O PNE aprovado pelo Congresso Nacional em 2014, representou, seguramente, um passo à frente para os que defendem uma educação pública, inclusiva e de qualidade.
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pelo Congresso Nacional em 2014, representou, seguramente, um
passo à frente para os que defendem uma educação pública, inclusiva e de qualidade, embora apresente algumas
lacunas importantes e abra espaço, em diversos pontos, para o avanço de interesses dos que querem fazer da
educação um negócio – o que só a força política da sociedade civil organizada poderá deter. Entretanto, para que
o PNE deixe de ser um discurso e passe a ser realidade, é indispensável a disponibilização de recursos públicos,
para que seja possível implementar suas metas, com a necessária qualidade, em todos os níveis de ensino e em
todos os rincões do Brasil, colocando ao alcance de todos as informações básicas e o conhecimento que se faz
necessário para refletir criticamente sobre elas, ambos elementos fundamentais para o exercício da cidadania
plena.
Superar as imensas desigualdades e injustiças que vigoram, em especial na educação, exigirá a destinação à área
de orçamento anual da ordem de 10% do PIB, a ser alcançado na próxima década, conforme aprovado no PNE, o
que demandará a definição de fontes de recursos suplementares àquelas que hoje existem, de forma a suprir
montante adicional de pelo menos 4% do PIB.
O esforço a ser empreendido terá, ademais, que considerar os desequilíbrios de oferta de ensino público de
qualidade e as fortes disparidades vigentes – por região, por raça, por renda e no eixo cidade/campo, dentre
outras, bem como o fato de que certos níveis de ensino têm sido mais relegados ao descaso do que outros.
A quantidade de recursos necessários para isso pode ser calculada por nível de ensino, de acordo com as metas
estabelecidas pelo PNE e, também, levando em conta as projeções populacionais feitas pelo IBGE para os
próximos 10 anos, bem com os custos aluno-qualidade, em cada nível, conforme estudos cuidadosos que vêm
sendo realizados por diversas entidades – dentre as quais a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o
Proifes.
Plano Nacional de Educação: fontes adicionais de recursos
Para que o PNE possa acontecer, é preciso que a sociedade brasileira se convença, de forma hegemônica, de que
a educação é fundamental para o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social do País, e,
também, de que é a única via efetiva para que sejam superadas as brutais desigualdades que há séculos
assombram a nossa história.
A escala de recursos adicionais a obter é gigantesca – quase 250 bilhões de reais anuais (números de 2014) – e só
será alcançada se for possível canalizar montantes de vulto, que não devem e nem poderão vir da aplicação de
mais impostos sobre o cidadão comum, já onerado em excesso, mas, sobretudo, de taxações, royalties e outros
mecanismos que incidam sobre os detentores da maior parte da riqueza nacional, concentrada nas mãos de
muitos poucos.
Além do mais, uma vez disponibilizados os recursos – se isso vier a acontecer – teremos um segundo nível de
embate e de disputa, tão difícil quanto o primeiro: esse dinheiro terá que ser canalizado para a educação pública
de qualidade e, mais uma vez, a sociedade brasileira terá que estar convencida desse princípio. Do contrário, é
certo que o setor privado, em especial aqueles que tratam a educação a partir da pura ótica do lucro, buscará
abocanhar parte significativa dos novos recursos, sem a necessária contrapartida de qualidade ou de valorização
da profissão de professor.
Eis as alternativas que sugerimos.
I) Petróleo: Fundo Social, royalties e participações
O Proifes e outras entidades que defendem a educação pública, universal e de qualidade acompanharam e
lutaram, em anos recentes, para que os recursos provenientes da exploração do petróleo, do gás natural, e de
seus derivados, em especial os advindos do pré-sal, fossem, de um lado, apropriados em boa parcela pelo Estado
brasileiro, e, por outro, destinados majoritariamente à educação. O Proifes foi defensor de primeira hora da tese
de que a totalidade dos valores depositados no Fundo Social deveria ser repassada à educação.
O sucesso obtido foi parcial. Em primeiro lugar, porque, de acordo com as leis aprovadas, o Estado brasileiro será
proprietário de uma parcela relativamente pequena da riqueza existente, diferentemente do que ocorre em
outros países, como a Noruega, em que esse percentual é bem maior. E em segundo lugar, porque a tese da
destinação dos 100% do Fundo Social para a educação não passou no Congresso Nacional; o percentual aprovado
foi de 50%, o que, apesar disso, constituiu um extraordinário avanço em relação ao que pretendia o Senado e o
próprio governo, à época.
De fato, a Lei nº 12.858 (09/set/13) definiu que 50% do principal do Fundo Social e 75% dos Royalties e
Participações Especiais da União irão para a educação.
Avaliação feita pelo Consultor Legislativo da Câmara Federal, Paulo César Lima, profundo conhecedor do assunto,
em exposição ao Congresso Nacional (12 de novembro de 2013), avaliou que, em 2023, serão destinados
aproximadamente 0,8% de PIB/ano à educação.
A estimativa acima foi feita em um momento em que o preço do petróleo era superior a 100 dólares (americanos)
o barril. Com a queda expressiva do valor do barril ocorrida, o percentual estimado em 2013 teria hoje que ser
revisto para baixo. Entretanto, como seria temerário supor que é possível prever o comportamento do preço do
barril do petróleo pela próxima década, faz-se necessário ressaltar que a precisão do valor aqui indicados deve ser
devidamente relativizada.
