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Sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Psicóloga da Fase fala sobre as angústias adolescentes e a dificuldade do ser humano em aceitar a sua complexidade, procurando soluções fáceis.

Estamos no Janeiro Branco, período em que no mundo inteiro se discute a saúde mental. Para entender um pouco mais sobre esse tema e todas as suas nuances, o Portal Adverso publica uma série de reportagens, com entrevistas com profissionais de diversas áreas.

Nesta segunda reportagem da série, conversamos com a psicóloga Regina Jaeger, que desenvolve seu trabalho junto à Fundação de Assistência Sócio-Educativa (Fase). Lá, Regina tem contato com jovens em uma das etapas mais difíceis da vida, que são resultado da falta de oportunidades, de políticas sociais efetivas e de compreensão.

Abaixo, leia alguns tópicos do bate-papo com a psicóloga. 


Retrato da juventude brasileira

Para Regina Jaeger, o Brasil é um país extremamente segmentado e onde a seleção de quem tem ou não um futuro garantido começa desde o nascimento.  “A sociedade é muito selecionadora. Uma criança que nasce no Brasil já passa por uma espécie de seleção no sentido de qual saúde que ela vai ter acesso, porque a criança que nasce no SUS e a que nasce no hospital privado terão acessos diferentes às suas necessidades. E, assim, ela vai crescendo e vai dependendo mais ou menos das políticas sociais”, explica.

As dificuldades, que começam muito cedo, levam os jovens com pouco acesso à saúde, educação, cultura, etc, ao mundo do crime, segundo a psicóloga. “Para os jovens da população mais precarizada, o tráfico é mais acessível. O processo seletivo vai ser menos criterioso: a questão racial, a aparência física ou a escolaridade não serão problemas. Ele vai ter acesso rápido e ganhos rápidos também, pois estamos numa sociedade de consumo, onde isso é uma questão urgente. É um jovem que precisa estar muito cedo levando alguma coisa pra casa, contribuindo financeiramente com seus 13, 14 anos.”

A avaliação é coerente com os dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).  De acordo com o último levantamento,  em 2016, dos 26 mil adolescentes que cumpriam medidas em regime fechado ou semiliberdade, 50% se envolveu em roubos e furtos e 22% com o tráfico de drogas.


Busca pela identidade

Vivemos em uma sociedade capitalista, que, de certa forma, segundo Regina, influencia no adoecimento da população desde a mais tenra idade. “O capitalismo trabalha dentro de determinados esquadrinhamentos sociais. A medida que eu vou esquadrinhando, me colocando em determinados lugares, eu vou sofisticando o consumo. Mas também é um modo de funcionar, de fazer com que cada um tenha a sua tribo”, explica.

Ou seja, em um sistema capitalista, o jovem se sentiria pressionado a se encaixar em uma “tribo” e, assim, passar a consumir a cultura e os produtos que aquele grupo consome. Todo aquele que não se enquadra, é tratado com desprezo. “Operamos em um sistema em que pessoas são desprezíveis, matáveis, ou seja, o Estado as descarta”, conclui Regina.

Mas por que se convencer de que tem que se constituir logo em uma identidade? 

Essa urgência não é saudável, conforme a psicóloga. “Com isso, vai se criando essas dimensões do adoecimento, porque nem sempre se consegue atingir esse roteiro de vida, que para muitos já é pré-definido . Dentro desse processo seletivo, se a pessoa não se adapta, é anormal. E já começa a transformar esses comportamentos em sintomas. Com isso, 'patologizamos' a vida e afetos são 'medicalizados'”, afirma Regina.  

A medicalização é um recurso considerado rápido e prático, o que, de alguma forma, é favorecido pelo acesso às tecnologias. “Hoje tem um certo ordenamento contemporâneo de 'vamos facilitar tudo': as redes sociais, o Google, tudo tem fácil acesso, tudo é muito acessível.  Então, com isso 'eu vou ter também umas curas acessíveis e fáceis'. E essas facilitações muitas vezes vem em terapias enganosas”, explica.

Entretanto, define Regina, não devemos generalizar tratamentos. “O papel da psicologia é buscar essa compreensão, uma prevenção no sentido de trazer a potência das pessoas de existirem, seja pela arte, pelo conhecimento ou por várias outras vias, que não seja simplesmente elas se convencerem de que estão doentes e precisam de medicação”.


Trabalho do psicólogo

O trabalho do psicólogo em uma instituição como a Fase, explica Regina, é feito em rede, cada um com suas funções, ou seja, de forma multidisciplinar. Isso porque, até chegar à Fundação, muitos dos adolescentes já passaram por outras instituições que, de certa forma, falharam.

Mas como ajudar, de fato, crianças e adolescentes que revelam, muitas vezes, as consequências de um lar desestruturado?

“Primeiro, a gente deve pensar sobre essas trajetórias que são mais conhecidas e que aparecem na Fase de forma mais radical, na radicalidade da violência”, esclarece. “O psicólogo pode ajudar buscando fortalecer aquilo que existe. Quando a gente (melhor mudar para: Aqui acho melhor mudarmos para Quando falamos de família desestruturada, temos que pensar que é a família que ele (o jovem) tem, que está desestruturada, mas é uma família, que tem muita força, muita potência de vida.” 

Os familiares também devem exigir atenção do poder público, ir atrás das políticas, daquilo que seria acessível para todos mas que muitas vezes não é, de acordo com a psicóloga. “E não é por ter um filho na Fase que as pessoas têm que ter vergonha disso. Ao contrário. Essa realidade pode ser mudada”, incentiva. “Muitas vezes a gente  se convence de que é incapaz, de que o filho já não deu nada, de que a vida tem pouco pra dar. E se sente fragilizado. Mas não é porque o filho cometeu um ato infracional que ele vai ser um delinquente para o resto da vida”, alerta.

A busca dos profissionais da saúde pelo conhecimento é outra forma de colaborar, conforme Regina. É preciso se atualizar, debater, trocar ideias, buscar novas formas de promover a saúde. “Os recursos estão cada vez mais reduzidos, mas a medida que a gente está se propondo a trabalhar dentro do Estado, precisa, com as nossas forças, buscar outras forças para afirmar políticas e ações. É necessário buscar uma dimensão coletiva para encontrar outras formas de pensar e de viver”, conclui.