Professora da UFRGS publicou artigo no Sul 21
Como professora coordenadora da Frente Gaúcha Escola sem Mordaça participei, no dia 07 de agosto, de um debate no Programa Conexão RS da ULBRA TV, motivado por uma manifestação ocorrida na última segunda-feira, em frente a uma escola da rede privada de Porto Alegre, liderada por parlamentares do DEM, MDB e PSL, com a participação de seus assessores, tendo a escola, conforme nota divulgada, reconhecido poucos pais naquele grupo.
Essa manifestação ocorreu como forma de protesto contra uma suposta doutrinação ideológica que teria ocorrido porque um professor de Sociologia apresentou um vídeo do Nexo Jornal com uma entrevista ao professor titular da Universidade de São Paulo, Dr. Sérgio Adorno, coordenador científico do Núcleo de Estudos da Violência.
Durante o debate, uma candidata do PP, não eleita em 2018 ao cargo de deputada federal, afirmou que uma aluna, supostamente filha de policial, teria se sentido ofendida pelo teor ideológico do vídeo apresentado, o qual, segundo ela, representaria a polícia como malvada. E esse fato para ela seria um exemplo de doutrinação.
Podemos imaginar três cenários: (1) a candidata não assistiu ao vídeo e estaria se baseando apenas na opinião de uma adolescente sobre o seu conteúdo, uma menina que poderia estar distraída e não ter compreendido o significado complexo do tema abordado durante a entrevista; (2) a candidata assistiu ao vídeo e não foi capaz de interpretá-lo corretamente; (3) a candidata assistiu ao vídeo, compreendeu a complexidade das raízes sócio-históricas da violência e do desrespeito aos direitos humanos no Brasil, assim como as dificuldades de implementação de Políticas Públicas de Prevenção e os indicadores de que a repressão seja insuficiente para enfrentar as causas da violência. E, neste terceiro cenário, estaria mentindo sobre o conteúdo do vídeo, agindo de má fé, para enganar o telespectador.
Quem assiste a entrevista de Sérgio Adorno e a compreende, percebe que o tema da violência é discutido a partir dos resultados de pesquisas de quase três décadas sobre políticas públicas de segurança no Brasil e em outros países. Trata-se de um material que requer leitura crítica, capacidade de interpretação e de construção de relações com fatos históricos, a partir de perspectivas sociológicas e filosóficas. Para os jovens adolescentes e para muitos adultos com poucos anos de escolarização ou com pouca experiência de leitura, a compreensão do teor do vídeo demanda a mediação e a explicação de professores de história, sociologia e filosofia.
Esse exemplo demonstra o risco de ações e de projetos de lei que pretendem cercear a liberdade de ensinar a partir da denúncia de estudantes e de seus familiares que podem não ter os conhecimentos necessários para compreender o contexto dos temas de estudo e exatamente por isso precisam de professores livres para se expressar e explicar o que ignoram.