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Terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O Escritório Modelo Albano Volkmer (EMAV) foi institucionalizado em 2008 e, desde então, está inscrito como uma atividade de extensão da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

Com origem em uma proposta antiga nos cursos de Arquitetura e Urbanismo espalhados pelo Brasil, os escritórios modelos (EMAUs) são uma bandeira de estudantes e professores socialmente engajados. De iniciativa e gestão estudantil, e sem fins lucrativos, o EMAV atua junto as comunidades que não têm acesso ao trabalho de um arquiteto pelos meios convencionais. Por isso, a concepção e execução dos projetos têm a participação ativa dos beneficiários, com foco na sustentabilidade. 

História do EMAV

A história do EMAV começou em 2007, quando um grupo de estudantes do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura (DAFA) foi escolhido para criar um Escritório Modelo. A proposta dos integrantes era criar um órgão dentro da faculdade, que tivesse como objetivo estabelecer uma troca, levando o conhecimento da universidade para a sociedade e, ao mesmo tempo, aprendendo com a vivência da comunidade.

No final de 2007, o então diretor da Faculdade de Arquitetura, José Albano Volkmer, que era um professor muito querido de seus alunos e muito engajado politicamente, faleceu. Ele acreditava na responsabilidade social do arquiteto e apoiava a ideia de que os alunos devem conhecer e praticar a arquitetura além das portas da faculdade. Foi diretor da Faculdade de Arquitetura duas vezes e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/RS). 

Para o atual orientador do EMAV e professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Leandro Marino Vieira Andrade, “o professor Albano foi um dos maiores incentivadores do trabalho de extensão na área de arquitetura, uma figura importantíssima do ponto de vista da defesa da profissão de arquiteto e do ensino da arquitetura. Além de todo o seu currículo profissional e acadêmico, foi muito admirado por todos. Então, quando se pensou em dar um nome para o escritório, o dele surgiu naturalmente”.

Somente em 2008, após um ano de muito trabalho, pesquisa e atividades práticas, o EMAV foi, finalmente, apresentado à Faculdade e institucionalizado.

Hoje, o EMAV estimula o desenvolvimento sustentável e a preservação do patrimônio, da cultura e da memória social das comunidades trabalhadas, motiva os estudantes para promover atividades sociais, possibilitando a prática profissional que completa e enriquece o que é aprendido na faculdade e faz dos acadêmicos agentes multiplicadores de ações dentro e fora da universidade, incentivando a interdisciplinaridade e a interação com a comunidade.

O Coordenador da Comissão de Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, professor José Carlos Lemos afirma que, no campo da arquitetura e do urbanismo, os Escritórios Modelo são uma das maneiras ideais de executar e implementar, com efetividade, a extensão universitária. Para ele, o EMAV tem, ainda, o diferencial de colocar o processo de criação de projeto completamente à mercê da comunidade carente. Ou seja, os estudantes se esforçam em não influenciar o programa de necessidades, fazendo com que os usuários do projeto sejam ativos no sentido mais rigoroso da palavra. “O projeto arquitetônico que vai nascendo é, desta maneira, sempre muito identificado com a vida, costumes, história e linguagens das populações envolvidas.”

Lemos conta que o EMAV “já foi criticado pelas corporações profissionais de arquitetos e urbanistas, porque a proposta é que alunos participem de um 'escritório' que produza serviços de arquitetura e urbanismo para comunidades e populações carentes.” A ideia é que sejam serviços profissionais com a orientação de professores graduados e sem custo para estas populações. A crítica seria a de “concorrência desleal", uma vez que nos Escritórios Modelos não existem pagamentos ou remunerações. O professor contesta estes argumentos, destacando que “os serviços para comunidades carentes não são rentáveis e, portanto, não são objeto de interesse para escritórios 'comerciais'. O que incomoda alguns é o conceito”, destaca.

Para o orientador do EMAV, Leandro Andrade, que participa da iniciativa desde a fundação, em 2007, “o Escritório é uma iniciativa estudantil, de autogestão, criada através de discussões amplas, horizontais e participativas, que não propõe projetos, mas, em contato com as comunidades, e através de suas demandas, junta-se a elas para realizá-los. Além disso, o EMAV não faz projetos para indivíduos, mas para comunidades em situação de fragilidade social, que se enquadram na ideia ampla de projeto participativo de Arquitetura e Urbanismo.”

