O evento foi transmitido ao vivo no YouTube e no Facebook da ADUFRGS-Sindical.
A aprovação de uma lei orgânica que regulamente a autonomia e a democracia previstas na Constituição Federal para as universidades foi o tema do debate desta quinta-feira, 29, no Seminário Regional “Em Defesa da Democracia e Autonomia Universitária”, promovido pela ADUFRGS-Sindical e a Frente Nacional de Luta pela Autonomia e a Democracia nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs). O evento foi transmitido ao vivo no Facebook e YouTube da ADUFRGS.
Os debatedores da Mesa 2 do seminário foram os deputados federais Gastão Vieira (PROS), Maria do Rosário (PT), da Comissão de Educação da Câmara, e o ex-ministro da Educação e da Justiça, Tarso Genro. A coordenação ficou a cargo dos professores Rui Oppermann (UFRGS) e Paulo Ferreira (UFPEL), reitores não nomeados pelo atual governo, após a eleição em suas comunidades acadêmicas.
O professor Rui Oppermann, em sua introdução como coordenador da mesa, lembrou a importância da autonomia e da democracia para que a universidade cumpra seu papel. “Para além da escolha do reitor, autonomia e democracia são essenciais para que a universidade possa exercer seu papel na fronteira do conhecimento e preparar quadros qualificados para a sociedade”, explicou Oppermann.
A seguir, Paulo Ferreira, também coordenador, esclareceu que, em breve, acontecerá um seminário nacional nos moldes deste seminário regional promovido pela ADUFRGS-Sindical e frente de reitores. Em seguida, falou sobre a autonomia descrita na Constituição Federal, “um texto claro e objetivo”. “Precisamos construir um arcabouço legal, uma vez que as instituições são de Estado e não de governo, nem de um governo específico”, alertou.
A Mesa 2 iniciou com a participação do ex-ministro Tarso Genro, que traçou um panorama da situação da guarda da Constituição Federal no Brasil, a partir de um texto do jurista Carl Schmitt. “Em seu texto, ele diz que ‘o führer comanda o direito’”, apontou Genro. “Esse texto, baseado na questão constitucional moderna, diz quem é o guardião da Constituição. Se é o Supremo Tribunal Federal ou o Executivo, o presidente, o führer. Ele diz, nesse texto, que o führer comanda o Direito”, prosseguiu, e em seguida comparou, lembrando que na Constituição diz que é o Supremo Tribunal Federal.
“No Brasil, até a declaração de suspeição de [Sergio] Moro, quem estava fazendo isso, sendo guardião da Constituição, era o führer”. O ex-ministro citou o filósofo Martin Heidegger. “Heidegger, em 1933, foi convidado por Hitler para ser reitor da Universidade de Friburgo. Era um filósofo de prestígio internacional, que confiou na sua capacidade pessoal de fazer mediações para naquele momento ser o 'intérprete da nação alemã', que seguia, naquele momento, a voz do führer, o dono da interpretação e da materialidade do direito. Heidegger até tentou, em alguns momentos, proteger professores judeus que acabaram sendo enviados para campos de concentração. Chegou um momento em que ele saiu. Os nazista começaram a desconfiar dessas pequenas intervenções que ele fazia. E ele foi para a lata de lixo da história. Foi considerado um reitor, e foi mesmo, que apoiou o nazismo, sequer teve a capacidade de produzir algumas concessões democráticas que pelo menos salvaguardassem alguma coisa da autonomia universitária", contou.
“Hoje nós temos nas universidades reitores que entram em eleições, competições, sabendo que não serão os mais votados, mas confiando na voz do führer, que comanda o direito, acima da Constituição, da lei e das instituições que regulam a vida acadêmica”, concluiu.
Na sequência, a deputada Maria do Rosário afirmou que o atual governo é contra a política, que nega a política, e chamou a atenção para o negacionismo existente. “Nunca esteve tão claro o negacionismo científico. E as primeiras cátedras atacadas, foram as de Humanas. Mas os ataques atingem também as ciências”, disse a deputada. Em seguida, afirmou que há uma “guerra ideologizada, permanentemente”, em que “politizam tudo, no sentido ruim, não conseguem conviver com a diversidade, nem sequer com a de pensamento”. Segundo ela, a liberdade de cátedra está sendo atacada porque a democracia está sendo atacada.
Após a fala da deputada, Gastão Vieira, deputado proponente do PL 4992/2019, que “dispõe sobre a autonomia das universidades, prevista no art. 207 da Constituição Federal”, afirmou que é preciso mudar a forma de discussão do tema entre os parlamentares. “A melhor maneira de alcançar algo na educação é negociando”, afirmou. Segundo o deputado, o momento não é favorável à aprovação do projeto, que precisa de mais apoio, inclusive de outros partidos.
Encerrada a primeira parte do debate, Oppermann questionou os debatedores o que fazer diante do atual cenário. “Se o clima não é bom para aprovar uma lei, o que fazer além de só resistir?”, perguntou.
O deputado Gastão Vieira comentou que se dispõe a retirar sua proposta para a construção de outra com maior possibilidade de sucesso. “É preciso atrairmos mais apoiadores, ter maioria para construir uma proposta mais avançada”, disse o deputado.
