Reflexões e alertas para auxiliar a tomada de decisão
Introdução
A pergunta que dá título a este texto é muito ouvida sempre que se fala em “alterações na previdência”, notadamente dos servidores públicos. Em geral, estes boatos ou anúncios vêm acompanhados de um discurso de racionalização, otimização de gastos, enfim, uma suposta preocupação com o orçamento público.
Não pretendemos aqui abordar ou interpretar este discurso moralizador ou sequer a forma como é gasto o dinheiro público, embora este debate seja necessário e sempre presente para descortinar as “reais intenções” por trás da retórica que inunda os meios de comunicação.
O que nos interessa, aqui, é tentar aplacar o desconhecimento em torno de direitos, riscos e consequências de decisões sobre o momento de se aposentar, especialmente por parte de servidores que preservaram a possibilidade de aposentadoria com proventos integrais, equivalentes à última remuneração (espécie em extinção, diga-se de passagem). Muitos servidores chegam aos sindicatos e advogados na esperança de ouvir uma orientação taxativa, preferencialmente convergente com o seu desejo pessoal, seja de se aposentar, seja de seguir em atividade.
O fato é que a tomada de decisão em se aposentar não é tarefa fácil, menos ainda para o profissional consultado a dar sua opinião. Neste caso, ao invés de nada dizer ou opinar, o melhor é orientar sobre riscos, vantagens e desvantagens. Como não se sabe ainda o que se pretende realmente alterar nas regras de previdência, a orientação não pode ser pautar sobre o cenário futuro. Porém, a história nos traz exemplos que nos permitem avaliar o que já se passou, pois, é sabido, esta não é a primeira nem será a última alteração nas regras de aposentadoria. E mais, os discursos e visões sobre Estado (mínimo ou não), carreira típica de estado, limites de gastos, etc, não mudam, já que os agentes políticos seguem os mesmos.
Passado, presente e futuro
No passado recente, passamos por cinco emendas constitucionais que alteraram – em maior ou menor escala – o sistema até então vigente. Em 1998, no Governo Fernando Henrique Cardoso, houve a primeira alteração pela Emenda Constitucional (EC) 20, a qual inaugurou no serviço público os requisitos de idade mínima, tempo mínimo de permanência no cargo, etc. Mas adiante, em 2003, já no Governo Lula, sobreveio a EC 41 que foi igualmente impactante, pois encerrou com a regra de aposentadoria com vencimentos integrais equivalentes ao último vencimento, dentre outras mudanças. Em 2005, novamente, a Constituição foi alterada, agora pela EC 47, que atenuou alguns rigores excessivos da EC41, criando uma nova regra de transição em favor dos que já contavam com expressivo tempo de contribuição, mas não tinham a idade mínima. Em 2012, foi alterada pela EC 70 a regra da aposentadoria por invalidez, para quem havia ingressado antes da EC 41(2003)[2]. Por derradeiro, em 2015 a EC 88 alterou a idade da aposentadoria compulsória.
O servidor que optar por se aposentar agora deve estar ciente de que isto não significa que não terá prejuízos no futuro.
Portanto, a prática de alterar regras não é de hoje, como também não é da noite para o dia que as mudanças ocorrem, pois, as alterações do texto constitucionais exigem uma tramitação diferenciada no Congresso, que permitem que se possa acompanha-las e precatar-se.
Lembremos também que ainda persiste no imaginário de vários servidores que ele “tem direito a se aposentar pelas regras vigentes no dia em que tomou posse”. Isto não é verdade, é um erro se pautar nesta premissa, pois é falsa. Todos os que não preencheram os requisitos para aposentadoria pelas regras hoje vigentes serão afetados pelas novas exigências e formas de cálculo de proventos. E os que já preencheram os requisitos, devem correr e se aposentar antes das mudanças?
Esta dúvida, por vezes dilema, enfrentada por servidores, já ocorreu no passado e nos permitem sintetizar nosso posicionamento com as seguintes afirmações:
[1] APOSENTADORIA NÃO É SINÔNIMO DE GARANTIA
[2] NÃO HÁ VACINA EFICAZ CONTRA A MALDADE
Não podemos perder de vista que todas as grandes alterações promovidas no passado – em especial as ECs 20 e 41 tinham um propósito bem claro: postergar a aposentadoria, pois elas acarretam um custo direto ao estado com pagamento dos proventos, como também com a reposição da mão-de-obra.