Entre os projetos desenvolvidos, Andrade destaca a escola de educação infantil da São Judas Tadeu, próximo da PUC, e a escadaria do Bairro Jardim Universitário, junto ao Campus do Vale, em Viamão. 

Para marcar uma década de existência, ocupando salas precárias da Faculdade de Arquitetura, o Escritório Modelo se prepara para um upgrade. “Neste ano de 2016, fomos contemplados com recursos federais do Ministério da Educação. Apresentamos a proposta e recebemos recursos consideráveis para manter um grupo grande de bolsistas e comprar equipamentos. Dentro desse projeto maior, incluímos uma aspiração mais antiga nossa, que era ter um espaço próprio para trabalhar, a nossa própria sede. Conseguimos apoio da Superintendência de Estrutura da Pró-Reitoria de Extensão e, agora, se tudo der certo, o Escritório terá o seu espaço democrático e de extensão.” 

O projeto para a construção da sede própria do EMAV já está finalizado, assim como os equipamentos estão comprados e começam a ser recebidos. Pelo edital do Programa de Extensão Universitária (PROEXT), que o EMAV ganhou em 2015 e está vigente para 2016-17, foram adquiridos equipamentos, como computadores e materiais para auxiliar no trabalho dos alunos. Paralelamente, a UFRGS doou dois containers, que serão instalados no Campus Centro. A previsão é que a nova sede comece a ser construída imediatamente. 

Lucas Rufino, aluno do 5º semestre do curso de Design de Produtos e bolsista do EMAV, reconhece a necessidade de sair do espaço físico da Faculdade de Arquitetura, o que, segundo ele, “permite cortar um pouco esse vício de olhar a Universidade com seus moldes já determinados há muito tempo. Um espaço como esse que estamos construindo para o EMAV é muito importante, tanto para uma visão de dentro da universidade, como para ser um espaço diferente, de inserção, onde a comunidade pode interagir. 

O grupo de alunos é, na avaliação do professor Andrade, “interdisciplinar de verdade, com estudantes de arquitetura, engenharia, serviço social, geografia, comunicação. É um grupo aberto a estudantes de qualquer curso”. 

Estudantes e professores de qualquer universidade podem participar do EMAV como voluntário. Para ser bolsista, o interessado precisa ser aluno da graduação da UFRGS. “Hoje, são 14 bolsistas, mas o grupo do EMAV é muito maior do que isso. Temos pessoas que já foram bolsistas, que já se graduaram e continuam colaborando de alguma forma. A gente tenta ser o mais aberto possível”, ressalta Andrade.

Para Fernanda Évelyn Ferreira, bolsista do EMAV e aluna do 6º semestre do curso de Serviço Social, “o EMAV é bem horizontal. Majoritariamente, é composto por pessoas do curso de Arquitetura e Urbanismo, mas tem alunos de diversos outros cursos, bolsistas e, também, voluntários”.

“As bolsas são selecionadas por cursos que têm afinidade com os trabalhos desenvolvidos pelo EMAV, como serviço social, psicologia, jornalismo, design. Hoje, o Escritório comemora a ampliação do número de participantes que foi viabilizada pelo programa de extensão do Governo Federal”, explica Elisa Utzig, que é bolsista do EMAV e cursa o 7º semestre de Arquitetura e Urbanismo.

“Politicamente, o EMAV foi uma das coisas mais importantes da minha vida, tanto no aspecto de participar do diálogo com o poder público em lugares não convencionais, quanto para ver o lado negativo, do poder público usando artimanhas para não assumir seus próprios deveres. Por exemplo, o Morro da Cruz é uma Área de Preservação Permanente. Teoricamente, o poder público não tem o dever de garantir a permanência destes moradores, mas tudo isso entre aspas, porque, no momento em que a população está lá, o poder público passa ater obrigação de cuidar dela.”

