabeça”, e não tem nada de positivo, ainda que comece aumentando o valor da multa por descumprimento de legislação trabalhista pelo empregador. Na sequência, ele prevê a possibilidade de negociação de vários direitos, como estabelecer uma carga horária de 220 horas, que é muito mais do que os limites constitucionais de 8 horas por dia e 44 horas por semana. Outro exemplo do que a convenção coletiva poderá flexibilizar é o intervalo, que hoje é de, no mínimo, uma hora, e poderá ser de, no mínimo, meia hora. O projeto é péssimo! Ele não tem nada de bom. Ele só tem destruição. É o negociado sobre o legislado, o aumento da carga horária e a terceirização disfarçada na alteração da lei do contrato temporário, que, na verdade, é uma forma de permitir a terceirização geral e irrestrita, como o PL 30 e o PL 4302. A ideia, sempre, é de chancelar as terceirizações que hoje são proibidas no Brasil, apesar da súmula 331, que não tem respaldo legal e que prova, de novo, que a Justiça do Trabalho acabou cavando, de certa forma, o seu próprio túmulo. Eu espero que a gente consiga resistir a mais esse ataque, mas, se conseguirmos sobreviver, nós teremos que reavaliar alguns entendimentos, como a súmula 331, por meio da qual a Justiça do Trabalho abriu as portas para a terceirização.
Adverso – Quais impactos a Reforma Trabalhista poderá ter na vida dos servidores públicos federais?  
Valdete - O que mais afeta todas as categorias, inclusive os empregados públicos, é a questão das terceirizações, que poderão ser feitas de forma geral, de tal modo que haverá empresa sem nenhum trabalhador. Uma escola poderá terceirizar a atividade de professor, por exemplo. Isso afeta diretamente a qualidade dos serviços, a forma de contratação e tudo mais. É um pacote. Tem a Reforma Trabalhista e a Reforma Previdenciária também. Ambas afetam diretamente o empregado público. As negociações coletivas poderão suprimir direitos trabalhistas. O negociado sobre o legislado e as terceirizações, que são os dois pilares da reforma, afetarão diretamente a atividade dos servidores públicos contratados como empregados. Porém, aprovar essa lei não é suficiente: caberá aos intérpretes, aplicadores da lei, fazer o filtro constitucional. Nós temos que saber se a lei está de acordo com a Constituição. Não é difícil perceber que ela é, flagrantemente, contrária à Constituição.
Adverso - As terceirizações tendem a criar insegurança jurídica. Como o Judiciário atua nestes casos?
Valdete - No fato social, que é a relação trabalho-capital na regulação atual, quando se fala de empregado-empregador, todos que tomam o trabalho, de acordo com o 2° artigo da CLT, ou seja, que se unem ao empregador para explorar, também são responsáveis. Isso é o que diz a lei hoje. Com a regulamentação da terceirização, qual é a ideia? É proteger a tomadora, exigindo da prestadora de serviços, que contrata diretamente o trabalhador, um fundo de reserva para pagar o salário, e que ela cumpra várias obrigações. Por sua vez, a tomadora de serviços só será responsável em algumas situações, com relação a alguns direitos. Muita gente que defende as terceirizações argumenta que, pela lei, o trabalhador terceirizado tem que receber o mesmo salário do contratado diretamente para a mesma função. Mas daí eu pergunto: se todos os trabalhadores são terceirizados, eu vou equiparar o salário dele com quem? Eu elimino o posto de trabalho por concurso público, com todas as garantias que daí decorrem, e crio um trabalho precarizado, com salário muito menor, sem nenhuma garantia de emprego e sem parâmetro salarial, porque a função contratada diretamente não existe mais. No que diz respeito à responsabilidade, nós temos várias decisões eximindo a administração pública do pagamento. Ela demonstra que fiscalizou a prestadora do serviço e se exime de pagar. A prestadora, que não tem sede própria, não tem patrimônio, também não vai pagar, e o trabalhador fica sem receber. Hoje, mais de 70% das nossas demandas envolvem terceirização. É muito comum acontecer isso: o ente público conseguir se eximir da responsabilidade e o trabalhador ficar sem receber.
Adverso – Quais são as outras consequências da terceirização irrestrita, que foi aprovada no Congresso?
