Diretor da ADUFRGS, Eduardo Rolim, falou sobre proposta do PROIFES para o debate
O Seminário Nacional Universidade Pública: autonomia e financiamento, organizado pela Apub Sindicato e PROIFES-Federação, foi retomado na manhã desta sexta-feira, 04 de outubro, no auditório do Instituto de Biologia da UFBA, com um debate importante e complexo sobre a efetiva aplicação do conceito de autonomia universitária, no momento ameaçada pelo projeto “Future-se”. À mesa, estavam presentes os expositores Eduardo Rolim, diretor da ADUFRGS Sindical e do PROIFES-Federação, o reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do CRUESP (Conselho de Reitorias das Universidades Estaduais Paulistas), Marcelo Knobel e Roberto Salles, ex-reitor da Universidade Federal Fluminense e coordenador do Grupo de Trabalho em Educação Superior da Câmara dos Deputados.
A coordenação da mesa foi da professora Marta Lícia Teles de Jesus (Apub) e Felipe Rosa (ADUFRJ); ela abriu a atividade destacando que o Seminário é também uma atividade sindical, para somar e qualificar as manifestações, atos de rua e demais ações. “Estamos preocupados com a formulação sobre nossa universidade, o ensino, a pesquisa e a extensão. É um evento de cunho teórico que nos ajuda a pensar formas de lutar, de resistir”, disse. O professor Felipe Rosa destacou a importância do Seminário no momento que a própria ideia de universidade pública, gratuita e de qualidade está sob ataque.
O resgate de um debate já histórico sobre autonomia e as proposições elaboradas pelo PROIFES-Federação pautaram a apresentação do professor Eduardo Rolim. “O tema autonomia é muito caro ao movimento docente há muito tempo, desde a promulgação da Constituição de 88 com o artigo 207”, afirmou. O artigo diz que “as universidades gozam de autonomia didático-cientifica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Apesar disso, segundo Rolim as universidades não exercem efetivamente a autonomia prevista na Constituição e, na verdade, vêm a perdendo pouco a pouco. “Comemoramos amanhã 31 anos da Constituição Federal e esse artigo 207, na prática, não existe”. Exemplo é o atual contingenciamento de recursos. Rolim explicou que, ao longo de seus 15 anos de existência, o PROIFES vem debatendo a questão da autonomia e construiu um anteprojeto de lei para regulamentação do artigo 207, que foi referendado no XV Encontro Nacional da entidade em agosto desse ano. No anteprojeto, são previstas regras para eleições de dirigentes, garantidos os repasses do governo federal sem contingenciamento e sua gestão independente pelas Universidades, a criação de uma natureza jurídica própria para elas, a determinação que tenham uma procuradoria própria, com concurso específico e um Conselho Interinstitucional, com participação da comunidade universitária, sindicatos, sociedade civil, legislativo e executivo para fiscalização e controle orçamentário. “Sabemos que autonomia não é soberania, mas entendemos que as Universidades devem ter regras próprias, obviamente seguindo as leis do país e a Constituição”, disse Rolim. Acrescentou que o próprio movimento docente precisa fazer também autocrítica por não ter feito avançar essas discussões em momento mais propício. Sobre o “Future-se”, apontou que a simples oposição não seria suficiente, sendo necessário buscar respostas mais inteligentes. “Se não formos capazes de fazer propostas alternativas, falar sobre os problemas que precisamos superar, não vamos conseguir nos contrapor a esse projeto. Como Federação, nós temos proposta, queremos ter opinião, queremos discutir. Mas não podemos falar só para nós”.
O reitor Marcelo Knobel expôs o exemplo do Estado de São Paulo, cujas universidades tê a autonomia regulamentada há 30 anos. A regulamentação, instituída por Decreto do governo Quércia, estabeleceu um percentual fixo de 8,4% do ICMS recolhido pelo Estado para a Unicamo, USP e UNESP. “Hoje, esse percentual é maior, é de 9,57%, mais 1% que vai para a Fapesp”, explicou. “Por mais críticas que tenhamos aos governos que foram passando, esses valores sempre foram integralmente repassados nos últimos 30 anos, o que fez que as universidades de São Paulo pudessem se expandir de forma muito forte”. Ele trouxe números e índices de produtividade para comprovar esse crescimento (veja aqui os slides da apresentação). Entretanto, ressaltou que a autonomia também traz dificuldades. “Hoje, na Unicamp, o governo passa o recurso e a gente é responsável por tudo, fazemos todos os contratos, todos convênios, temos nossos procuradores. Mas isso também gera problemas, porque, por exemplo, pagamos nossos próprios aposentados”. Ele contou que, como a regulamentação foi feita numa época quando as universidades eram jovens, os aposentados correspondiam a apenas 2% da folha e hoje representam 40%. Além disso, com a recessão, o ICMS no Estado de São Paulo retrocedeu ao nível de 2009. “Estamos com recursos nos níveis de 10 anos atrás e a universidade foi crescendo. Há 5 anos estamos em déficit”, disse. A Unicamp tem sobrevivido graças a certa reserva de recursos. “Essas situações têm que ser pensadas ao discutir a autonomia. Hoje temos uma situação delicada do ponto de vista financeiro”. O reitor ainda rebateu alguns argumentos utilizados para defender projetos de privatização, cobranças de mensalidades ou o próprio “Future-se”, destacando que o financiamento público é a base para a pesquisa básica e aplicada em todo o mundo, mesmo em grandes centros internacionais. No entanto, não se deve desconsiderar outras fontes de financiamento. Segundo ele, na Unicamp, existem convênios com empresas públicas e privadas que correspondem a cerca de 35% do orçamento. “O modelo de autonomia universitária correto, bem feito, pode funcionar bem e atrair outros setores, empresas e investimentos que não sejam só do Estado. Temos exemplos concretos de Universidades Públicas, autônomas que funcionam bem e estão entre as melhores da América Latina”. Finalizou afirmando que é momento de mobilizar para defender a Universidade Pública, que é fundamental para o desenvolvimento do país. “Sem Universidade Pública nosso país não tem futuro”.
Falando em nome do Grupo de Trabalho em Educação Superior da Câmara, o professor Roberto Salles, que foi reitor da UFF entre 2006 e 2014, explicou a formação e os trâmites dos trabalhos do GT, bem como o andamento do debate sobre autonomia e “Future-se” no âmbito do legislativo. “O GT é voltado para fazer um diagnóstico sobre educação superior pública e privada e apresentar propostas concretas, baseado nos pontos: ensino, pesquisa extensão, assistência estudantil, gasto de recursos”. Ele contou que foram convidadas todas as entidades ligadas à educação superior, pública e privada, e que a natureza do grupo é fazer um trabalho técnico e não político. Afirmou que a apresentação do “Future-se” “atropelou” o processo e os membros do GT fizeram um relatório sobre o projeto, que foi apresentado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Ainda, aconteceram conversas com parlamentares de diversos partidos e, como resultado, foi apresentado um projeto alternativo de regulamentação da autonomia universitária – PL 4992/2019 – de autoria do deputado Gastão Vieira (PROS). Há previsão que seja instalada em novembro uma Comissão Especial para apreciar o projeto que, de acordo com Salles, traz semelhanças com a proposta do PROIFES e ainda precisará passar por ajustes.
Após as exposições, houve participação da plateia, que apresentou questionamentos tanto em relação às tramitações dos projetos no legislativo. bem como às estratégias de mobilização e ampliação do debate sobre autonomia e o papel da universidade. O Seminário continua nedsta sexta-feiracom a Mesa “Universidade Pública e financiamento”.