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Quinta-feira, 28 de março de 2019

Ilabaca detalhou problemas causados pela reforma da previdência em seminário na ADUFRGS.

“Temos a mesma luta: vocês, brasileiros, para manter o sistema que têm e nós para voltarmos a um sistema de repartição, que não temos”, afirmou o advogado trabalhista chileno Raul Devia Ilabaca, durante o Seminário “A experiência do modelo previdenciário chileno e a proposta de reforma da previdência brasileira”. O evento ocorreu nesta quarta-feira, 27 de março, na sede da ADUFRGS-Sindical. “Nós, trabalhadores, o que podemos fazer? Trabalharmos juntos e usarmos a ferramenta que temos: greve geral para resolver esse problema comum”, convocou.

O seminário foi aberto pelo presidente da ADUFRGS, Paulo Mors, que destacou a situação de apreensão que o país vive por conta da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 6/2019. A chamada PEC da Previdência vem acompanhada de um plano do Governo Federal para criar um sistema de capitalização e acabar com o regime solidário, a exemplo do que aconteceu no Chile, em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet. “Foi preciso um banho de sangue para impor aquela política macroeconômica no Chile, que hoje vem resultando em suicídios entre os idosos”, enfatizou Mors.

Ilabaca apresentou a experiência daquele país, explicou como funciona o sistema de capitalização e quais as suas consequências quase quatro décadas depois. A mesa foi coordenada pelo advogado Francis Bordas, do Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos (CNASP), uma das entidades promotoras do evento, ao lado da ADUFRGS, do Sindisprev e do Sindagri.

Trabalhadores chilenos lutam contra sistema de capitalização

Enquanto no Brasil, os trabalhadores e trabalhadoras protestam contra a proposta do governo federal, que pretende instituir um sistema de capitalização no lugar da Previdência Social, no Chile, o movimento é para que esse mesmo sistema seja extinto. Lá, no próximo dia 31, haverá uma manifestação contra o projeto de lei encaminhado pelo governo federal para mudanças que, segundo Ilabaca, apresenta poucos avanços.

A ideia é aprovar uma proposta popular para restaurar a previdência pública comum a todas as categorias de trabalhadores. Ou seja, reconstituir o sistema solidário, no qual há a contribuição do trabalhador na ativa, mas também do patrão ou do Estado, no caso dos servidores.

Em oposição a isso, o projeto do presidente Sebastián Piñera, conforme o advogado, mantém a capitalização e aumenta em cerca de 30 mil pesos o aporte do estado ao que eles chamam de “pilar solidário”: uma ajuda para as pessoas mais vulneráveis, como aquelas que contribuíram por pouco tempo antes da aposentadoria e às donas de casa, que não exercem função remunerada.

O projeto também prevê que o empregador dê um aporte de 4% do salário, de forma progressiva, para o fundo daqueles trabalhadores que continuarem na ativa após atingirem a idade mínima para aposentadoria, que é de 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens. “Para o governo, o problema não é o sistema de previdência, é o trabalhador, que é ‘frouxo’ e precisa trabalhar mais”, diz o advogado chileno.

Contudo, a expectativa de vida para os homens é de 83 anos e, para as mulheres, de 88 anos, e somente 8%, segundo Ilabaca, conseguem contribuir por 35 a 40 anos. O resultado é que a maioria dos idosos chilenos vive hoje com 62% do salário mínimo e, mesmo assim, nem chega a usufruir de todo o valor que poupou antes da sua morte.

Reforma imposta a ferro e fogo

Ilabaca lembrou que antes do golpe que levou o general Augusto Pinochet ao poder, a indústria do Chile estava em pleno desenvolvimento. A partir de então, o país adotou uma política privatista e vendeu suas estatais. “Passamos a ser o país mais neoliberal do mundo”, afirmou o advogado.

As entidades de classe deixaram de existir. “Os operários não podiam fazer nada, não havia sindicatos, porque eram proibidos, e nem partidos políticos. Todos os dirigentes sindicais ligados ao partido obreiro foram mortos, exilados ou desapareceram”, relembrou. “Por isso, Pinochet nos impôs a capitalização com a administração dos fundos por parte de empresas privadas. O Decreto-Lei foi imposto a ferro e fogo.”

A reforma se aplicou somente aos trabalhadores civis e não atingiu os militares. Começaram a surgir, então, as Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs), criadas, inicialmente, por empresários chilenos e “sindicatos fortes”, segundo Ilabaca, como dos docentes e dos mineiros. Entretanto, não demorou a que o capital internacional percebesse o bom negócio e começasse a comprar ações dessas AFPs. “A rentabilidade dessas empresas é muito grande, porque o trabalhador paga taxas para que elas administrem o seu fundo”, esclareceu.

As AFPs cobram, em média, 2% de taxa de administração em cima do salário do trabalhador, que separa no mínimo 10% da sua renda para o fundo, além dela. Hoje em dia, conforme o advogado, boa parte dessas empresas são administradas por ex-ministros não só do governo militar, mas também da gestão de Michelle Bachelet. “Isso é uma relação muito ruim, porque o Congresso não considera importante a reforma proposta pelos trabalhadores.”

Como defender a previdência social dos brasileiros

Para o diretor de relações sindicais da ADUFRGS, Eduardo Rolim, que participou do segundo painel do seminário, a greve geral é um dos caminhos que os trabalhadores devem seguir para defender a previdência social. “Se depender de nós e dos sindicatos que estão aqui hoje, essa reforma não passará”, ressaltou.

Para Rolim, a luta para barrar a reforma é mais complicada do que no governo Temer, onde não havia a proposta de um sistema de capitalização. Segundo ele, a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos em educação, saúde e diversas outras áreas fundamentais, é um dos complicadores.

 “O nosso papel mais importante agora é mostrar para as pessoas o que significa essa reforma”, completou, sugerindo que é preciso esclarecer a população sobre os riscos da desconstitucionalização, que fará com que todas as decisões sobre as contribuições dos trabalhadores sejam decididas por maioria simples do Congresso.

Estava na mesa, também, João Luiz Arzena da Silva e Thiago Brunetto, do CNASP, e Daniel Emmanuel, representando o Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no RS (Sindisprev).

Todos destacaram os pontos negativos da PEC 6. “A reforma está sendo feita de forma temerária e irresponsável, para atender interesses de banqueiros e dos empregadores, que querem reduzir o valor da folha de pagamento e aumentar a exploração dos trabalhadores”, afirmou Emmanuel.

“Não tem limite de alíquota na PEC 6. Na verdade, o que está se fazendo é diminuindo vencimentos e proventos”, ressaltou Arzena, que falou sobre o regime de previdência dos servidores públicos. “O regime dos servidores é uma rubrica no orçamento e o direito aos proventos está garantido, mas o dever de contribuição, não.”

“Não poderíamos alterar o sistema solidário por emenda constitucional, mas essa análise deve ser feita pelo Supremo Tribunal Federal de forma ‘consequencialista’. A discussão é que a reforma, como está colocada é, na verdade, um obstáculo à aposentadoria”, concluiu Brunetto.

Participaram do evento, Antonio Venceslau Martins, do Sindicato dos Servidores do Ministério da Agricultura (Sindagri) ; Nilton Brandão, do PROIFES-Federação; Josué Martins, do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do RS (CEAP); e Claudir Nespolo, presidente da CUT-RS.

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