Valdete - Vai aumentar o demanda judicial envolvendo terceirizadas, sem dúvida. Outra coisa que me dei conta, conversando com um técnico em segurança do trabalho, é que a terceirização elimina a função desta profissão, que é extremamente importante para regular a condição de trabalho. A exigência legal é que o empregador precisa contratar um técnico de segurança a partir de um número mínimo de trabalhadores empregados: a cada 100 trabalhadores tem que ter um técnico de segurança na empresa. Com a terceirização, podem ser contratados trabalhadores de empresas diferentes. Será possível ter, por exemplo, trinta trabalhadores contratados por uma empresa e o restante por outras. Dessa forma, não é obrigatório contratar um técnico em segurança. A terceirização também elimina o direito de férias. Quando eu fazia doutorado na USP, nós fizemos uma pesquisa de campo, que deu origem a um vídeo chamado “Terceirizado, um trabalhador brasileiro”. Nesse vídeo, fomos a Brasília e entrevistamos terceirizados dos entes públicos dos três poderes e percebemos o seguinte: como os contratos com as terceirizadas se renovam a cada dois anos, as pessoas não tiram férias nunca. Elas são contratadas pela empresa X e, quando vão fechar dois anos, acaba o prazo da licitação e a empresa X sai fora. Entra a empresa Y, que contrata a mesma força de trabalho. As pessoas continuam trabalhando dentro do Ministério da Justiça, fazendo as mesmas coisas, só que não mais pela empresa X e sim pela empresa Y. Mais dois anos e começa a contar um novo tempo de serviço e o trabalhador precisa de mais um período aquisitivo para ter férias... Conversamos com pessoas que estão trabalhando há 12 anos, sem nunca terem tirado férias. Elas recebem a rescisão com as férias, mas descansar, ter um mês de descanso, com salário mais um terço, nunca tiveram. Inclusive pessoas que trabalham em gabinete de ministro. Pessoas que deveriam ser concursadas. São cargos de servidores públicos, que estão sendo eliminados. O que está na base da terceirização é acabar com o Estado, que tem empregados concursados e que gera a coisa pública. O Estado continua valendo para outras coisas, como para fazer a recuperação judicial de empresas, mas o Estado social, a ideia é eliminá-lo, sem declaradamente eliminar. Exemplo: não preciso extinguir fundações, basta autorizar terceirizações, porque, daqui a pouco, eu não tenho mais funcionário público. Eu tenho só terceirizados. E daí para fechar é um pulo, já que o serviço público cai de qualidade e o trabalhador fica sem garantia nenhuma. É muito mais fácil. O Estado vai sendo diminuído de uma maneira disfarçada até que a própria existência do servidor público seja eliminada. A terceirização faz isso. 
Adverso - Pensando na Universidade Pública. Hoje, setores da limpeza e segurança são terceirizados. Aprovada as terceirizações, os técnicos e os professores também poderiam ser terceirizados?
Valdete - Também poderiam. Hoje, a base é a súmula 331, que tem muitos problemas, mas faz a distinção, que só permite terceirizar a atividade meio. Existe um freio. E a Universidade não pode terceirizar a função de professor. Na legislação que está sendo aprovada, não existe mais freio. Todos podem ser terceirizados. Isso elimina a função pública e, também, a condição de classe. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, o servidor faz greve e o terceirizado não, pois eles não estão reivindicando os mesmos direitos, os terceirizados não têm os direitos dos servidores. A possibilidade de terceirizar tudo termina com a identidade de classe, porque cada função terá contratados de uma empresa diferente, cada três colegas terão um regime diferente de trabalho, de horário e salário. Logo, não vão lutar pelas mesmas coisas. Termina a possibilidade de pressionar o capital através de uma ação coletiva. 
Adverso - E como fica a situação do concursado hoje?
Valdete - Pela Constituição Federal, o concursado, que já passou pelo estágio probatório, tem estabilidade. Tanto a Constituição (artigo 93) quanto a lei 9932 (de 2000) diz que ele só pode ser despedido se houver um motivo. Porém, a jurisprudência majoritária entende que, em caso de administração pública indireta, o empregado público pode ser despedido mesmo sem motivo. Então, é preciso separar: o servidor estatutário é estável. Em tese, ele está garantido. Agora, se é empregado público contratado pelo regime da CLT, ele não tem proteção. Neste caso, o entendimento majoritário é de que ele pode ser despedido e substituído por um terceirizado. 
