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Quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Presidente da SBPC, Ildeu Moreira, alerta que o Brasil já perdeu competitividade em escala internacional e que o êxodo de pesquisadores também é resultado de dois anos de vigência da Emenda

Texto: Araldo Neto 

Este ano, a comunidade científica vai intensificar a pressão sobre o Congresso Nacional e o Governo Federal para que a Emenda Constitucional 95 (EC 95) seja revogada. A afirmação é do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira. Em entrevista ao Portal Adverso, ele destacou que após dois anos de vigência da Emenda o Brasil está perdendo competitividade em escala internacional e enfrenta êxodo ou desistência de pesquisadores. “A EC 95 é um obstáculo muito sério para o desenvolvimento do país. Os pesquisadores, muito jovens, já estão desistindo de ir para a área de ciência. Uns estão ficando no exterior e outros estão buscando meios de ir para lá. Os pesquisadores estão desanimando. Grupos de pesquisa estão sendo desmantelados”, afirmou.

Sobre o governo Bolsonaro, o presidente da SBPC disse que está apostando no diálogo para recuperar a drástica situação de orçamento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), que foi reduzido em um terço em 10 anos. Ildeu informou que a comunidade científica vem mantendo um diálogo permanente com o ministro Marcos Pontes, e que tem a promessa de que haverá a recomposição do investimento no setor durante o novo governo.

Na entrevista, Ildeu Moreira falou ainda sobre a polêmica envolvendo critérios ideológicos para concessão de bolsas, assunto que ganhou destaque na mídia em janeiro. “Isso seria catastrófico para a ciência no Brasil ou em qualquer país do mundo. Sempre que aconteceu isso, a ciência saiu profundamente prejudicada”, criticou. Outro assunto abordado foi os vetos de Bolsonaro à Lei dos Fundos Patrimoniais. Foram vetados incentivos fiscais aos doadores, tanto pessoas físicas como jurídicas. Os incentivos propostos, já adotados há décadas em diversos países desenvolvidos, são também importantes para que o setor privado seja estimulado a investir na área, um dos gargalos do sistema nacional de CT&I. O presidente da SBPC disse que o setor buscará articulação entre o Governo e o Congresso Nacional para que os vetos sejam retirados. Acompanhe a entrevista na íntegra:

Portal Adverso - Como o Sr. avalia a composição do Governo Bolsonaro na área de CT&I??

Ildeu - É muito difícil falar sobre a composição, porque cargos importantes, como o de presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), ainda não foram preenchidos. É um pouco difícil falar de perspectivas em função de indivíduos. O mais importante são as políticas que eles vão implementar. Isso nós insistimos muito com os candidatos que foram para o segundo turno das eleições presidenciais. Tanto o presidente eleito Jair Bolsonaro quanto o candidato Fernando Haddad fizeram uma carta-resposta para as questões relacionadas à CT&I e alguns pontos relativos às políticas a serem desenvolvidas. Uma delas era a recuperação dos investimentos. O orçamento foi aprovado com valor muito baixo. O CNPq, em particular, será muito atingido para 2019.  Também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), administrado pela Finep, que está com 4/5 dos recursos congelados. São duas questões críticas. Depois que Bolsonaro foi eleito, nós tivemos uma reunião da comunidade científica com o novo ministro Marcos Pontes. Nessa reunião, que durou o dia inteiro e teve a participação de uns 40 representantes da comunidade científica, empresarial e de inovação, colocamos todos os pontos para o ministro, apontando as questões críticas e sugestões. Temos mantido um diálogo bastante intenso com ele, que tem encaminhado essas questões. Esperemos que continue e, mais do que isso, que as políticas prometidas sejam cumpridas. Então, eu prefiro ver o que vai acontecer, do que falar genericamente sobre possibilidades em função de pessoas que estão sendo indicadas.

Portal Adverso – Em janeiro, o jornal O Globo publicou uma matéria, dizendo que o governo pretende impor critérios ideológicos para concessão de bolsas. O que isso significaria para a pesquisa no Brasil?

Ildeu - Isso seria catastrófico para a ciência no Brasil ou em qualquer país do mundo. Sempre que aconteceu isso, a ciência foi profundamente prejudicada. Quando essa notícia foi publicada, algumas pessoas queriam que nós nos manifestássemos, mas preferimos, primeiro, ver a veracidade da notícia. Eu mandei uma mensagem para o ministro Marcos Pontes. Ele disse que é contrário aos critérios ideológicos para a concessão de bolsas e que iria verificar o caso. Várias entidades se manifestaram. Nós preferimos fazer esse contato direto. A CAPES fez uma nota, que foi divulgada em sua página na internet, dizendo que a notícia não era verdadeira e que, portanto, essa questão não estava colocava. Mas, obviamente, sempre que tem fumaça é importante reafirmarmos que o controle ideológico, tanto no ensino quanto na pesquisa, não faz o menor sentido. Certamente, nossa posição é contrária a isso.

