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Sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Psicólogo e professor da UFRN fala sobre Janeiro Branco, luta manicominal e prevenção.

Durante todo o mês de janeiro, a ADUFRGS-Sindical se engajou na campanha Janeiro Branco: Precisamos falar sobre saúde mental. Realizamos debates e publicamos matérias e cards sobre o assunto. O mês se encerra, mas o assunto não, pois a ADUFRGS já iniciou uma nova campanha: “Saúde mental é questão sindical”.

“Estamos preocupados com o adoecimento dos nossos colegas. A categoria dos professores é uma das mais expostas às questões emocionais que causam o sofrimento  mental, seja pelo ritmo do trabalho docente, seja pela crise social, econômica e política que estamos enfrentando nos últimos tempos. Por isso, vamos continuar debatendo esse tema ao longo do ano”, explica a diretora de Comunicação da ADUFRGS e psicanalista, Sônia Mara Ogiba.

Na entrevista abaixo, o professor e psicólogo Alex Reinecke de Alvarenga, dirigente do Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ADURN), fala sobre a temática da saúde mental e mais especificamente da luta manicominal. 

Alvarenga tem experiência na área de Psicologia Social e da Saúde, com ênfase em Saúde Mental, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde mental, saúde coletiva, reforma psiquiátrica, questões urbanas, entre outros. É Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na Faculdade de Ciências da Saúde- FACISA, Campus Santa Cruz.

Leia a entrevista.

Portal ADVERSO - Por que é preciso falar sobre saúde mental e como o Janeiro Branco pode estimular a reflexão sobre o assunto?

Alex Reinecke de Alvarenga - A estimativa da Organização Mundial de Saúde-OMS é que uma em cada quatro pessoas necessite de alguma atenção em saúde mental ao longo da vida, a questão do suicídio já é considerado uma epidemia, sobretudo entre os jovens representando a terceira maior causa de morte, a ansiedade e a depressão atingem índices alarmantes, a medicalização excessiva de situações da vida demonstram também a importância de se debater a saúde mental. Embora corresponda a uma situação frequente em nossa vida cotidiana, a saúde mental ainda é um campo negligenciado e eivado de preconceitos e estigmas. 

Ainda, a histórica e equivocada  associação entre doença mental e periculosidade é responsável por situações de preconceito, violências, tratamentos cruéis e degradantes em todo o mundo e colaboram para a visão distorcida de que as pessoas com transtorno mental são agentes perpetradores da violência, quando são, na verdade, vítimas de diversas violações a exemplo do que nos informa o importante trabalho da Daniela Arbex, intitulado Holocausto Brasileiro, que retrata a situação do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, que infelizmente não foi um caso isolado. 
Deste modo é preciso popularizar o tema da saúde mental, pois este ainda é um assunto restrito aos especialistas do campo "psi" e, neste sentido o Janeiro Branco é uma campanha que colabora com ampliação do debate público. Entretanto, importante salientar que o modelo campanhista é de alcance restrito ainda mais quando localizado em um mês como janeiro em que várias instituições estão de recesso e com funcionamento também restrito.

Portal Adverso - Há alguns anos o Brasil enfrentou a luta antimanicominal, o que gera controvérsia até hoje, mas que foi um avanço do ponto de vista dos direitos humanos. O que é preciso avançar nesse sentido? Os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) funcionam?

Alex Reinecke de Alvarenga - Importante diferenciar Luta Antimanicomial que é um movimento social surgido no Brasil na década de 70, um movimento bastante diverso em termos da participação de atores sociais (trabalhadores, usuários, familiares, dentre outros) ainda atuante e que tem como objetivo principal a luta por uma sociedade sem manicômios, algo que é diferente da Reforma Psiquiátrica. Essa embora influenciada por aquela alcançou o status de uma política de Estado após a promulgação da Lei 10.216/2001. 

Acredito que o que se refere como controvérsia é algo inerente às disputas sociais, toda luta social que visa desconstruir práticas seculares geram tal reação.  Faço referência aqui a uma psiquiatria tradicional que produziu um imaginário de que é preciso isolar para tratar e que, no mundo todo, se mostrou ineficiente, cronificadora e violadora de direitos fundamentais. 