Adverso - Com as terceirizações, a tendência é rebaixar salários?
Valdete – Existem várias pesquisas sobre isso. Terceirizar precariza o trabalho, aumenta o número de acidentes e diminui o valor do salário. O terceirizado faz jornadas, em média, 33% maiores que o contratado diretamente. O salário diminui e os acidentes de trabalho triplicam. 
Adverso – O governo Temer e sua base no Congresso querem, também, a Reforma Trabalhista, sob o argumento de que a CLT é ultrapassada e que a livre negociação seria vantajosa para os trabalhadores, inclusive porque ampliaria o número de empregos. Isso é verdade? 
Valdete – Vários países da Europa já fizeram essa reforma. Não é uma novidade nossa. Por exemplo, existem dois projetos de leis propondo criar uma tipologia para trabalho intermitente e para trabalho flexível. No primeiro caso, eu contrato pessoas para trabalhar terça pela manhã e quinta à tarde, e só pago essas horas trabalhadas. Esse é o trabalho intermitente. Imagina: o cidadão vai trabalhar cinco horas por semana e vai receber só pelas horas, muito menos, portanto, que o salário mínimo. Porém, ele vai ter que contribuir por 25 anos para a Previdência, o que ele não vai conseguir nunca, a menos que tenha 5 ou 6 empregos diferentes. E outro trabalho flexível é assim: eu contrato a pessoa 5 horas por semana e eu não digo quando ela terá que trabalhar. Numa semana, eu quero terça e quarta. Na outra semana, quero na quinta e sexta. E o trabalhador tem que estar à disposição, mesmo que só vá receber pelas horas trabalhadas. Essa tipologia de trabalho mais precário mostra que o discurso de que é bom fazer reforma porque vai melhorar o número de emprego não se sustenta. Esta forma de contratação existe na Itália desde 2015. Antes foi aprovada em Portugal, que já está revendo a lei. Nenhum país que fez a Reforma Trabalhista aumentou o número de empregos formais ou teve êxito no enfrentamento da crise econômica. Esse é um argumento mentiroso! O segundo argumento mentiroso é que o negociado sobre o legislado favoreceria a atuação dos sindicatos de trabalhadores. Pelo contrário, os sindicatos estarão muito mais à mercê. Pensa bem: com a terceirização geral, cada empregado pertence a uma categoria diferente dentro do mesmo ambiente de trabalho. Que força eles terão para negociar com o patrão? Sem garantia de emprego, com contratos de 5 horas por semana? Não tem como! É outro argumento mentiroso.
Adverso - E a tese de que é preciso diminuir o tamanho do Estado?
Valdete – Dizer que o Estado gasta demais também é um argumento falso. Se o problema é economizar, comece evitando gastar com propaganda para tentar convencer as pessoas de que elas não estão sendo lesadas, porque elas vão ser lesadas. As reformas Trabalhista e Previdenciária têm objetivos muito claros, que são retirar direitos sociais e abrir um nicho de mercado para as empresas privadas. É isso! Também dizem que a CLT é velha, mas os artigos da CLT não são originais de 1943. Não tem 70 artigos na CLT com a redação original. Todos eles já foram modificados e muitos, inclusive, depois de 1988. Se o objetivo é discutir seriamente a Reforma Trabalhista e o anacronismo da Legislação Trabalhista, temos que olhar os dispositivos da CLT, um por um, e dizer qual deles não se aplica mais. A hora é de preservar aquilo que foi conquistado e, no caso da CLT, o valor é simbólico. Ela é um compilado de leis, algumas com problemas e outras muito importantes para proteger o trabalhador. Mas a grande questão é que a CLT é um símbolo de proteção ao trabalhador. É um símbolo de modelo de Estado. Uma reforma que substitui completamente o texto da CLT vai destruir o Direito do Trabalho como nós o conhecemos no Brasil. É isso que se pretende. E, por isso, é tão grave.

 

Por Araldo Neto