Depoimentos

“O aspecto mais relevante dos projetos é a relação das pessoas com o seu espaço. A forma como, ao trabalhar a lógica espacial, transformam-se as relações sociais das comunidades e vice-versa. Desse diálogo, criam-se alternativas para a sociedade.” (Rafael Berny, voluntário do EMAV e aluno do 9º semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo).

“As pessoas que se interessam pelo tipo de trabalho que o EMAV faz sonham com uma sociedade mais justa, igualitária e livre de opressões, assim como muita gente sonha. O mais importante é que a gente tenta fazer isso na prática. Não adianta defender uma sociedade mais igualitária e usar mecanismos autoritários para realizar as ações. A autogestão é um sonho, uma sociedade livre de hierarquias, sem diferenciação entre quem executa e quem manda. No EMAV, conseguimos fazer isso na prática, da maneira que nos organizamos. Concordo com os professores nos ajudando, mas com o mesmo grau de hierarquia que a gente, trabalhando junto. E é isso que também tentamos espalhar por aí, através das nossas práticas.” (Gustavo Ruwer, bolsista do EMAV e aluno do 1º semestre do curso de Ciências Sociais).

“O EMAV promove um diálogo entre os saberes acadêmico e popular, que tenta levar à população a ideia de autonomia, no sentido de que a população se organize e tenha iniciativa. O intuito de propagar a  ideia de autonomia deu certo, tanto que os moradores do Beco das Pedras estão fazendo mutirões para expandir a organização dos espaços da comunidade onde vivem.” (Bruno Löff Leite, bolsista do EMAV e aluno do 9º semestre do curso de Engenharia Civil). 

Trabalhos desenvolvidos pelo EMAV

2013 – Sobre aproximação e apropriação: o processo de projeto participativo da Escola de Educação Infantil da Vila São Judas Tadeu

No ano de 2011 surge a demanda pela realização de um projeto de Escola de Educação Infantil na Vila São Judas Tadeu, em Porto Alegre. Esta comunidade rejeitou os projetos padrão realizados pela Prefeitura, e solicitou ao EMAV e ao NORIE (Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação), ambos da UFRGS, um projeto alternativo, com elementos de sustentabilidade e mais adequado ao seu local de implantação. Este projeto foi desenvolvido, com participação da comunidade beneficiada, buscando soluções adequadas ao local e aos anseios da comunidade, e implementando tecnologias construtivas e sistemas mais sustentáveis. O projeto recebeu Menção Honrosa no Prêmio Extensión Arquisur.

2014 - Escadaria da Rua Sete Povos em Viamão-RS: uma experiência de organização popular e autoconstrução

Construção de uma escadaria na comunidade do Bairro Jardim Universitário, em Viamão, a partir da identificação de problemas de infraestrutura urbana. Articulada pela Associação de Amigos e Moradores do Jardim Universitário (AAMJU) e grupos de apoio, fundamentalmente compostos por estudantes de diferentes campos disciplinares, a deliberação de autoconstrução da escadaria se baseou no consenso entre moradores e acadêmicos, na horizontalidade das relações e na autonomia das ações em relação ao poder público. Desenvolvido ao longo de quatro meses, o processo contou com a tomada de decisões em assembleias, com o autofinanciamento pela comunidade e com a prática da construção por mutirões, nos quais os grupos de atores envolvidos participaram diretamente, e para o qual o “saber local” e a relação dialógica de saberes com os extensionistas foi fundamental. O projeto ficou em segundo lugar no Prêmio Extensión Arquisur.

2015 – Creche Esperança e Centro Comunitário Vila São José: a arquitetura como instrumento de emancipação da sociedade e formação de redes 

Desde 1999, a comunidade da Vila São José, na região metropolitana de Porto Alegre, testemunhou um fenômeno de organização comunitária por parte de moradoras que constituem a ARLAS2. O trabalho compartilhado de coleta de resíduos sólidos, para geração de renda, impulsionou as moradoras a formar uma associação, com objetivo de buscar melhorias para o bairro. Em 2013, com recursos oriundos da compensação urbana de um loteamento próximo, e em parceria com o Instituto Elos, a comunidade se voltou para o seu espaço, requalificando a praça adjacente ao galpão de reciclagem. Em janeiro de 2014, foi formada a parceria com o EMAV para, através de metodologias participativas, planejar a Creche Comunitária Esperança. O Bairro Guajuviras foi uma ocupação informal, entretanto, o terreno destinado a esse equipamento urbano, que há muito era um sonho dos moradores, havia sido preservado de ocupações pela própria comunidade. Junto à creche, e com ainda maior prioridade, foi elencado como objetivo construir o Centro Comunitário da Vila São José, como sede da ARLAS. Essa parceria entre sociedade civil organizada e agentes acadêmicos continua a promover ações voltadas para o desenvolvimento sócio-espacial da comunidade e se insere em um contexto de produção democrática e autônoma da cidade.

