Psicólogo clínico e pesquisador proferiu palestra sobre o impacto da crise política, social e ambiental e de um governo conservador nas emoções humanas
Texrto e foto: Manoela Frade
O psicólogo Marco Aurélio Bilibio é pioneiro na introdução da Ecopsicologia no Brasil. Como Representante da Internacional Ecopsychology Society no país e diretor do Instituto Brasileiro de Ecopsicologia, Bilibio estuda e trabalha neste encontro entre a Psicologia e a Ecologia, como ciência e movimento social. A Ecopsicologia explora os vínculos psicológicos com a natureza e reflete sobre como a dimensão psicológica está na raiz da crise ambiental em que vivemos, e no que a psicologia pode ajudar na superação dessa crise.
Na última semana, Bilibio esteve na ADUFRGS para refletir sobre o impacto do atual momento político, social e ambiental nas emoções humanas. Na palestra Refletindo sobre emoções destrutivas, Bilibio pontuou que a crise mundial é reflexo de uma insatisfação profunda da sociedade, mas que ainda não há no horizonte uma solução, o que gera mais insatisfação. Para ele, a última eleição, marcada pela intolerância e ódio, e as ideias vencedoras representam essa ebulição emocional e trazem impactos profundos no estado de bem-estar das pessoas. "Essa visão conservadora está muito longe de oferecer respostas para os desafios que nós temos. Vivemos uma transição sem horizontes. Isso se configura numa crise profunda". Um exemplo dessa visão limitante é a saída do Brasil do acordo do Clima. Segundo o pesquisador, neste período histórico, isto seria catastrófico para o planeta o que reverbera no estado psicológico da humanidade. "Isso é fruto de uma percepção da realidade muito tacanha, muito limitada, muito alicerçada em leituras que não vão se sustentar. Eu não acredito que essa visão de realidade que entrou agora no poder possa ser bem-sucedida. Não tem como ser". Confira a entrevista de Marco Aurélio Bilibio para o Portal ADverso.
Como a conjuntura política e o processo eleitoral marcado pela intolerância e ódio impactam nas emoções humanas?
O que a gente viveu recentemente nas eleições foi uma expressão de uma ebulição emocional, uma insatisfação profunda num contexto geral que acumula muitas crises diferentes. Vivemos hoje uma crise multidimensional e isso reverbera diretamente no estado de bem-estar das pessoas. Estamos vivendo um tempo depressivo, um tempo de insegurança, de falta de perspectiva e tudo isso só pode ser resolvido com um entendimento da realidade e um projeto que tenham a ver com as necessidades humanas mais profundas.
Hoje nós somos prisioneiros de uma forma de vida modelada pela economia que faz com que a vida fique cada vez mais apressada, com mais tempo dedicado ao secundário, e seja parte de um esquema que não parece funcionar. Então é natural que o nível de insatisfação e insegurança aumente muito. E essa eleição levantou isso: uma profunda insatisfação. E há coisas preocupantes nisso, por exemplo, a tese que ganhou a eleição é a tese da falsa segurança. É como uma volta ao passado, um retorno a uma visão conservadora da realidade que tem uma função de conservação. A vida humana conjuga a necessidade de conservação com a necessidade de crescimento, mas essa visão conservadora está muito longe de oferecer respostas para os desafios que nós temos. Ao mesmo tempo que se começa a gestar uma coisa nova, ainda sem muita forma, já nos primeiros sinais, a gente começa a perceber que vivemos uma transição sem horizontes. Isso se configura numa crise profunda. Um exemplo, o Brasil sair do acordo do Clima nesse período histórico, seria catastrófico para a mobilização global na direção de uma economia de baixo carbono. Isso é fruto de uma percepção da realidade muito tacanha, muito limitada, muito alicerçada em leituras que não vão se sustentar. Eu não acredito que essa visão de realidade que entrou agora no poder, possa ser bem-sucedida. Não tem como ser.
Essa visão tende a ser sucedida por algo que ainda não está no horizonte porque existe uma insatisfação muito grande com o que houve antes do governo Temer. Tivemos uma onda de preconceito com a esquerda, e agora temos uma onda de veneração por uma direita retrógrada. Eu, particularmente, acho que não há mais saída entre esquerda e direita. A gente precisa de uma outra coisa que ainda não se configurou.
Você sente uma insatisfação geral que tende a se agravar porque não há recursos de fato para solucionar essa insatisfação, e isso pode enganar um pouco. Estamos longe do que nós precisamos enquanto humanidade. A gente quer viver em paz, queremos viver com as necessidades básicas resolvidas, a gente quer ter relações significativas e muitas ideias que a gente se orienta precisam ser repensadas para vivermos essas necessidades. O problema é que ainda não está construída uma solução de longo prazo para o que estamos vivendo. Provavelmente, vamos viver uma crise das medidas de curto prazo até que algo novo surja.
Em sua palestra, o senhor coloca que quanto mais rígida é a cultura, mais isso se volta contra a individualidade. O que o senhor espera com a entrada do novo governo claramente conservador?
Primeiro nós vivemos o sonho da esperança e a sensação que a gente estava no caminho certo. Depois, alguns cenários foram se revelando dentro da esquerda, dando uma sensação de incoerência. Essa sensação de incoerência evoluiu para decepção e essa decepção foi muito bem aproveitada. Aproveitada por um movimento que já estava se constituindo há algum tempo como a criação de lideranças conservadoras. Do ponto de vista da esquerda, os inimigos eram muito poderosos, e na medida em que as incoerências e as decepções surgiram, ela não teve força para se manter. Acabou se criando uma visão preconceituosa da esquerda e a direita conservadora ganha espaço a partir de uma mobilização de insatisfação e uma razoável irracionalidade, porque a racionalidade foi engolida pela emoção nessa eleição. Aí vemos as falas de posicionamento extremista que vieram à tona de uma forma surpreendente. Mas vieram à tona porque na verdade estavam lá dentro como gérmen. Às vezes quando as pessoas se sentem pressionadas e impostas numa situação limite reagem com as vísceras. E foi o que aconteceu. Na medida em que a mentalidade conservadora como essa que teremos no governo vai se instalando, ela tende a ver a realidade em termos de certo e errado, branco e preto, não percebendo as sutilezas das coisas. E historicamente esse tipo de orientação que vai contra a genuinidade da pessoa e na tendência de encaixar a pessoa no que ela “deveria” ser, é o início de todas as neuroses. Não estamos vivendo um momento saudável. Nós temos muito o que caminhar. Mas, agora teremos um governo que na área de direitos civis e do meio ambiente se rege por uma lógica questionável, conservadora e que nos desconecta do planeta. Não sei quanto tempo essa lógica resiste, mas não acredito que ela tenha condições de ficar muito tempo.