Linha de pesquisa já criou poderoso bloqueador solar e agora mira o tratamento de câncer cerebral
A nanotecnologia lida com estruturas muito, muito pequenas, em escala atômica e molecular, que são utilizadas em diversas áreas do conhecimento científico. Na UFRGS, a pesquisa em nanotecnologia é multidisciplinar. Os projetos de parceria reúnem pesquisadores de áreas distintas, como da química, da bioquímica, da biotecnologia, entre outros.
A descoberta de materiais aplicáveis em sistemas nanoestruturados de carregamento e liberação de drogas (fármacos e vacinas), para melhorar a sua eficácia terapêutica, é um dos desafios dos pesquisadores da UFRGS. Considerado um dos ramos mais promissores da nanotecnologia, o desenvolvimento de novas moléculas ativas pode resgatar drogas já conhecidas, mas que foram descartadas por seus potenciais efeitos colaterais ou baixa biodisponibilidade, além de gerar novas patentes.
Um grupo de estudos da Faculdade de Farmácia desenvolve pesquisas aplicando a nanotecnologia em medicamentos e cosméticos. E o melhor: a sociedade já está se beneficiando dos resultados deste trabalho. A criação de um poderoso protetor solar fator 99, que está sendo comercializado há quase 10 anos, beneficia, principalmente, pessoas com a pele muito clara ou com algum problema dermatológico. De acordo com a professora Silvia Stanisçuaski Guterres, a fórmula fotoprotetora de base nanotecnológica é mais resistente à radiação solar e permite ampliar o tempo entre uma aplicação e outra. “Esse protetor foi o primeiro produto para uso na saúde humana, com uso de nanotecnologia, que alcançou o mercado. Temos muito orgulho desse desenvolvimento, porque se traduz em algo concreto”, destaca. A tecnologia foi patenteada no Brasil e em vários países do mundo, e os royalites da comercialização são revertidos para a Universidade.
Outro produto na área de nanotecnologia, que nasceu na bancada do laboratório e, em breve, estará disponível para uso comercial, é uma anestesia local com um efeito muito mais rápido e maior duração. “Isso é uma vantagem importante num consultório médico”, destaca Silvia. A pesquisa está passando por ensaios clínicos na indústria, antes de receber registro da ANVISA. A expectativa é que em seis meses o produto chegue ao mercado.
Na área da bioquímica, os pesquisadores estão buscando fármacos mais eficazes para o tratamento de tumores cerebrais. O cérebro humano possui uma membrana que o envolve. Porém, ao mesmo tempo em que protege, ela impede que a droga penetre no cérebro e atinja as células doentes. Por meio de nanocápsulas, os pesquisadores identificaram a possibilidade de direcionar o medicamento para o tecido cerebral. “Os resultados que tivemos para o tratamento, em estudo pré-clínicos, foram fenomenais”, adianta a professora.
Cinco vantagens dos nanossistemas em relação aos sistemas convencionais
1 - maior controle da liberação do princípio ativo, diminuindo o aparecimento de doses tóxicas e subterapêuticas
2 - utilização de menor quantidade do princípio ativo, resultando em menor custo
3 - maior intervalo de administração
4 - melhor aceitação do tratamento pelo paciente
5 - possibilidade de direcionamento do princípio ativo para seu alvo específico
Você sabia?
Uma pesquisa em banco de dados sobre as doenças mais citadas nos abstracts de patentes mundiais relacionadas a sistemas de liberação controlada de fármacos mostra a liderança do câncer, seguido do diabetes. O conjunto das seis principais doenças parasitárias (malária, leishmaniose, tripanossomose, filariose, esquistossomose e amebíase) sequer compete com o décimo lugar no ranking, o herpes. Na avaliação da professora Bartira Rossi-Bergmann, do Instituto de Biofísica UFRJ, “isso é, provavelmente, um reflexo da liderança dos países mais ricos no mercado farmacêutico, e o alto custo de medicamentos nanoestruturados, que não justificaria o investimento em doenças que afetam populações de baixo poder aquisitivo”. Ou seja, pouco lucrativas para a indústria farmacêutica.
Êxodo de cérebros para países que valorizam a ciência
Sobre a grave crise de fomento à pesquisa no Brasil, a professora de ciências farmacêuticas da UFRGS, Silvia Guterres, diz que a situação já afeta as atividades cotidianas do laboratório. Uma das áreas comprometidas é a aquisição de matérias-primas de custo elevado, que as pesquisas de ponta necessitam. “Uma pesquisa que teria o potencial para uma publicação de elevadíssimo impacto, acaba virando um artigo mais básico, porque vai trabalhar com materiais mais simples e de menor impacto”, exemplifica. Outra questão preocupante, neste cenário de crise, é o futuro dos jovens pesquisadores. Segundo a professora, é urgente pensar em políticas públicas e, também, em oportunidades de trabalho nas empresas, para que o País não perca mais cérebros para o exterior, algo que já vem acontecendo com frequência. “É muito frustrante entregar à sociedade um jovem altamente qualificado e a sua alta qualificação não ajuda-lo a encontrar uma posição profissional. Percebo uma evasão cotidiana de jovens cientistas brasileiros, buscando oportunidade em países onde a ciência é valorizada. Esse é um ponto de reflexão para o futuro”, desabafa.
Por Araldo neto