Projeto do EMAV é premiado na Arquisur 

O projeto Práticas Participativas no Beco das Pedras deu ao EMAV o primeiro lugar no Prêmio Extensión Arquisur 2016, concedido pela Asociación de Escuelas y Facultades de Arquitectura Públicas de América del Sur (ARQUISUR), no congresso realizado em Concepción, no Chile. 

O que é

O Beco das Pedras é uma passagem de difícil acesso, localizado no Morro da Cruz, Zona Leste de Porto Alegre. Sendo área não regular, a comunidade não tem acesso pleno aos serviços públicos básicos. O Morro da Cruz é estigmatizado pela mídia, como local com forte presença do tráfico de drogas e altos índices de violência. No Beco, moram cerca de 20 famílias, a maioria na faixa entre 20 e 45 anos, desempregados e beneficiários de programas sociais. Está situado numa área de proteção permanente, que vem sendo ocupada de maneira informal há aproximadamente 50 anos. Ou seja, o Estado apenas tolera a presença dos moradores no local, sem oficializar o direito à posse da terra. Por isso, a manutenção de tudo o que é público, como a rua, o calçamento, a iluminação, o esgoto e o lixo acabam se tornando uma responsabilidade da própria comunidade. 

Desde 2014, o EMAV vem desenvolvendo um processo participativo, com ações relacionadas ao saneamento, à coleta de lixo e ao acesso às moradias no Beto das Pedras. Nos primeiros encontros, foi identificada uma série de demandas oriundas da comunidade. Com o objetivo de agregar mais pessoas ao processo e fortalecer o sentido de comunidade, foi escolhida a pauta do lixo para começar. As primeiras atividades foram voltadas à organização do grupo, buscando estabelecer uma relação de confiança e parceria, criando o hábito de se reunir para discutir os problemas locais. Como a comunidade não possuía um espaço de convivência, as reuniões começaram de forma itinerante, sendo realizadas cada vez no pátio de uma casa. 

Hoje, os moradores se preparam para fundar sua própria associação comunitária. Várias dinâmicas foram propostas pelo EMAV, em conjunto com as famílias. As primeiras, voltadas à conscientização ambiental, incluíram mapeamento de pontos de acúmulo de lixo, mutirões e confecção de lixeiras. Após pressão junto à Prefeitura, o maior foco de lixo foi retirado. O terreno limpo foi conquistado pela comunidade e transformado em um espaço de convivência.

Fonte: vídeo "Uma questão de autonomia: práticas participativas no Beco das Pedras". 

“Mérito é integralmente dos alunos”, diz coordenador do projeto

O professor José Carlos Lemos ressalta a postura crítica dos alunos do EMAV que, apesar de ficarem felizes e honrados com a premiação, por ser a valorização de um projeto de extensão popular, posicionaram-se publicamente contra o método de avaliação meritocrático, que permeia toda a estrutura acadêmica. Contudo, ele reconhece que se trata de um prêmio muito prestigiado, porque envolveu dezenas de universidades de toda a América do Sul e gigantes, como Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Buenos Aires e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre outras.

“Eu tive e tenho a honra de ser o coordenador deste projeto, inclusive fui eu que recebi o prêmio, em minhas mãos, no Chile, porque estava lá representando o Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, como Coordenador Pedagógico. Porém, devo admitir o papel absolutamente coadjuvante do professor nas atividades do EMAV. O mérito é integralmente dos alunos”, destaca.


Texto e fotos: Daiani Cerezer
ADverso/Edição 223 - Novembro/Dezembro - 2016