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Quarta-feira, 14 de abril de 2021

Confira nova entrevista da série com o presidente do Conselho de Representantes da ADUFRGS, Felipe Comunello

A autonomia universitária está em risco e a ADUFRGS-Sindical, que representa os docentes da UFRGS, UFCSPA, IFRS e IFSul, estimula a discussão sobre esse tema a partir de uma Série de entrevistas com professores/as e pesquisadores/as de instituições federais de ensino. Com essa Série, o Sindicato pretende levar a discussão à sociedade.

Desde o início do governo Bolsonaro, 17 reitores foram indicados pelas suas comunidades acadêmicas e não empossados. Na maioria dos casos, foi escolhido o terceiro nome da lista tríplice e, em alguns, nomeado um interventor.

A lei não impede que seja nomeado o segundo ou terceiro da lista tríplice, mas desde a inclusão das consultas à comunidade para escolha de reitores na Constituição Federal que o Brasil não via um desrespeito tão grande com um processo democrático e legítimo. Isso não se dá somente na eleição de reitores, mas se estende à gestão administrativa das instituições de ensino. Tanto, que os reitores eleitos e não nomeados estão recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a autonomia universitária.

Para o entrevistado dessa série, o presidente do CR – Conselho de Representantes da ADUFRGS, Felipe Comunello, as nomeações impostas pelo Governo Federal também se fundam no anseio antidemocrático de grupos e movimentos no interior das Universidades. Ele menciona ainda a criação no CR do Grupo de Trabalho (GT) sobre o tema Democracia. Leia, nesta entrevista, a opinião do professor sobre o tema.

PORTAL ADVERSO: Qual sua visão sobre o processo de escolha dos reitores de universidades e o respeito à lista tríplice?

FELIPE COMUNELLO:  Os últimos processos de escolha de reitores estão marcados pelas tentativas de intervenção por parte do Governo Federal. Cabe ressaltar que governos de diferentes espectros políticos respeitaram os processos levados a cabo nas universidades desde o início dos anos 1990. A partir de 2016, com a ascensão do autoritarismo, as Universidades passaram a ser um dos principais focos de resistência democrática, o que as transformou em alvo privilegiado de ataque. Estão em jogo os direitos fundamentais firmados na Constituição Federal de 1988, tais como saúde e educação, os quais o Estado deve promover e garantir. Nesse contexto, o Governo atual faz uso da lista tríplice, um resquício autoritário do regime ditatorial que vigorou entre 1964 e 1985. Desse modo, com o intuito de controlar a crítica, o governo acaba por colocar em risco a produção científica, cultural, artística e tecnológica das Universidades. É a dilapidação de um patrimônio da população.

PORTAL ADVERSO: O que pensa sobre o conceito de autonomia das universidades?

FELIPE COMUNELLO: O conceito de autonomia garante que as Universidades levem a cabo ensino, pesquisa e extensão de excelência, alcançando reconhecimento nacional e internacional. Mesmo com todas as restrições e ataques, estamos vendo a importância desse trabalho durante a pandemia. Profissionais ligados às Universidades (docentes, técnicos e estudantes), destacam-se pela atuação em pesquisas científicas, na assistência à população ou na divulgação científica. Sem isso, as consequências da ação do vírus seriam ainda piores. Porque a autonomia permite que as Universidades atuem de acordo com os critérios definidos pelas suas próprias comunidades, os quais são exaustivamente debatidos e analisados. A interferência por governos de plantão pode levar a resultados desastrosos.

PORTAL ADVERSO: Por que acredita que estão sendo feitas nomeações, que nem sempre respeitam a escolha da maioria?

FELIPE COMUNELLO: Além de intervenção perpetrada pelo Governo Federal, tais nomeações também se fundam no anseio antidemocrático de grupos e movimentos no interior das Universidades. Na UFRGS, por exemplo, o reitor nomeado chegou a buscar uma liderança político-partidária alinhada ao atual governo, que promoveu uma verdadeira campanha pública baseada em seu viés ideológico. Aliás, o processo todo foi bastante conturbado, o que em larga medida nos levou a criar um Grupo de Trabalho (GT) sobre o tema democracia no Conselho de Representantes da ADUFRGS-Sindical. As ações deste GT devem ser divulgadas brevemente.

PORTAL ADVERSO: Qual a receptividade da comunidade acadêmica a um reitor que não é o escolhido pela maioria?

FELIPE COMUNELLO: As situações são muitas diversas. Mas, em geral, temos visto grande repúdio das comunidades acadêmicas. Na UFRGS após a nomeação e a posse da nova administração experimentamos um cenário relativamente caótico, gerado pelo vilipêndio e o desrespeito para com as dinâmicas democráticas e administrativas. A situação administrativa tem sido motivo de grande preocupação, tanto pelas significativas mudanças na estrutura da administração central promovidas pela nova gestão, que acabaram de ser rechaçadas pelo Conselho Superior, quanto pelo vácuo administrativo que começa a se instalar. Isso tem várias consequências, mas é preciso salientar o relativo atraso em decisões importantes, que afetam a vida de milhares de estudantes e suas famílias, como a realização do vestibular e o calendário para o primeiro semestre de 2021. Enfim, precisamos avaliar com bastante cuidado como estão atuando estes reitores. Essa é uma tarefa em que os Sindicatos podem assumir um papel protagonista, na vigilância e no acompanhamento das decisões, bem como nos diversos efeitos nas comunidades. Por exemplo, estamos conseguindo ter nossas liberdades constitucionalmente garantidas? Ademais, estamos há mais de um ano em trabalho remoto. Nesse período os contatos entre docentes, discentes e técnicos têm sido bastante dificultados, o que prejudica a reorganização diante destas situações novas. Por outro lado, o trabalho no modo home office e o agravamento da crise sanitária, política e econômica do país são elementos que causam efeitos ainda pouco (re)conhecidos nas Instituições. Cabe questionar quais as ações que as novas administrações estão tomando, mais um papel no qual os Sindicatos devem ser protagonistas.

PORTAL ADVERSO: O Future-se e a reforma administrativa impactam na redução da presença do Estado na educação pública, quais as consequências para a comunidade escolar e para a população?

FELIPE COMUNELLO:  A maior parte da população brasileira terá cada vez menos acesso a serviços como saúde e educação. Os níveis de renda são insuficientes. Mesmo em países com maiores níveis há crescente demanda por ampliação dos serviços públicos. Um bom exemplo é o Chile, onde a população tem demonstrado grande insatisfação com o modelo que se quer copiar por aqui. O Future-se e a reforma administrativa são propostas que devem ser bem conhecidas e amplamente divulgadas. Elas não podem ser feitas a toque de caixa, como está acontecendo agora com a PEC 32/2020. Porque elas fazem parte de uma reforma fiscal mais ampla que começou com a PEC241/EC95 e trazem mudanças abrangentes e profundas. É preciso repudiar fortemente este modus operandi. Finalmente, parlamentares precisam ser cobrados de suas posições. O que estamos vendo neste momento da pandemia, em especial a falta de vacinas e de leitos hospitalares, pode se tornar a regra e não a exceção.

Leia aqui as outras entrevistas já realizadas.

http://www.portaladverso.com.br/colunista/1874/e-da-natureza-das-universidades-serem-um-lugar-de-resistencia-ao-obscurantismo-e-ao-autoritarismo-afirma-joao-carlos-salles

http://portaladverso.com.br/noticia/1887/o-governo-bolsonaro-tem-que-ser-contido-antes-que-seja-tarde-diz-sociologo

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