Portal Adverso - O presidente Bolsonaro sancionou com vetos a Lei dos Fundos Patrimoniais, o PLV 31/2018. Como a comunidade científica recebeu essa decisão e como o setor está se movimentando para recompor o orçamento da pesquisa no Brasil?

Ildeu - A questão dos vetos não significou recomposição imediata, que é uma possibilidade de criação dos fundos patrimoniais para aumentar os recursos, especialmente vindo do setor privado. É importante e tem que ter uma política de longo prazo para isso. A nossa luta é pela recomposição do orçamento do Governo Federal, que pode fazer isso independente da legislação dos fundos patrimoniais. Por exemplo, descontingenciando os quase R$ 4 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que vieram do orçamento passado. Nós fizemos uma pressão, e vamos continuar fazendo, para que esses recursos sejam investidos em CT&I. Aliás, eles são arrecadados da iniciativa privada pra isso, mas estão tendo uma destinação que não é a correta, o que é contraproducente para o desenvolvimento do país. Esse dinheiro deveria estar sendo investido em pesquisa, ciência e inovação, mas não está. Nós temos, hoje, aproximadamente 1/3 do que tínhamos há 10 anos para investimento na área. Essa recomposição, inclusive, é um compromisso do novo governo. A outra questão é a legislação dos fundos patrimoniais, que a gente vinha brigando há tempos. Foi feito um acordo no Congresso Nacional, no final do ano, e o assunto foi votado depois de muitas idas e vindas. Pode não ser o ideal, mas é uma legislação boa, que abre perspectivas para se obter novas fontes de recursos para a Ciência e Tecnologia, e para outras ações de políticas públicas. Só que foram vetados dois pontos importantes para nós. Já estamos fazendo pressão para atuar junto ao novo Congresso Nacional, que vai analisar os vetos feitos pelo atual governo. Nós queríamos que o Bolsonaro não fizesse esses vetos, mas ele fez. Nós estamos conversando com o ministro Marcos Pontes e vamos dialogar com o Congresso Nacional para podermos reverter esses vetos. Os vetos criam uma dificuldade, porque a lei favorece que as empresas tenham incentivos fiscais para aportar em C&T, como existe em vários países do mundo. Todos os países desenvolvidos têm mecanismos desse tipo. Um desses itens foi vetado. Agora será necessária uma articulação política entre o atual governo, que tem muita força, e o Congresso novo, que está entrando. Vamos tentar convencer os parlamentares a voltar à formulação anterior.

Portal Adverso - Como a Emenda Constitucional 95 tem afetado o setor, e quais são as perspectivas até o fim de sua vigência?

Ildeu - Nossa perspectiva é que ela seja derrubada logo. Faremos pressão sobre o Congresso Nacional e sobre o governo para que a Emenda seja revogada. Em particular, as áreas de Educação e CT&I estão sendo atingidas pesadamente. Isso significa que a gente tem um futuro muito comprometido para o Brasil. Se ela permanecer durante toda a vigência, em torno de 20 anos, certamente o país vai andar pelo menos duas décadas para trás. Hoje, estamos vendo a China, Estados Unidos e a Europa investindo cada vez mais em CT&I, porque o mundo contemporâneo depende profundamente disso. E nós estamos andando para trás. É claro que os recursos em CT&I precisam ser utilizados corretamente. Buscar ser eficiente, melhorar a pesquisa brasileira e tudo isso, mas nada se faz sem dinheiro. O corte drástico que tivemos será uma ameaça muito séria para a própria sobrevivência do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. A EC 95 é um obstáculo muito sério para esse desenvolvimento. O Brasil está perdendo competitividade em escala internacional. Os pesquisadores, muito jovens, já estão desistindo de ir para a área de ciência. Uns estão ficando no exterior e outros estão buscando meios de ir para lá. Os pesquisadores estão desanimando. Grupos de pesquisa estão sendo desmantelados. O CNPq, para esse ano, por exemplo, tem recurso até setembro para pagar bolsa. Daí para frente não tem mais nada. Então, vamos precisar de recursos de outra ordem nos ministérios. Estamos pressionando nessa direção, mas a EC 95 é uma espada que está o tempo todo cortando e ceifando os recursos fundamentais para a ciência brasileira. Em períodos crises, os países apostam em ciência e tecnologia e a gente faz o movimento contrário. É um tiro no pé.

 

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