As novas modalidades de contratação precarizam ainda mais as condições de trabalho de uma categoria que sempre teve que lutar, inclusive, para ser reconhecida enquanto educadora
Por João Batista da Silveira
A recente notícia, publicada em meados de agosto no jornal Folha de S. Paulo, sobre a demissão de cerca de 130 enfermeiros e fisioterapeutas da Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo, deu mais uma amostra do impacto da reforma trabalhista sobre a educação. Contratados como supervisores de estágios das respectivas áreas e registrados no quadro de pessoal técnico administrativo da instituição, os trabalhadores dispensados foram substituídos por profissionais autônomos, troca facilitada pelas novas regras imputadas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela abertura à terceirizações desmedidas.
A própria notícia informa que mesmo a assistência nas homologações pelo Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de São Paulo (Saaesp) só foi possível porque a entidade representante da categoria conseguiu manter na convenção coletiva cláusula com essa exigência. Caso contrário, a reforma trabalhista teria retirado até mesmo esse direito de representação sindical dos trabalhadores.
A terceirização assombrava os estabelecimentos de ensino antes mesmo das novas normas trabalhistas. Em 2013, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee lançou a Campanha Nacional de Valorização dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação, em que técnicos administrativos do ensino privado de todo o país se uniram em protesto contra a terceirização nas escolas. Na época, as centrais sindicais estavam mobilizadas no combate generalizado à terceirização e às propostas que visavam regulamentá-la sem atender as exigências trabalhistas, em especial o então Projeto de Lei 4.330/2004.
O que mudou em cinco anos é que a Lei 13.429/2017, originária do ainda mais antigo PL 4.302/1998, de forma mais nociva do que propunha o PL 4.330, escancarou a terceirização em todas as atividades econômicas, substituiu o contrato de trabalho por prazo indeterminado pelo temporário com duração de até nove meses a cada ano — o que implica o fim do aviso prévio, da multa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e das férias — e reduziu os demais direitos a patamares do início do século XX. A lei também põe fim às categorias profissionais, substituindo-as por terceirizados sem representação sindical específica.
Além de representar a supressão dos direitos dos trabalhadores, que têm salários rebaixados, perda de benefícios sociais e redução da representação sindical, nos estabelecimentos de ensino a terceirização também compromete a própria qualidade da educação, visto que o projeto pedagógico de cada escola depende da ligação direta e forte com os trabalhadores das instituições. O exemplo da Uninove não deixa dúvidas quanto a isso. Ao terceirizar os postos de supervisores de estágios, a própria qualidade desse passo imprescindível para a formação de enfermeiros e fisioterapeutas fica comprometida.
Numa instituição de ensino, a terceirização significa a exclusão da possibilidade de integração entre trabalhadores e estudantes. A questão é que não foi só a terceirização que foi liberada de maneira irrestrita, inclusive para as atividades-fim das empresas. As novas modalidades de contratação, como o contrato temporário e o intermitente precarizam ainda mais as relações e as condições de trabalho de uma categoria que, seja nas escolas de educação básica, seja nas instituições de ensino superior, sempre teve que lutar, inclusive, para ser reconhecida enquanto educadora. Um retrocesso para os direitos trabalhistas e para o próprio direito à educação.
Secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicado dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)