Em 1998, por conta da ameaça de alterações nas regras de aposentadoria, vários servidores se aposentaram antes do planejado, acreditando que estavam se blindando, se imunizando, contra o vírus da maldade. Nisso, vários se aposentaram de forma proporcional, outros se aposentaram antes de chegar a posições melhores na carreira, etc. O final dos anos 90 no serviço público se caracterizou não apenas pela alteração das regras de aposentadoria, mas também na implantação das chamadas “gratificações de desempenho”, as quais, em geral, distinguiam ativos de inativos, fazendo com que os últimos recebessem menos. Assim, foi com a extinta GED (gratificação de estímulo à docência), GDATFA, GDPGPE, entre outras. No caso da GED por exemplo, então paga aos docentes do ensino superior federal, aquele que fugiu das mudanças das regras de aposentadoria caiu na armadilha da gratificação, pois se tivesse permanecido trabalhando, ganharia mais. Outro exemplo foi com as carreiras que tiveram reestruturações que trouxeram sensíveis vantagens aos que nela permaneceram em atividade e prejuízos aos que se aposentaram[3] antes disso. Os aposentados antes da EC 41/2003 foram depois atingidos pelos descontos para seguridade social imposto sobre os proventos, com o beneplácito do STF que, por maioria de seus ministros, não viu inconstitucionalidade alguma nisto. Ora, tivesse ele permanecido trabalhando, seria beneficiado pelo abono de permanência e receberia de volta o valor da contribuição previdenciária.
Enfim existem exemplos de que a aposentadoria não serviu como garantia eficaz de nada, ao revés, transformou-se numa opção prejudicial.
Portanto, o servidor que – temeroso com as mudanças de que se fala – optar por se aposentar agora deve estar ciente de que isto não significa que não terá prejuízos no futuro. Aliás, em várias categorias do funcionalismo federal, o ajuizamento de uma ação logo em seguida da aposentadoria vem se tornando uma praxe, sobretudo para aqueles cargos remunerados através de gratificações de desempenho.
Direito adquirido
Em geral, as alterações nas regras de aposentadoria trazem novos e mais difíceis requisitos para aposentadoria, além de diminuir o valor dos proventos pagos. Do sistema da integralidade de proventos vigentes até 2003, migramos para o sistema atual em que os proventos dos servidores são limitados ao teto do regime geral de previdência social (RGPS, vale dizer, INSS). Uma profunda alteração em menos de 10 anos.
Porém, todas as emendas constitucionais preservaram o direito adquirido à aplicação das regras cujos requisitos já houvessem sido preenchidos. Isto faz com que, por exemplo, um servidor que poderia ser aposentar em 1996 e optou por trabalhar até 2006, pudesse invocar as regras vigentes lá atrás. A EC 20/98 disse isso da seguinte forma: Art. 3º - É assegurada a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente. A EC 41 trouxe garantia idêntica[4].
Esta ideia de preservação de direito adquirido é compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal através da Súmula 359 de 1963: Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.
Portanto, quem já pode se aposentar pelas regras que garantem a modalidade de aposentadoria desejada, poderá invoca-las mesmo que se aposente depois que novas regras tenham sido criadas – nesses casos, dizemos que há direito adquirido à aposentadoria em determinada modalidade.
Alertas
Já alertamos que a aposentadoria não pode ser compreendida como uma garantia, proteção ou seguro. Ainda assim, as aposentadorias são parte da rotina e do dia-a-dia, de forma que alguns alertas são oportunos, tanto para quem se aposenta, como também para o que decide permanecer em atividade.
Como visto, nossa preocupação com este texto é esclarecer o servidor e evitar que ele tome uma decisão de se aposentar – ou não - sem a devida ponderação e reflexão sobre as consequências disto. Recordamos, por derradeiro, que o assessoramento jurídico é sempre recomendável antes de se aposentar.
[i]
[2] Curiosidade desta EC 70: veio para melhorar e não para restringir direitos.
[3] Também do ensino federal vem o exemplo: os professores que se aposentaram como adjunto foram excluídos da possibilidade de progredir para a classe de associado criada em 2006.
[4] Art. 3º da EC41: É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.
[5] RGPS = Regime Geral de Previdência Social (ou INSS).
[i] Bibliografia consultada:
ANASPS. Livro negro da previdência social. Brasília, 2008.
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos servidores públicos. 5.ed., Curitiba, Juruá, 2014.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São Paulo, Saraiva, 1982.
RIGOLIN, Ivan Barbosa. O servidor público nas reformas constitucionais. 3.ed. ampl. e atual. Belo Horizonte, Fórum, 2008.
ROCHA, Daniel Machado da (Coord). Curso de especialização em direito previdenciário. 1.ed, Curitiba, Juruá, 2008.