O que é preciso deixar claro é que, a partir de todas as informações e previsões razoáveis que é possível fazer
hoje, a destinação de recursos do petróleo à educação, embora importantíssima, é absolutamente insuficiente
para fazer face às necessidades do setor na próxima década.
II) Ampliar as vinculações constitucionais
Outra fonte possível de recursos adviria da ampliação, de 18% para 25%, da vinculação mínima de recursos da
União a serem destinados à educação. O montante adicional assim obtido seria da ordem de 0,60% do PIB/ano, a
partir da implantação. Ampliar de 25% para 30% essa vinculação, no caso dos Estados, DF e Municípios,
redundaria em um montante adicional da ordem de 0,55% do PIB/ano, a partir da implantação.
É importante ressaltar aqui que esses recursos poderiam ser utilizados de forma plena logo após a efetiva
implantação dessas políticas, e não em apenas 10 anos, como é o caso do petróleo.
III) Elevar os royalties sobre a exploração mineral
No Brasil, os royalties sobre a exploração das riquezas minerais são muito baixos: ferro, 2%; alumínio, 3%;
manganês, 3%; ouro, 1%; pedras preciosas, 0,2%. Para termos de comparação, basta ver que, no Canadá, os
royalties variam de 3% a 9%; nos EUA, de 5% a 12,5%; e na Austrália, alcançam 30% sobre a produção bruta
minério de ferro. Além do mais, os royalties no Brasil são repartidos essencialmente entre Estados e Municípios
produtores e/ou por onde escoa a produção.
Nos debates de um novo marco regulatório poderia ser aumentada substancialmente a CFEM (Contribuição
Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), de forma a elevar a arrecadação dos atuais (2014) R$ 2,5
bilhões/ano para R$ 15 bilhões/ano – valor em torno de 0,3% do PIB / ano.
IV) Instituir contribuição sobre movimentação financeira, em especial a especulativa
No Brasil, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), com alíquota de 0,38%, foi extinta
em 2007, quando rendeu R$ 36,5 bilhões, ou 1,4% do PIB daquele ano. Para que tenha uma ideia da grandeza dos
fluxos financeiros no País, particularmente daqueles de natureza especulativa, basta dizer que, em 2012, girou
pela Bovespa (principal Bolsa de Valores nacional) um volume de recursos de R$ 1,73 trilhões, ou seja, 40% do PIB
daquele ano. Esse tipo de capital não lucra com a produção e com a estabilidade, mas sim, ao contrário, com a
instabilidade e a flutuação de preços dos ativos financeiros. Uma proposta possível é retomar uma contribuição
com a magnitude acima, mas que seja mais voltada aos grandes capitais e, em especial, aos de natureza
especulativa, de forma a não incidir sobre o cidadão comum já sobrecarregado de impostos, como antes ocorria.
Adicional: 1,4% do PIB / ano (parte a destinar à educação e o restante à saúde).
V) Regulamentar o Imposto Sobre Grandes fortunas
A Constituição Federal, em seu Artigo 153, inciso VII autoriza o Governo a cobrar um imposto sobre grandes
fortunas e prevê que lei complementar discipline a matéria. Houve iniciativas nesse sentido no Congresso
Nacional, mas a regulamentação não prosperou. Uma dessas iniciativas, o Projeto de Lei Complementar 48/2011,
se aprovada, renderia cerca de R$ 15 bilhões. Adicional: 0,3% do PIB / ano. Registre-se que 70% desses recursos
viriam de fortunas superiores a R$ 116 milhões. No Brasil, em 2012, 901 pessoas, ou 4 milionésimos da população
brasileira, com riqueza média de R$ 620 milhões cada uma, detinham juntas fortuna equivalente a 13%do PIB. É
evidente que um país com esse absurdo grau de desigualdade, no tocante à distribuição de riquezas, não pode ser
capaz de proporcionar educação pública de qualidade para todos os brasileiros.
VI) Reforma Tributária
Os dados e as ponderações aqui apresentados mostram que é essencial redefinir o perfil da carga tributária no
Brasil, aumentando as contribuições provenientes da renda e da propriedade. O quadro abaixo, elaborado com
dados publicados pela Folha de São Paulo (02/jun/13), compara a perfil de carga tributária de Argentina, Brasil,
Canadá e EUA e mostra uma dramática diferença: Argentina e Brasil, em relação a EUA e Canadá, cobram menos
metade do imposto sobre a propriedade e a renda e mais do dobro do imposto sobre o consumo.
Conclusão
Neste ano de 2015, imediatamente posterior à realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE) e à
aprovação do PNE, o que se vê é um governo que, em vez de honrar seus compromissos de campanha, ampliando
recursos para a educação, reduz-se à retórica do 'Pátria Educadora', enquanto, ao mesmo tempo, propõe e
promove o contingenciamento das verbas na área, inviabilizando a consecução concreta de metas que foram
construídas após muitos anos de debates em que participaram milhões de brasileiros.
Por outro lado, a soma dos recursos adicionais provenientes dos itens aqui listados é de cerca de 4% do PIB / ano
– um montante da ordem de grandeza daquilo que é necessário para implantar no Brasil uma educação pública
universal, gratuita e de qualidade, em todos os níveis.
Assim, é certo que a consecução integral do PNE é um sonho possível, mas que, seguramente, demandará o
acompanhamento permanente e cuidadoso da sociedade brasileira, bem como fortíssima mobilização popular:
isso só acontecerá se forem enfrentados e vencidos os poderosos interesses dos poucos que detêm injustamente
a maior parte da riqueza deste País.