A deputada Maria do Rosário acrescentou que o cenário não é estático e está se movendo, a exemplo da CPI da Covid. “O desprezo à ciência está sendo cobrado. O Parlamento não muda de dentro para fora, mas de fora para dentro, e as opiniões mais críticas ao governo estão crescendo, e essas opiniões são sensíveis aos deputados”, disse Rosário, que exemplificou a vitória na questão do Fundeb como uma vitória construída com a sociedade.
Durante o debate fomentado pela audiência sobre como preservar a natureza pública das universidades, e de como fazer para que a sociedade perceba a sua legitimação, foi proposto pelo deputado Gastão Vieira que haja alguma ação, como uma audiência pública, em que representantes das universidades exponham a situação atual, como os cortes de verbas sofridos, e o que mais seria possível fazer pela sociedade se não fossem esses cortes.
Ferreira acrescentou que Pedro Hallal, ex-reitor da UFPEL, que teve o nome sugerido durante a discussão para fazer essa exposição em audiência pública, é um exemplo das retaliações sofridas nas universidades. “As intervenções de Hallal na mídia, inclusive, nós acreditamos fortemente, que foram o que motivou os cortes à pesquisa EPICOVID-19 que ele vinha conduzindo, e inclusive à minha não nomeação, pois eu sou o sucessor dele, ele não concorreu à reeleição, mas nós creditamos esse momento a uma possível retaliação Às atitudes pró-ciência e pró-vidado nosso ex-reitor”, relatou o professor.
O ex-ministro Tarso Genro, destacou que “as grandes crises humanas são seguidas de posições fascistas. E as lutas particulares foram importantes, mas não determinantes. O importante é o somatório, junto a um momento determinado, que pode acontecer a qualquer momento na política. “Por exemplo, o ministro [Edson] Fachin decretar a nulidade da jurisdição de Moro”, exemplificou. “É importante acompanhar o momento político que permita essas alterações, mapear fatos como esse”, concluiu.
Programação
Na terça-feira, 27, a Mesa 1 do seminário tratou do tema “A natureza jurídica das IFEs no estado democrático de direito”. A programação continua no dia 5 de maio, com o tema “A importância das comunidades das IFEs na luta pela autonomia”. Para acompanhar basta acessar o debate ao vivo no Facebook e YouTube da ADUFRGS-Sindical.
Veja alguns comentários durante a live:
Sergio Bampi
#ReitorEleitoReitorEmpossado . Democracia é pressuposto para a Autonomia Universitária, Defender, antes de tudo, os valores democráticos tão atacados neste cenário global.
Angela Kirchner
Perfeito. Negacionismo da Ciência é a base de um governo fundamentalista, alavancador de, numa guerra cultural, porta aberta ao facismo autoritário.
Ricardo Berbara
Saudações Reitores Rui e Paulo desde a UFRRJ. Estamos juntos nessa campanha.
Eduardo Rolim de Oliveira
Tenho muito prazer em conhecer pessoalmente 3 palestrantes Governador Tarso e os deputados Rosária Gastão. com esse pesquise justamente discutindo em 2019 a proposta de autonomia universidade
Erico Madruga
Perfeito, Ministro! O Estado DEMOCRATICO e DE DIREITO está em risco e precisamos resistir. Deputada Maria do Rosário, sempre guerreira na defesa da democracia e da educação pública! Obrigado por sua luta, estamos há um ano sob intervenção no IFSC.
E recentemente apresentaram um projeto de lista tríplice para os IFs também... retrocesso.
Angela Kirchner
Perfeito Negacionismo da Ciência é a base de um governo fundamentalista, alavancador de uma guerra cultural, porta aberta ao facismo autoritário.
Morgana Cambrussi
Maravilhoso, Deputada! O triste é ter os fascistas ao lado... dentro das universidades, atacando de dentro...
José Angelo Zuanazzi
Boa noite. Excelente colocação do Tarso Genro. Expõe a gênese do que está acontecendo.
Eduardo Silva
O infame projeto que quer introduzir lista tríplice nos IFs é o PL 1453/2021.
Roberto De Souza Salles
Grande condução do Reitor legítimo, Rui Oppermann!
Marcel Fernando da Costa Parentoni
Reflexão muito importante para a conscientização da população! Estamos aqui em Itajubá/MG, em defesa das universidades e da democracia no nosso país. Prof. Marcel Parentoni, Reitor Eleito da UNIFEI
Felipe Comunello
Estou aqui com alunos e alunas da minha disciplina de Introdução ao Pensamento Social da Bacharelado Interdisciplinar em C&T do Campus Litoral Norte, que deve muito ao reitor Rui e demais presentes.
Estamos trabalhando o tema da erosão democrática e esse debate de hoje é exemplar disso.
Sônia Ogiba
Excelente análise ex-Ministro Tarso Genro, agradecemos, novamente, sua participação no Seminário.
Obrigada pela contribuição, deputado Gastão Vieira. Bravo: um ponto que nos leve ao caminho!!
Nosso muito obrigada a todos os palestrantes pela excelência das análises sobre a autonomia em nossas IFEs e das relações intrínsecas com a democracia na sociedade.
Assista as lives dos primeiros dias de seminário no YouTube
“A natureza jurídica das IFEs no estado democrático de direito”
“Desafios políticos da autonomia universitária: uma lei orgânica para as IFEs”
Confira a programação completa do evento aqui.