É fundamental que a comunidade científica se mostre intransigente na defesa de sua autonomia – que é condição básica para a realização de seu trabalho
Luís Felipe Miguel - publicado em Diário do Centro do Mundo
Quando a deposição de Dilma foi sacramentada pelo Senado, eu estava participando de um congresso acadêmico. Um clima de revolta e tristeza generalizados. Mas um “colega” particularmente desprovido de caráter dizia nos corredores, para quem quisesse ouvir:
– Esses que estão por aí falando de golpe vão mudar de discurso logo que seus financiamentos de pesquisa começarem a ser cortados.
O governo Temer de fato cortou financiamento para pesquisa. Até onde pude ver, porém, foi um corte ecumênico: não usou critérios de perseguição política. Mas agora o risco é real.
A pasta da ciência e tecnologia está sendo entregue a alguém que não tem a menor vivência na comunidade de pesquisadores e que, em sua primeira declaração pública após ser oficialmente convidado para o cargo, anunciou a intenção de “combater inimigos internos e externos”.
“Inimigo interno”, como se sabe, era a denominação dada pela ditadura militar aos dissidentes políticos.
E o governo eleito, como também se sabe, orgulha-se de exibir sua falta de pudor – como mostrou ao nomear o futuro ministro da Justiça.
É fundamental que a comunidade científica se mostre intransigente na defesa de sua autonomia – que é condição básica para a realização de seu trabalho – e que garanta que as agências de fomentos ficarão imunes à instrumentalização política.
Luís Felipe Miguel é professor da UnB, coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.