O Brasil vinha expandindo uma Rede de Atenção Psicossocial com serviços de caráter comunitário (a exemplo dos Caps) que se tornaram referência mundial, pois os padrões mais atuais de saúde mental reconhecidos pela OMS conjugam as noções de que qualidade de serviços de saúde mental significa a capacidade que estes serviços possuem de garantir direitos. 

Não é mera coincidência que a Lei 10.216/2001 disponha sobre a proteção dos direitos das pessoas com transtorno mental e busque a reorientação do modelo assistencial. A própria Lei demonstra o avanço possível à época, fruto de muita pressão da Luta Antimanicomial, na constatação de que este é historicamente um campo de violações e que precisa substituir o manicômio para avançar. 

Quando falamos de manicômio não estamos falando apenas de um espaço físico, mas de uma prática calcada na exclusão, autoritarismo e violência, não restrito aos muros do hospital psiquiátrico. Assim, acredito que o que precisa avançar é a implementação dos parâmetros já definidos e reconhecidos. 

E, sim, os Caps funcionam, principalmente quando amparados por uma rede diversificada incluindo a atuação da Atenção Básica em Saúde, leitos em Hospitais Gerais, centros de convivência, iniciativas intersetoriais da assistência social, trabalho e geração de renda, dentre outros mecanismos previstos. Os Caps também possuem diferenças de abrangência populacional e funcionamento (Caps I, Caps II e Caps III) sendo o Caps III com funcionamento 24h e a previsão de internação em leitos de curta permanência, e diferenças de públicos (Caps I para crianças e adolescentes; Caps AD para transtornos decorrentes do abuso de drogas).

Portal Adverso - Muitas pessoas só procuram ajuda quando já estão mentalmente doentes, certo? A prevenção em saúde ainda é uma questão a ser trabalhada. O que o senhor teria a dizer sobre isso?

Alex Reinecke de Alvarenga - Existem várias formas de se referir ao campo da saúde mental e seus abalos, cada maneira destas representam um paradigma, expressa uma compreensão sobre o fenômeno, uma explicação das causas e do curso esperado da sintomatologia, das formas de tratar e, por consequência, uma noção de prevenção. Da noção de alienação mental, passando por doença mental e chegando contemporaneamente na noção de transtorno mental ou sofrimento mental - esta última designação que acho mais adequada - temos diferenças muito significativas na organização do campo da saúde mental. 

Um momento importante na transição para o paradigma atual foi a introdução dos psicofármacos na década de 60. Eles permitiram um inegável avanço nos tratamentos, reduzindo a centralidade de um modelo hospitalocêntrico e abrindo caminho para serviços comunitários. Todavia, como o campo da saúde mental esbarra nas polêmicas que envolvem a definição social dos parâmetros do que é considerado normal e patológico, essa transição também foi acompanhada de efeitos colaterais, por assim dizer. 

Em outras palavras, se anteriormente o foco era o grupo restrito das pessoas com doença mental, a partir do atual paradigma da saúde mental o público em potencial ampliou para toda a sociedade, ampliando drasticamente o poder da corporação farmacêutica na definição do que é considerado saúde mental e a sua prevenção. Assim, percebemos que a indústria farmacêutica e os saberes biomédicos caminham de braços dados com o estabelecimento de uma sociedade da alta performance, onde somos bombardeados por exigências muito discrepantes como a de consumir todas as refeições hipercalóricos e ao mesmo tempo ter um corpo sarado, de ter sempre um extraordinário desempenho sexual, de sempre estar feliz independente da vida como esteja, enfim, essa sociedade do consumo e da performance gera contraditoriamente um sujeito frustrado, incapaz e esgotado. 

Com isso quero dizer que a prevenção na saúde mental é um tema complexo que sofre atravessamentos da indústria farmacológica, dos saberes biomédicos, da cultura, das exigências de um sistema produtivo. Acredito que a disponibilidade de uma rede intersetorial de saúde mental, bem como de uma rede de suporte social, familiar, comunitária que incidam no enfrentamento da cultura manicomial que ainda é dominante em nossa sociedade, estas são questões que efetivamente ajudariam em uma prevenção.