"A controvérsia é cortina de fumaça para precarizar cada vez mais a educação pública"
Paira no ar um certo mal-estar. As distopias do progresso tecnológico estão desnutrindo a esperança de um futuro feliz. A crença em dias melhores perde progressivamente seguidores. A prevalência do sombrio tem gerado uma onda de ansiedade. Só no Brasil são 18,6 milhões de pessoas diagnosticadas com ansiedade e 11,5 milhões depressivas.
Nestes momentos de insegurança social, as compulsões regressivas se exacerbam. O retorno idealizado do passado é usado para ressequir as poucas sementes de esperança no futuro. Acossadas pelo medo, as pessoas buscam refúgio nas cavernas do misticismo, na pátria, na família, na restauração da autoridade perdida e aplaudem medidas de disciplinarização dos corpos.
Essa crise civilizacional transborda para o mundo da educação. A escola e o ambiente universitário como espaços de encontro, de convivência, do coletivo, do duradouro, da diversidade, da descoberta e do encorajamento das capacidades, talvez sejam as últimas fronteiras da nossa humanização. A escolha dramática não é entre "escola com ou sem partido", mas se salvaguardaremos o ambiente educacional ou se o degradaremos como se degrada o mundo do trabalho, as relações interpessoais e a própria natureza.
A controvérsia em torno da escola sem partido, fomentada para servir de cortina de fumaça, nada mais é do que uma cruzada política e publicitária com o objetivo de precarizar cada vez mais a educação pública e mercantilizar a escola privada, transformando estudantes em "agentes de defesa do consumidor" e educadores em bodes expiatórios e serviçais. O real propósito é transformá-la em negócio adequado às preferências e às capacidades financeiras dos consumidores.
Nós, que somos herdeiros de uma tradição humanística, precisamos escapar desta cilada e enfrentar a crise da educação com profundos ajustes nos conteúdos e currículos, com novos métodos e práticas de aprendizagem, com valorização dos profissionais da educação e pesados investimentos para dotar o ambiente escolar de condições que permitam a expansão das potencialidades humanas. A crise da educação não pode instigar o desejo de transformar a escola em gaiolas que atrofiam as asas dos estudantes.
Amarildo Pedro Cenci é advogado e diretor do Sinpro-RS